Inglaterra à procura de fugir ao: “Oh não, lá vamos nós outra vez!”

Southgate e o seu adjunto, Holland, idealizaram a “revolução” na selecção britânica há um ano, durante um jantar em Sochi. A inspiração veio de Terry Venables e Bobby Robson.

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Harry Kane marcou os dois golos de Inglaterra frente à Tunísia LUSA/FRANCIS R. MALASIG

Tudo começou num jantar em Sochi há precisamente um ano. Gareth Southgate, seleccionador inglês, que assumira o cargo poucos meses antes, e o seu adjunto Steve Holland, que trabalhou no Chelsea com José Mourinho, traçaram entre garfadas e brindes as linhas mestras do que iria ser a nova selecção. E a Inglaterra ressurgiu mesmo das cinzas do Euro 2016 e do trauma da eliminação frente à surpreendente Islândia.

Tem sido assim desde 1966. O ano do único título mundial na história do país que se orgulha de ter inventado o futebol criou expectativas megalómanas para os torneios seguintes. Mas estas quase invariavelmente acabaram mal, ou mesmo muito mal. “Partimos sempre com a ideia de que podemos ser candidatos ao título e que temos uma selecção forte, mas após alguns jogos em que a equipa não desenvolve pensamos: ‘oh não, lá vamos nós outra vez!’”, resumiu ao PÚBLICO Luke Thompson, um adepto inglês, no aeroporto de São Petersburgo.

É na bucólica e remota aldeia de Repino, à beirinha do Golfo da Finlândia e a algumas dezenas de quilómetros desta magnífica cidade – que também já foi Petrogrado e Leninegrado antes de recuperar o nome original, em homenagem ao seu fundador Pedro, o Grande, em 1703 – que a selecção britânica encontrou o seu refúgio na Rússia.

Não é fácil chegar a Repino, assim baptizada em homenagem ao seu mais ilustre filho, o pintor e escultor russo Ilya Yefímovich Repin (1844-1930), uma das mais emblemáticas figuras do realismo russo que aqui viveu e morreu.

O local é suficientemente afastado de tudo para a selecção inglesa trabalhar com todo o sossego e sem grande pressão dos adeptos, apesar do batalhão de jornalistas britânicos que contrasta com esta paisagem campestre. Foi a escolha de Southgate e Holland durante a seu périplo pelo país, no Verão de 2017, quando aproveitaram também para assistir à Taça das Confederações e estudar potenciais adversários como a Alemanha (vencedora do torneio e campeã mundial), Portugal e México.

“Tentámos antecipar como iríamos comportar-nos contra este tipo de equipas, como deveríamos reagir contra elas e acabámos por tomar algumas decisões nessa longa viagem”, recordou Steve Holland ao PÚBLICO.

As principais saíram do tal jantar de Sochi. Uma seria basilar para as restantes e passou pela aposta numa defesa composta por três centrais. “Pensamos que poderíamos ser melhores com ou sem bola nesse sistema”, prossegue Holland, um confesso admirador de José Mourinho e Antonio Conte, com quem trabalhou no Chelsea durante os seis anos que passou no clube londrino.

O bom do passado

O passado serviu de inspiração. O sistema foi utilizado por Terry Venables, que liderou a Inglaterra no Euro 1996 até às meias-finais, quando foi afastada pela Alemanha (vencedora da prova), nas grandes penalidades. Mas também anteriormente por Bobby Robson no Mundial de 1990 quando alcançou o quarto lugar em Itália, a melhor classificação após o título de 1966.

“As duas questões que lideraram todo este processo foram as seguintes: que esquema nos possibilitaria melhores chances de não sofrer muitos golos? Qual a melhor forma de ter um maior controlo do jogo com a bola e equilibrar o meio campo?”, prosseguiu Holland, que já trabalhara com Gareth Southgate nos sub-21 ingleses entre 2013 e 2015. Isto antes do antigo internacional inglês, que alinhou no Crystal Palace, Aston Villa e Middlesbrough, assumir a selecção principal no final de 2016, depois de um breve período como interino.

“Southgate tem as qualidades que deve ter qualquer treinador de sucesso, incluindo as de Mourinho e de Conte”, garantiu, recusando que a relativa falta de currículo do novo seleccionador, de 47 anos, seja um problema. “Para resolvermos as tais questões que nós próprios colocámos, tínhamos de ter um determinado perfil de jogadores para ocupar certas posições e lidar com a bola a um bom nível”, explicou.

Jovens talentos

E assim, Gareth abriu a porta para a “revolução” e “renovação”, iniciada já na recta final da qualificação para a Rússia, onde a Inglaterra terminou líder do seu grupo com mais oito pontos do que a Eslováquia, sem derrotas e com apenas dois empates; 18 golos marcados e três sofridos. Ambos os técnicos tinham a vantagem de conhecer muito bem os mais jovens talentos ingleses, com quem trabalharam nos sub-21, e apostaram em alguns para a Rússia.

“É um grupo jovem mas com alguns jogadores mais veteranos realmente importantes. Por isso penso que o equilíbrio do plantel é bom, tanto em termos de experiência como de carácter e balanço posicional”, justificou Southgate quando anunciou a convocatória. “Temos muita energia e jogadores atléticos, mas jogadores que estão igualmente confortáveis com a posse da bola. As pessoas vão poder ver o estilo de jogo que estamos a desenvolver.”

As mudanças foram perceptíveis no jogo de estreia do Mundial, apesar do triunfo sofrido frente à Tunísia, por 2-1, que surgiu já nos instantes finais. Mas perante as inúmeras oportunidades perdidas e com o resultado empatado aos 90’, voltou à cabeça dos adeptos o pensamento recorrente em grandes torneios.

“Oh não, lá vamos nós outra vez!”

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