“É o começo de um debate, mas não estou impressionado”
Guntram Wolff, director do Bruegel, salienta a importância de França e Alemanha finalmente estarem a discutir a reforma do euro, mas revela-se desiludido com a falta de avanços em algumas áreas.
Director de um dos mais importantes think tanks europeus, o economista alemão Guntram Wolff gostaria de ter visto a França e a Alemanha irem, no seu acordo, mais longe em questões como o orçamento da zona euro ou a conclusão da união bancária. E alerta para o risco de, na próxima cimeira, se vir a assistir ainda a uma grande divergência de posições.
A declaração conjunta da Alemanha e da França é o passo que faltava para se avançar para um reforço significativo da união monetária europeia?
A notícia positiva aqui é que a Alemanha e a França estão a falar. E que conseguem mesmo chegar a acordo em relação a algum tipo de texto, mesmo que preliminar. Isso é positivo para a Europa. Agora, os detalhes são importantes e, em geral, não estou muito impressionado com aquilo que vejo neste acordo.
A criação de uma capacidade orçamental não é importante?
O que vejo é algo a que se chama orçamento da zona euro, que é financiado através de três fontes diferentes, mas em que a governação não é nada clara e onde o Parlamento Europeu é posto de lado, o que torna este orçamento num “animal” intragovernamental. A dimensão do orçamento não é evidente, mas acredito que é bastante possível que no fim tenhamos qualquer coisa que não passe dos 10 mil milhões ou 15 mil milhões de euros por ano e que pode ser usado, reduzindo o orçamento da UE. E portanto, no fim de contas, o aumento líquido de recursos europeus pode ser muito limitado.
Mas não pode ser visto como um primeiro passo?
O verdadeiro primeiro passo positivo que é dado é ter-se chegado a um acordo relativamente à existência de um imposto que financie o orçamento da zona euro, porque essa é a mudança fundamental na arquitectura. Assim que se tem um imposto, que é directo, que se inclui neste orçamento, altera-se realmente a natureza da união monetária em várias dimensões. Até agora todo o dinheiro colectivo que usamos vem sempre dos Estados-membros, com a excepção das taxas alfandegárias. O orçamento da UE vem dos Estados-membros e aqui, pela primeira vez podemos quebrar essa lógica. De qualquer modo, é preciso esperar pelos detalhes e perceber se isto realmente vai acontecer, porque se é um imposto sobre transacções financeiras, a verdade é que se tem tentado criar um imposto desse tipo há já algum tempo e nunca se conseguiu porque não há consenso. Porque é que se há-de conseguir um acordo agora? E mesmo que se consiga, será que um imposto sobre as transacções financeiras será significativo? Há ainda muitos pontos de interrogação aqui. É o começo de uma discussão, mas não estou impressionado.
E em relação à união bancária?
Estou desiludido. O facto de não haver qualquer acordo em relação a um seguro comum de depósito é uma muito má notícia. E o facto de, no apoio financeiro para a resolução, se falar de um empréstimo que é do tamanho do Fundo Único de Resolução não me parece muito impressionante.
No seguro de depósito, é dado o compromisso de continuar a estudar propostas…
Mas isso não é nada. Já se discute o seguro de depósitos comum há quatro anos, já tudo foi debatido. Portanto, o que se pode concluir é que não houve qualquer acordo. Discutir é bom, mas neste caso não significa nada.
A linha de crédito para a gestão de crises do Mecanismo Europeu de Estabilidade pode ajudar a evitar problemas graves nos países?
É um bom desenvolvimento passar a ter algo que é mais flexível e que reforça o apoio que está disponível. Ajuda a minimizar os efeitos de contágio. Depois há a cláusula de acção colectiva que é uma consequência lógica daquilo que já temos, mas que oferece uma maior clareza aos investidores quanto à forma como se poderia acordar uma reestruturação de dívida.
Para a cimeira de Junho, este documento traça o único caminho possível?
Esta é apenas a visão franco-alemã. E Angela Merkel já disse de forma clara que esta é apenas uma proposta que ainda tem de ser debatida com todos os parceiros da UE. E, na verdade, sobre este tema, há todo o tipo de posições. Não há qualquer tipo de consenso e, por isso, vai haver muitas tomadas de posição importantes. Seja por parte dos países do Norte, que vão certamente dizer que o orçamento é demasiado grande, seja por parte da Itália, que tem sido completamente posta de lado neste debate e de certeza que vai querer apresentar propostas e impor mudanças.
Um acordo é provável já nesta cimeira?
Ficaria muito surpreendido se se conseguisse chegar a acordo em Junho relativamente a algo que fosse bastante claro. Acho que já teríamos sorte se tivéssemos um acordo geral em torno de alguns passos que se ambicione dar a seguir. Não vejo que se tomem decisões verdadeiramente importantes, com talvez a excepção do apoio financeiro ao Fundo Único de Resolução, que pode realmente ficar fechado em Junho.