Tribunal contraria fisco e anula AIMI de terrenos para construção

Autoridade tributária deverá anular a taxa adicional do IMI cobrada a fundos de investimento por terrenos que se destinam à construção de comércio e serviços. Tribunal Constitucional tem a última palavra.

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O “novo IMI” aplica-se ao património global, excluindo os imóveis comerciais, industriais ou para serviços Nuno Ferreira Santos

Os tribunais arbitrais têm contrariado a interpretação do fisco relativamente à aplicação da taxa adicional de IMI (AIMI) a terrenos para a construção de edifícios destinados ao comércio e a serviços. Mas as decisões – favoráveis a fundos de investimento e a um banco – ainda não são definitivas, aguardando recurso para o Tribunal Constitucional.

Ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), onde podem ser resolvidos litígios na área tributária, já chegaram perto de três dezenas de contestações sobre o pagamento do AIMI de 2017, e nos casos em que já se conhece a decisão, de Abril, Maio e Junho, os juízes têm considerado ilegal que o AIMI se aplique sobre terrenos para construção destinados ao comércio e serviços, considerando nulo o imposto já pago.

Apesar destas decisões serem favoráveis aos contribuintes, nem tudo o que as entidades colectivas pediram aos tribunais arbitrais teve um desfecho positivo. Os pedidos de inconstitucionalidade do AIMI, bem como o de tratamento diferenciado para fundos e instituições financeiras, não têm tido acolhimento. Numa das decisões, os árbitros chegam mesmo a afirmar que a “ilegalidade” que consideram existir quanto ao facto de ter sido liquidado AIMI relativamente a um terreno para construção de serviços “não resulta de inconstitucionalidade, mas sim da interpretação que se deve fazer” da norma do código do imposto sobre a incidência do imposto.

O polémico AIMI, de pé desde 2017, veio substituir o Imposto de Selo sobre os imóveis de luxo acima de um milhão de euros. O novo imposto aplica-se agora sobre a soma do valor global patrimonial dos edifícios de habitação e terrenos com licença de construção. No caso dos contribuintes singulares, ao património acima de 600 mil euros (ou 1,2 milhões para quem, sendo casado ou viva em união de facto, é tributado em conjunto). Em relação aos imóveis e terrenos detidos por entidades colectivas, é aplicada uma taxa de 0,4 % sobre todo o património.

A forma como as excepções ficaram consagradas no código do IMI – estão isentos os edifícios afectos a actividade comercial, serviços e indústria – tem vindo a gerar dúvidas de interpretação, levando dezenas de fundos de investimento e, pelo menos, um banco, a contestar a aplicação do AIMI sobre os terrenos para a construção destinados a serviços e comércio.

O entendimento do fisco tem sido exactamente o contrário. Em informações vinculativas recentes, os serviços da autoridade tributária consideram que só estão excluídos de tributação os prédios rústicos e os prédios urbanos “comerciais”, “industriais”, “para serviços” e “outros”. Quanto aos “prédios urbanos ‘terrenos para construção’”, o fisco entende que na lei não é feita qualquer distinção em relação ao que pode ser construído, se edifícios de habitação ou de comércio e serviços.

A caderneta predial

De várias decisões do CAAD analisadas pelo PÚBLICO (em que se desconhece o nome dos contribuintes) destaca-se o caso de um fundo de investimento que, depois de ter pago o AIMI em Setembro relativamente a um terreno avaliado em 8,7 milhões de euros (em valor patrimonial tributário), decidiu contestar a liquidação, por estar em causa um terreno cujo coeficiente de localização inscrito na caderneta predial foi o de “serviços”.

Esse contribuinte pediu a impugnação do imposto defendendo que a norma fiscal em causa (o n.º 2 do artigo 135.º-B do código do IMI) deve ser interpretada “com o sentido” de que ficam de fora do AIMI os “terrenos para construção que não se destinam a habitação em coerência com a opção legislativa de excluir da incidência os prédios classificados como ‘comerciais, industriais ou para serviços’”.

O tribunal arbitral concordou com essa interpretação, considerando que aquela norma, além de excluir do AIMI os prédios urbanos classificados como destinados a “serviços”, foi desenhada com a intenção legislativa de excluir também os terrenos destinados à construção desses prédios (de serviços). Os árbitros acabariam por determinar a anulação dessa parte do imposto, decidindo que o fisco deve devolver ao fundo de investimento a quantia paga (34,9 mil euros) e os respectivos juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento.

O tribunal considerou que se se adoptasse uma interpretação literal, ou seja, se se assumisse que todos os terrenos para construção estariam abrangidos pelo AIMI, essa norma seria “materialmente inconstitucional”, sendo “incompaginável com o princípio da igualdade” previsto no artigo 13.º da Constituição, “ao considerar facto tributário a titularidade de terrenos para construção de prédios destinados a serviços e não a titularidade dos prédios neles construídos”.

Se as decisões têm ido neste sentido relativamente aos terrenos para construção que se destinam ao comércio e serviços, já em relação a terrenos para a construção de habitações aconteceu o contrário. O mesmo fundo de investimento era dono de terreno de 9,2 milhões de euros destinado a construir habitação e, em relação ao pedido de impugnação do AIMI, o tribunal não lhe deu razão, considerando que o AIMI incide sobre os prédios habitacionais e os terrenos para construção de prédios habitacionais.

Ao mesmo tempo, os árbitros entenderam que “a específica situação dos fundos de investimento imobiliário, como entidades de investimento colectivo detentoras de património imobiliário destinado a habitação, não se afigura merecer um tratamento especial relativamente à generalidade dos cidadãos que individualmente se encontram na mesma situação [enquanto detentores de habitação]”.

Num outro processo que envolve um banco foi pedida a impugnação do AIMI (de 117,9 mil euros) relativamente a um património de 29,5 milhões de euros, onde se incluíam terrenos para construção de prédios industriais, comerciais e destinados a serviços. Aqui, a decisão obtida através do CAAD ficou longe da desejada pelo banco. O fisco terá de devolver apenas 7586 euros, porque, à semelhança da outra decisão, alguns daqueles terrenos destinam-se à construção de imóveis para serviços e comércio. Mas já em relação a um conjunto de prédios em que o banco alegava que se destinavam “à sua instalação e funcionamento e à prossecução do seu objecto social, designadamente a sua actividade creditícia no ramo imobiliário”, a decisão arbitral foi desfavorável.

TC chamado a intervir

Em três dos cinco pedidos de impugnação do AIMI já decididos no CAAD, o fisco pediu expressamente para que o Ministério Público fosse notificado das decisões arbitrais, o que implica a sua reavaliação pelo Tribunal Constitucional. Habitualmente, as decisões dos tribunais arbitrais não são recorríveis, mas há algumas excepções. E isso acontece quando são suscitadas questões relativas à constitucionalidade de normas.

Nos casos já decididos, os pedidos de impugnação envolviam valores que superam um milhão de euros. Em relação às decisões já recorridas, ainda não é conhecida a decisão do Tribunal Constitucional. Nos restantes dois casos já julgados no CAAD, num deles foi dado 100% de razão ao requerente e noutro ao fisco, mas as situações avaliadas evolviam questões específicas.

O número de decisões arbitrais vai crescer, tendo em conta o número de processos de impugnação que já deram entrada na CAAD. No centro de arbitragem estão na fase final de decisão pelos árbitros mais 23 pedidos de impugnação de AIMI. Há ainda outro pedido em fase preliminar, ou seja, ainda está a ser constituído o tribunal arbitral, que para uma acção acima de 60 mil euros implica a nomeação de três árbitros pelo conselho deontológico. Num número muito reduzido de casos, os árbitros são nomeados um pelo conselho deontológico e os outros dois por cada uma das partes.

Criado em 2009, o CAAD já recebeu 3865 processos, tendo decidido 3470, dos quais 95,8% por decisão arbitral. Nos restantes 4,2% registou-se a revogação dos pedidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira ou arquivamento em fase de procedimento arbitral. O valor económico (o imposto que é reclamado ao fisco) do total dos processos entrados ascende a perto de 970 milhões de euros, com os casos de 2018 a representarem 130 milhões de euros, ou seja, 13% do total.

Das decisões já tomadas neste ano, no valor de 97,7 milhões de euros, 57% foram favoráveis aos contribuintes, contra os 43% favoráveis ao fisco.

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