Bancada do PSD indignada com acusação de votar "à revelia" de Rui Rio
Deputados não aceitam a crítica e lembram que a indicação de voto foi enviada por e-mail pela direcção que o líder do partido escolheu.
A bancada parlamentar do PSD ficou indignada com a acusação de que terá votado um projecto do CDS à revelia do líder do partido. Deputados ouvidos pelo PÚBLICO durante esta sexta-feira recusam qualquer responsabilidade e lembram que a indicação de voto foi dada pela “direcção que Rui Rio escolheu”.
A explicação para a notícia avançada pela agência Lusa, e confirmada por fonte da direcção do PSD, é que Rui Rio quis demarcar-se de um projecto de lei que pode ter impacto nas contas públicas. Apesar das cautelas dos deputados sociais-democratas, nos últimos dias, ao sublinharem que era uma aprovação na generalidade e que, em sede de especialidade, o PSD ainda poderia influenciar a proposta, o líder do partido não quis pôr em causa a sua defesa da sustentabilidade das finanças do Estado.
Na direcção da bancada havia, de facto, a preocupação com uma possível violação da lei-travão no âmbito orçamental, através da perda de receita. Mas foi também por essa razão que o CDS admitiu a entrada em vigor só em 2019. O trabalho de limar arestas seria feito na comissão de orçamento e finanças.
A acusação de votação feita "à revelia" foi apontada a toda a bancada e não apenas à direcção do grupo parlamentar o que deixou os deputados zangados. “Isto não foi a bancada, foi a direcção da bancada”, comentou um parlamentar, lamentando a confusão criada e defendendo que os deputados cumpriram ordens, o que é diferente de actuar "à revelia". Tal como é hábito nas votações em plenário, os sociais-democratas receberam por e-mail, enviado pela direcção da bancada, a indicação de voto favorável ao projecto de lei do CDS que, com a abstenção do BE e PCP, foi aprovado.
Só que a própria direcção da bancada parlamentar liderada por Fernando Negrão foi esta sexta-feira surpreendida com a notícia da agência Lusa, citando fonte da direcção, de que o voto favorável do PSD ao projecto de lei do CDS sobre os combustíveis foi “à revelia” da direcção do partido, o que foi considerado “gravíssimo”. Fernando Negrão lembrou que o PSD votou da mesma forma as outras quatro vezes que a mesma proposta foi a votos e que “procedeu da mesma forma com Rui Rio”.
O líder do partido, durante a apresentação de uma proposta de reforma da zona euro, escusou-se comentar “questões internas” do partido.
Fernando Negrão e Rui Rio almoçaram, esta semana, no final das jornadas parlamentares do PSD, mas a avaliar pelo puxão de orelhas do líder do PSD ao presidente do grupo parlamentar isso não foi suficiente para clarificar a posição do partido. Os dois vão almoçar nos próximos dias para “articular toda a estratégia”, nas palavras do secretário-geral José Silvano, que tentou pôr água na fervura no raspanete que Rio deu a Fernando Negrão. José Silvano desvalorizou o caso e abriu a porta à possibilidade de haver “opiniões divergentes” sobre o assunto. Outra fonte da bancada assegurou ao PÚBLICO que as questões têm sido articuladas entre as duas partes e que o projecto de resolução sobre combustíveis, esse, foi mesmo coordenado com Rio.
Antigos dirigentes da era de Passos Coelho estranham ainda mais uma possível falta de articulação entre Negrão e a direcção do partido. É que na liderança anterior os temas mais importantes que iam a votação na Assembleia da República eram debatidos na comissão permanente do partido, órgão presidido pelo líder e onde estão os vice-presidentes e o líder da bancada. “Quando não havia tempo para discutir ou o assunto surgia depois fazia-se um telefonema”, descreveu ao PÚBLICO um antigo dirigente.
A surpresa dos deputados prende-se também com o facto de a posição do PSD sobre o projecto do CDS ser conhecida há vários dias. Há quem lembre que ainda na passada quarta-feira foi exibido um tempo de antena do PSD sobre os combustíveis em que foi o próprio Rio a acusar o Governo de não cumprir o prometido sobre esta matéria. “Os portugueses pagam a gasolina e o gasóleo a preços muito mais elevados”, afirmou o líder do partido no vídeo de cinco minutos sobre o assunto.
A direcção do partido, por seu turno, entende que o PSD tinha de fazer a diferença já que o seu próprio projecto era de resolução – mais recuado do que o do CDS – e que, por isso, não fazia sentido viabilizar a iniciativa centrista. É que o projecto de lei do CDS, que foi apenas votado na generalidade, pode levar a perda de receita fiscal enquanto o do PSD era mais cauteloso, argumentaram fontes sociais-democratas. E foi nesse contexto que Rui Rio disse, no encerramento das jornadas do PSD na passada terça-feira, que os combustíveis são um exemplo de que o Governo não cumpriu o prometido, mas que não cabe ao PSD empurrar o executivo para “o populismo”.
Horas depois de o desconforto de Rui Rio ter sido público foi conhecida a primeira baixa no Conselho Estratégico Nacional: José Matos Correia, coordenador para a área da Segurança Interna e Protecção Civil, demitiu-se, alegando motivos pessoais e profissionais. Para o lugar do deputado e ex-vice-presidente de Passos Coelho foi escolhido o ex-secretário de Estado Luís Pais de Sousa.
A aprovação do projecto de lei do CDS foi entretanto desvalorizada pelo primeiro-ministro, para quem a iniciativa não vai ter, para já, qualquer "tradução prática" até por causa da possível violação da lei travão. “Essa folga nunca pode existir este ano porque a Constituição não permite ao Parlamento aprovar reduções de receita. Há um debate em curso na Assembleia da República e, como o Governo disse, só estamos disponíveis para discutir a tributação da energia no seu conjunto e no momento próprio - o debate orçamental”, afirmou.
O PS quer adiar para depois das férias a discussão na especialidade e a votação final global, ganhando assim tempo para que as alterações a introduzir sejam feitas pelo Orçamento de 2019 (que será apresentado até 15 de Outubro). O BE, apesar de ter já apresentado um projecto para a eliminação da sobretaxa, não se opõe a que, de facto, o assunto fique decidido apenas em sede de OE2019, confirmou o PÚBLICO junto de fonte da direcção do BE.
O CDS apresentou um requerimento à presidente da Comissão de Orçamento e Finanças a solicitar a prioridade do debate e votação na especialidade do referido diploma de forma a que possa haver votação final global ainda na actual sessão legislativa. Fonte do PCP disse ao PÚBLICO que o partido não tem nenhuma objecção a que esta discussão seja prioritária.