Deduções com filhos no IRS superam os 900 milhões de euros
Quociente familiar do Governo de Passos fez crescer deduções para famílias com filhos. Com o executivo de Costa, o benefício voltou a subir.
A forma como os filhos são contabilizados no IRS dos pais alterou-se nos últimos anos nos Governos de Pedro Passos Coelho e António Costa, mas qualquer uma das mudanças é favorável aos contribuintes com filhos, olhando de forma isolada para este indicador sem ter em conta o peso global da carga fiscal.
As estatísticas mais recentes divulgadas pela administração fiscal mostram que a receita “perdida” pelo fisco em IRS ao ter em conta, nas deduções à colecta do imposto, os filhos dos contribuintes foi de 941 milhões de euros relativamente ao IRS de 2016 (as declarações entregues em 2017). O valor cresceu relativamente ao IRS de 2015, cujas declarações foram apresentadas em 2016 – 552 milhões de euros, que já tinha sido um ano em que se deu um salto no total desta despesa fiscal, já que até aí esse valor era sempre inferior a 400 milhões (rondava os 380 milhões nos dois anos anteriores e fora até mais baixo em 2011 e 2012).
Como o Expresso noticiava nesta quinta-feira, o valor quase duplicou em dois anos, fruto das alterações nas regras das deduções à colecta lançadas pelos Governos de Passos e Costa, que muita discussão política geraram entre o PSD/CDS, de um lado, e o PS, BE e PCP, do outro, sobre qual deveria ser o modelo mais justo fiscalmente para levar em conta os filhos no imposto.
As mudanças
Recuemos para explicar as mudanças. Quando em 2014 o Governo de Passos decide avançar com uma reforma do IRS “orientada para a simplificação, a família e a mobilidade social”, Paulo Núncio, então à frente da pasta dos assuntos fiscais, corta com o método que se aplicava até aí e adopta o “quociente familiar” como sistema de cálculo da taxa do imposto: o rendimento é dividido segundo o número de membros do agregado familiar, dando um determinado “peso” aos pais e outro aos filhos nessa divisão (e impondo limites na redução do imposto que daí resultasse em relação ao que se passava anteriormente), somando a isso a dedução à colecta fixa atribuída a cada filho.
Até aí, não era assim. Aplicava-se outro sistema da doutrina tributária, o chamado “quociente conjugal”, em que o rendimento de um casal era dividido por dois e os filhos eram considerados através de uma dedução fixa. A mudança de 2015 gerou uma enorme discussão no Parlamento, com a esquerda a considerar que o sistema do quociente familiar se revelava regressivo ao favorecer as famílias com mais rendimentos em relação às mais pobres. Não mais de um ano acabaria por estar de pé o quociente familiar. Quando Costa assume o Governo, o PS e os partidos à esquerda que apoiam o executivo no Parlamento fazem regressar o modelo anterior do quociente conjugal, mas, para não anularem o “ganho” da alteração de 2015, decidem subir o valor da dedução fixa por filho para os 600 euros.
De 2015 para 2016 o valor global da despesa fiscal voltou a aumentar, ao passar dos 552 milhões de euros para 941 milhões, ao mesmo tempo em que o número de agregados familiares com estas deduções também cresceu em 11 mil (de 1.208.579 para 1.219.711).
O montante global desta dedução dos dependentes representa mais de um quarto de toda a despesa fiscal associada às deduções à colecta do IRS, que em 2016 superaram os 3500 milhões de euros.
Com o quociente familiar, houve em 2015 um ganho líquido no valor global das deduções, mas os números do fisco não permitem dizer com clareza como a medida, isolada, se reflectiu pelos níveis de rendimento dos contribuintes. Certo é que globalmente o fisco encaixou menos 437 milhões de euros (no IRS de 2015) e houve uma redução média de 0,63 pontos percentuais nas taxas efectivas pagas pelos contribuintes (impacto medido para todos os contribuintes e não apenas aos casais com filhos).
Estes números, porém, referem-se ao conjunto dos contribuintes e não apenas aos casais com filhos. Os impactos foram diferentes consoante os escalões: a taxa média apenas subiu no decil de rendimento mais alto, para quem ganha mais de 250 mil euros, e baixou nos restantes, sendo que nalguns casos a redução foi superior a um ponto (para quem ganhava entre 27.500 euros e 50 mil euros de rendimento brutos anual) mas inferior a isso tanto acima como abaixo desses patamares (por exemplo, para quem ganhava entre 13.500 e 19 mil).
Ao todo, em 2016 foram entregues cerca de cinco milhões de declarações de IRS, que permitiram ao fisco liquidar 10.751 milhões de euros com este imposto. Nesse ano, os portugueses ainda pagaram em sobretaxa de IRS 544 milhões. Foi o primeiro ano em que a taxa já foi mais baixa para alguns contribuintes ou deixou de se aplicar para os rendimentos mais baixos. A receita arrecadada pelo Estado foi, por isso, inferior em 394 milhões de euros ao valor encaixado pelos cofres públicos no ano anterior (938 milhões).