Métodos usados nas ETAR não são eficazes na remoção dos vírus mais resistentes

Análises a amostras recolhidas em 15 ETAR de Norte a Sul de Portugal revelaram a presença de quantidades elevadas de material genético de vírus como o poliomavírus JC e o norovírus.

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Hugo Delgado/Arquivo

Um estudo desenvolvido na Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra (FFUC) concluiu que os métodos utilizados nas estações de tratamento de águas residuais (ETAR) não são eficazes na remoção dos vírus mais resistentes, foi anunciado esta segunda-feira num comunicado da Universidade de Coimbra.

Uma investigação realizada por especialistas da FFUC concluiu que “os actuais métodos utilizados” nas ETAR “não são eficazes na remoção dos vírus mais resistentes”, lê-se no comunicado. “Análises realizadas em amostras colhidas em 15 ETAR, de Norte a Sul do país”, no âmbito daquele estudo, revelaram “a presença de quantidades elevadas de material genético de alguns vírus, tais como poliomavírus JC e norovírus”, sublinha-se.

O poliomavírus JC é “muito pouco conhecido”, mas “muito comum entre a população humana”, refere a Universidade de Coimbra, adiantando que, no entanto, “este vírus apenas causa doença em indivíduos que tenham o sistema imunitário bastante comprometido, o que pode acontecer devido a diversas patologias”.

Nestes doentes, o vírus JC pode causar Leucoencefalopatia Progressiva Multifocal (PML, na sigla em inglês), “uma doença desmielinizante [significa que são provocadas lesões nas bainhas de mielina que envolvem as fibras nervosas, que são afectadas de forma progressiva, e por vezes irreversível] do sistema nervoso central que pode ser fatal”. Já o grupo dos norovírus é um dos principais responsáveis por gastroenterites e pode ser transmitido através da ingestão de água ou alimentos contaminados.

Como não existe legislação, nem a nível nacional, nem europeu, que regule a presença de vírus nas águas residuais tratadas, o estudo focou-se em detectar e quantificar a existência dos vírus mais resistentes “com o objectivo de chamar a atenção das entidades competentes e dos decisores políticos para a necessidade de incluir esta avaliação nas ETAR por forma a evitar riscos para a saúde humana”, frisa Ana Miguel Matos, coordenadora do estudo e docente da FFUC.

“Os efluentes das ETAR são lançados nos recursos hídricos para reutilização, podendo ser uma via de transporte destes vírus para população”, salienta ainda a investigadora, citada no comunicado. “Não pretendemos causar alarmismo, mas sim produzir informação que leve à implementação de novas práticas de avaliação da qualidade da água que sai das ETAR para prevenir a dispersão de vírus.”

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A investigadora Ana Miguel Matos DR

Para avaliar em que medida os actuais métodos de tratamento de águas residuais praticados pelas diferentes ETAR são eficazes na destruição de vírus, as análises foram realizadas em esgotos não tratados (influentes colhidos à entrada das ETAR) e nos respectivos efluentes (à saída das ETAR).

À entrada das ETAR, o vírus JC surgiu em 14 das 15 estudadas, com níveis de concentração de 538 mil vírus por litro. Após o tratamento, o genoma do vírus JC permaneceu detectável em oito ETAR, embora em concentrações inferiores (213 mil vírus por litro), indica-se no comunicado.

No caso dos norovírus, foi detectada a sua presença (antes de qualquer tratamento) também em 14 ETAR mas em concentrações superiores (um milhão de vírus por litro). À saída, o vírus permanecia em dez ETAR, em concentrações de 266 mil vírus por litro. Os investigadores verificaram ainda que a permanência destes vírus à saída das ETAR é independente dos métodos de tratamento aplicados por cada uma delas.

A próxima fase do estudo será verificar se estes dois vírus resistem a um método inovador de tratamento de águas residuais que está a ser desenvolvido por uma equipa de investigadores do Departamento de Engenharia Química da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. O método em causa combina a utilização de ozono fotocatalítico e biofiltros com uma amêijoa de água doce conhecida como amêijoa asiática (Corbicula flumínea) para remoção de vírus e bactérias das águas residuais.