Novo Banco e BCP já perderam quase 700 milhões de euros com a Ongoing

Exposição das duas instituições financeiras à Ongoing chegou aos 493,5 milhões de euros no caso do Banco Espírito Santo, agora Novo Banco e aos 292 milhões de euros no caso do BCP.

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Nuno Vasconcelos, líder da Ongoing Rui Gaudêncio

A Ongoing abriu um buraco nas contas do Novo Banco e do BCP próximo dos 700 milhões de euros. Um montante que ultrapassa 0,3% da riqueza produzida em Portugal em 2017 e que resulta da incapacidade de recuperar os créditos concedidos pelo então Banco Espírito Santo (BES) e pelo BCP à empresa liderada pelos “consultores” Nuno Vasconcelos e Rafael Mora.

Este valor resulta de uma gigantesca exposição das duas instituições financeiras à Ongoing que, no caso do BES (agora Novo Banco), chegou aos 493,5 milhões de euros e, no BCP, aos 292 milhões de euros e que leva a que actualmente, mesmo depois de já terem sido efectuadas penhoras sobre a Ongoing e anulados juros sobre as dívidas, as perdas registadas pelas duas instituições representem cerca de 440 milhões de euros, no caso do Novo Banco, e 230 milhões de euros, no caso do BCP, um total de 670 milhões de euros que representam mais de 80% dos empréstimos inicialmente concedidos.

Os créditos concedidos à Ongoing, uma empresa que está em liquidação, mais do que servirem para financiar qualquer actividade económica, foram utilizados para ajudar o BES a controlar a Portugal Telecom (PT) e permitiram abrir a porta do BCP à equipa de gestão chefiada por Carlos Santos Ferreira que vinha da CGD e que integrou dois dos actuais administradores do Novo Banco, António Ramalho e Vítor Fernandes.

A queda do Grupo Espírito Santo no Verão de 2014 tornou evidente que existia um núcleo de empresas e de gestores a circularem na órbita do BES, que já não era apenas um banco, mas uma caixa onde todos iam buscar dinheiro. E uma das entidades que se servia era a Ongoing. Mas o espanhol Rafael Mora e o português Nuno Vasconcelos não iam só levantar fundos ao BES, como colocavam também o banco a garantir divida contraída noutras instituições. Foi o que aconteceu no final de 2013 quando o Crédit Suisse reclamou da Ongoing 216 milhões de euros, uma quantia que estava caucionada pelo BES. Não é assim de estranhar que, antes do colapso registado no Verão de 2014, o banco da família Espírito Santo contabilizasse uma exposição à Ongoing de 493,5 milhões de euros.

Já os créditos contraídos pela dupla luso-espanhola junto do BCP visaram construir uma posição de 10% na PT, onde mandava o BES. Os empréstimos de 292 milhões de euros estavam garantidos pelos títulos da operadora, mas essa garantia de pouco serviu.

Enquanto circulou o dinheiro, a Ongoing foi forjando as solidariedades que iam das grandes empresas (por exemplo, PT, EDP, BES, BCP ou CTT) à política, à maçonaria e às secretas. Solidariedades que permitiram a Vasconcelos e Mora (ambos visados actualmente em várias investigações criminais) aparecerem, ainda que num curto espaço de tempo, com o estatuto de símbolos de uma época marcada pela imagem e busca de influência.

Fim da PT muda tudo

Tudo mudou, no entanto, em 2011 quando a  PT deixou de distribuir generosos dividendos e a Ongoing deixou de ter condições para renegociar as suas dívidas à banca fazendo rebentar enormes buracos no Novo Banco (BES) e no BCP, que não só concederam enormes montantes de crédito como o fizeram com má avaliação do risco.

E é assim que à cabeça dos 44 maiores devedores tóxicos do Novo Banco está a grupo Ongoing e o seu líder, Nuno Vasconcelos, com uma exposição actual de 440 milhões de euros. Em 2015, a instituição agora liderada por António Ramalho ainda executou as acções da PT SGPS, hoje Pharol, detidas pela Ongoing, mas o valor da venda apenas rendeu cerca de cinco milhões de euros. E em 2017, por exemplo, a venda do prédio da Rua Vítor Cordon, em Lisboa, onde Vasconcelos e Mora tinham o seu quartel-general terá rendido, segundo o Expresso, oito milhões de euros.
No quadro da limpeza de balanço António Ramalho deu os créditos da Ongoing como incobráveis. E tudo o que conseguir ainda reaver irá à conta de resultados como ganhos. O que será muito pouco. Fontes da instituição referem que a taxa de recuperação previsível está abaixo de 4%, mas pode nem haver recuperação face à inexistência de património da Ongoing e do seu líder. Ou seja, no cenário mais optimista pode ir buscar menos de 17 milhões. 

Os 440 milhões de euros levados a perdas representam mais de 55% dos 792 milhões de euros que os contribuintes nacionais injectaram no Novo Banco em Março deste ano. Quando, há três meses, António Ramalho divulgou as contas de 2017, com prejuízos de 1395 milhões de euros, justificou-se com a constituição de imparidades para crédito no valor de 1230 milhões. O reconhecimento agressivo e rápido de prejuízos, associado a uma desvalorização de activos, surpreendeu, mas permitiu ao Lone Star, com 75% do Novo Banco, activar o mecanismo de capital contingente. No acordo entre o Estado e o Lone Star ficou estabelecido que sempre que os rácios de capital do banco desçam abaixo de determinado valor, o mecanismo é activado, podendo o Novo Banco ser compensado até 3,9 mil milhões de euros pelo Fundo de Resolução, que é um fundo público.

Na folha de cálculo dos prejuízos que o dossier Novo Banco já gerou aos contribuintes nacionais, o Fundo de Resolução, com 25% da instituição gerida pelo Lone Star, tem uma preocupação: reduzir  o peso dos NPA (non performing assets), que equivale a 29,7% do activo do banco. Os NPA englobam, por exemplo, imóveis desvalorizados ou com contingências, posições em Fundos de Reestruturação para os quais foram transferidos créditos.

Hoje, os contribuintes nacionais arriscam-se a perder com o antigo BES qualquer coisa como 11 mil milhões de euros: perto de 6% do PIB português de 2017.

Mas a factura Ongoing também afecta, e muito, o BCP, estando mesmo na lista dos maiores devedores do banco. A dívida, depois de anulados juros e efectuadas penhoras, é agora de 230 milhões de euros.

Para chegar à origem desta dívida, é preciso recuar muitos anos e perceber que não é só a exposição descontrolada do antigo BES e do BCP à Ongoing que surpreende, é ainda a falta de clareza no processo decisório de concessão de crédito.

Entre 2006 e 2010, financiados pela banca, a dupla Mora e Vasconcelos apresentou-se com 10% da PT SGPS. As acções da operadora serviam de garantia desde que a cotação não descesse abaixo de 6,5 euros por acção. Mas a partir de 2011 o preço de mercado da PT resvalou e os credores deviam ter exigido a colaterização das dívidas a 100%. Mas só em 2015 é que o BCP penhorou as garantias, e ficou com 6,17% da então já rebaptizada Pharol, posição que valia, a preços de mercado, 15,3 milhões de euros. Em 2017, o encaixe da venda das acções da Pharol ficou em 13,9 milhões de euros.

No ano em que levou a perdas a sua exposição à Ongoing de 230 milhões, o BCP registou imparidades para crédito de 833 milhões de euros. Nuno Vasconcelos foi também financiado a título pessoal por este banco. Mas tal como o Expresso avançou, quando o BCP tentou executar o líder da Ongoing por uma dívida de 9,7 milhões, apenas encontrou uma mota de água.

O fim da Ongoing

As crises financeiras e da dívida pública puseram fim ao acesso fácil ao crédito. E o modelo de crescimento da Ongoing sustentado apenas em dívida, de quase 1,2 mil milhões de euros, deixou de ser viável. Mas a história da Ongoing é também a de dois consultores que se conheceram nos anos 1980, na antiga Andersen Consulting, e depois montaram em Portugal a filial da Heidrick & Struggles (H&S), a caçadora de cérebros norte-americana (que voltou agora a ser recuperada pela casa-mãe). E através da H&S acederam à geração de gestores na calha para assumir o poder e que, na prática, lhes abriram as portas das grandes empresas. 

Mas só em 2006 é que a dupla luso-espanhola ganhou notoriedade. Para substituir Monteiro de Barros na PT, com quem se incompatibilizara, Ricardo Salgado chamou Nuno Vasconcellos, que, pouco depois, apareceu com 2% da Espírito Santo Financial Group (ESFG), holding do BES e 2% da PT SGPS. Remonta aqui o período descontrolado não só de endividamento da Ongoing, mas também de concessão de crédito por parte do BES e do BCP. E que serviu para montarem uma estrutura de influências que se estendia a vários domínios.

Em 2008, Vasconcelos anuncia que não tinha apenas 6,07% da Impresa, mas que comprara o Diário Económico e o Semanário Económico, por 27,5 milhões de euros, cerca de 100% mais do que o oferecido pela Sonae (dona do PÚBLICO). Os dois títulos que na passada sexta-feira foram postos à venda em leilão electrónico para pagar a credores (entre eles, estão os trabalhadores).

Ao colapso da Ongoing seguiram-se os processos na justiça. A dupla Vasconcelos e Mora aparece pela primeira vez no radar do Ministério Público na operação Face Oculta, que revela a Ongoing articulada com o grupo alinhado com José Sócrates, para controlar a TVI. Os dois voltam a ser visados em investigações quando aparecem a dinamizar a loja Mozart 49, da Grande Loja Regular de Portugal, e a contratar aos serviços secretos nacionais altos quadros que colocam a espiar os adversários e a defender interesses e negócios. E estão associados a processos criminais pela gestão danosa da PT.

É aos dois amigos, que se tratavam por “meu irmão”, cumprimentando-se com um beijo, que se atribui a estratégia de guerra interna que se desencadeou dentro do BCP para afastar o grupo de Jorge Jardim Gonçalves e abrir a porta a uma gestão alinhada com o BES.  

Um processo que abre a porta, em 2008, à entrada de Carlos Santos Ferreira, que deixa a CGD com o apoio de José Sócrates, então primeiro-ministro, e do então governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio. A saída de Santos Ferreira da CGD é antecedida de várias decisões que se revelaram ruinosas para o banco público. A mais mediática foi o envolvimento activo na guerra interna do BCP delineada por Rafael Mora, a apoiar Paulo Teixeira Pinto (então presidente executivo do BCP), em que a CGD apareceu a financiar em larga escala (recebendo como colaterais títulos cotados) a oposição de Jardim Gonçalves (então chairman do BCP). Estamos a falar de Joe Berardo, de Manuel Fino e da Teixeira Duarte. O resultado é conhecido: a Caixa ficou com a posição de 10% que Fino tinha na Cimpor; e a CGD registou um “buraco” de 300 milhões de euros de créditos concedidos a Berardo.

Com Santos Ferreira, transitaram da CGD, em 2008, para o BCP Armando Vara e Vítor Fernandes (este estava na gestão do banco público desde 2004), cujos actos estão neste momento a ser avaliados pelo Ministério Público.

Já no BCP, em 2010, para substituir Vara (envolto em processos judiciais), Santos Ferreira foi buscar para administrador financeiro António Ramalho. O homem que o Fundo de Resolução convidou para substituir Eduardo Stock da Cunha à frente do conselho de administração executivo do Novo Banco, onde também está Vítor Fernandes. E que os norte-americanos do Lone Star reconfirmaram já este ano nas funções. 

Noticia corrigida às 12h40, alterando a percentagem do peso da dívida em termos de PIB, para 0,3%

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