“Quando quem manda nos partidos estiver convencido, tudo será fácil”
Rosa Monteiro, secretária de Estado da Cidadania e da Igualdade de Género, diz que “grande parte” da responsabilidade pela falta de participação das mulheres na política “está do lado dos partidos e de quem decide nos partidos”.
Sobre quotas, pode falar como política e como perita em estudos sobre mulheres. Antes de entrar no Governo, Rosa Monteiro dedicava-se à investigação no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Doutorou-se em Sociologia com uma dissertação intitulada Feminismo de Estado em Portugal: mecanismos, estratégias, políticas e metamorfoses, que tem um capítulo inteiro sobre quotas. O assunto foi introduzido no Parlamento pelo PS em 1998. Volvidos dois anos, o BE apresentou alguns projectos. Uma quota de 33,3%, que fundia propostas desses dois partidos, acabou por passar em 2006. Houve um veto presidencial e uma emenda. E o sistema mereceu apenas os votos favoráveis do PS. Um balanço – feito já este ano pelas investigadoras Maria Helena Santos, Ana Luísa Teixeira e Ana Espírito-Santo – conclui que os partidos assimilaram a letra da lei, mas não interiorizaram o espírito da lei, isto é, não assumiram que a paridade é o objectivo. Sugere que se aumente a proporção mínima de cada sexo nas listas e que se encontre um novo sistema de ordenação. O Governo já apresentou uma proposta de projecto de lei nesse sentido. O diploma foi aprovado na generalidade e está a ser trabalhado pela Subcomissão para a Igualdade e não Discriminação, que começou esta semana a fazer audições.
Por que são as quotas de género controversas?
Há um preconceito. Há a ideia de que as coisas acontecem de forma natural, atendendo apenas ao mérito. Este complexo sempre foi um obstáculo a qualquer forma de acção positiva, seja para mulheres, seja para outros grupos sociais. No fundo, isto assenta num desconhecimento de que há formas de discriminação indirecta. Os tectos de vidro estão lá, mas são transparentes. Desde a década de 70, temos as mulheres com uma participação laboral muito forte a tempo inteiro. Temos também um aumento significativo de mulheres com elevada escolarização. Não é uma questão de falta de mérito. Não são razões individuais. São razões estruturais.
Foi aprovada uma quota de 33,3% em 2006 e estamos com uma representação parlamentar na ordem dos 35,2%...
Não tenho dúvida que se não existisse a lei da paridade estaríamos muito pior. Ao nível autárquico houve uma evolução significativa, apesar de tudo. Houve necessidade de procurar mulheres que pudessem assumir cargos nas vereações, nas assembleias municipais, nas assembleias de freguesia. Acredito que sem a quota muitas destas mulheres não estariam hoje na vida política.
Porquê passar agora para 40%?
A recomendação do Concelho da Europa é pelo menos 40%. Sabemos que há movimentos sociais que defendem 50/50. O que nós dizemos é: abaixo dos 40, não. Sempre tive consciência, até pela minha participação na vida política, que este era um domínio que urgia reparar.
Não estava previsto no programa de Governo…
Não, o que estava previsto desde que a lei foi criada era uma avaliação. Isso foi sendo protelado. Quando tomei posse, pedi um balanço a três investigadoras que têm realizado investigação sobre esta matéria e que fizeram um estudo que está publicado no site da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género. O estudo esteve na base daquilo que são as inovações da proposta de revisão da lei da paridade, mas fomos nós, eu e a senhora ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, que consideramos que era urgente garantir condições de efectividade. A lei, da forma como estava desenhada, não obstante aquele mecanismo de fecho-ecler [não podem ser colocados mais de dois candidatos do mesmo sexo em posições seguidas], não garante isso. Está no novo diploma, e para nós é fundamental, outro princípio da ordenação: os dois primeiros lugares de qualquer lista têm de ser ocupados por pessoas de sexo diferente. O que acontece [com a actual lei] é que as mulheres vão em terceiro lugar, em sexto, em nono, o que contribui muito para a reduzida ou limitada efectividade da lei. Quem está em terceiro tem menos possibilidades de ser eleito do que quem está em primeiro ou segundo.
De vários lados surgem dúvidas sobre a possibilidade prática de se cumprir esta quota nas zonas mais pequeninas…
Nas freguesias. Nas zonas mais pequeninas existem mulheres e homens tal como nas zonas grandes. O que é preciso é fazer um trabalho de capacitação das mulheres para a política, os partidos estarem disponíveis para fazer este trabalho e assumirem uma atitude proactiva para garantirem uma participação equilibrada. Temos hoje mulheres altamente qualificadas que participam na gestão das empresas, nas organizações, no voluntariado, no associativismo local. São participativas em termos cívicos e sociais, não há razão para assumirmos que não existem nos territórios mais pequenos. Fui vereadora no concelho de Viseu, que tem um conjunto de freguesias de pequena dimensão, e conheço muitas mulheres. Assim seja feito um trabalho de capacitação pelos partidos.
Haverá algum apoio para isso?
Quando desenharmos o novo programa de financiamento queremos ter uma linha que servirá para projectos que a nível local possam fazer este trabalho. A falta não está do lado das mulheres. A falta está do lado de um conjunto de mecanismos e de trabalho que garanta uma igualdade de oportunidades para que elas possam participar. Grande parte do problema está do lado dos partidos e de quem decide nos partidos. Quando quem manda nos partidos estiver convencido, tudo será fácil.
Como é que se convence?
É importante todo o trabalho que se faz para promover a igualdade de género, combater os estereótipos, a ideia de que as mulheres são da casa e os homens são da vida pública, que parece antiquada, mas que permanece e justifica e legitima muitas coisas. Há um bom número de constrangimentos sociais que determinam as representações, a formas como as pessoas pensam, mas também as práticas de vida. As mulheres estão sobrecarregadas, assumem mais as tarefas familiares e domésticas e, portanto, a sua disponibilidade é mais limitada. Se nós tivéssemos uma distribuição de tarefas domésticas e de responsabilidades parentais mais equitativa, mais igualitária, tão difícil seria um homem ir a uma reunião às oito da noite como uma mulher. Temos um modelo de funcionamento da vida política que é difícil para quem tem estes encargos. Há aqui todo um caldo – de representações sociais, da vida das pessoas, da organização social e das instituições – que em nada favorece a igualdade. As políticas de paridade vão chamar a atenção para isto, induzir uma mudança que vá para lá da presença apenas das mulheres na política, que imponha novos códigos e novas formas de organização da sociedade.
Já viu ferramenta criada pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género para medir a sensibilidade dos parlamentos?
É espectacular. O que esta ferramenta faz é introduzir elementos que servem para fazer um autodiagnóstico, mas que também dão dicas. Quando questiona: existe um código de conduta anti-assédio? Está a dizer: se não existe, é importante que exista. Quem são os líderes das comissões? Nós, muitas vezes, pensámos que há um tratamento igualitário, mas quando vamos ver percebemos que há aqui uma distribuição que está muito condicionada pelos estereótipos de género.
Há também um olhar para o parlamento enquanto organização….
Essa dimensão de identidade empregadora é muito interessante e inovadora. Perguntam, por exemplo, se existem estruturas ou apoios financeiros para a conciliação [da vida laboral com a vida familiar]. No caso do parlamento português há um elemento: a creche. As instituições não devem apoiar a igualdade de género apenas retoricamente. Também o devem fazer nas suas vivências, nas suas práticas organizacionais, mas condições que têm.
Também abre espaço para outra questão: qual será, afinal, o efeito da participação das mulheres?
Não há um estudo de correlação. Tudo indica que quando há mais mulheres há uma outra visão e até outras formas de priorizar certas temáticas. Eu não gosto daquela ideia de que só as mulheres têm uma visão humanista. Isso fortalece estereótipos. Eu acho é que na política a diversidade de experiências e vivências sociais das pessoas concretas e reais está espelhada e como está espelhada surgem novas preocupações, novas formas de ver.