Detectada uma ligação entre Alzheimer e a presença de vírus no cérebro
Estudo divulgado nesta quinta-feira na revista Neuron reforça uma antiga hipótese que associa a presença de vírus com factores genéticos e características clínicas da doença de Alzheimer. É uma nova porta aberta para investigar terapias inovadoras.
Uma equipa de cientistas, financiada pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês) dos EUA, identificou uma ligação entre a doença de Alzheimer, a forma mais comum de demência, e a presença de alguns vírus no cérebro. Segundo o artigo, publicado nesta quinta-feira na revista Neuron, do grupo Cell, foram detectados níveis elevados de dois tipos de herpesvírus humanos - 6A e 7 - em amostras post-mortem do tecido cerebral de pessoas que revelavam sinais da doença de Alzheimer. Contrariamente, os níveis eram mais baixos nas amostras do grupo de pessoas saudáveis.
Os herpesvírus humanos 6A e 7, aos quais a maioria das pessoas está exposta no início da vida, entram no organismo através do revestimento nasofaríngeo. Segundo os investigadores, um dos vírus-chave, o 6A, regula a expressão de alguns genes de risco da doença de Alzheimer e os genes que regulam o processamento da proteína beta-amiloide, um ingrediente importante nesta patologia neurodegenerativa (concentrações desta proteína tóxica formam placas no cérebro que são características na doença de Alzheimer).
A informação sobre a função do herpesvírus 6A, obtida a partir da análise do tecido cerebral de doentes, foi complementada com estudos envolvendo ratinhos, nos quais os cientistas avaliaram o efeito da redução de 'miR155', uma molécula que regula o sistema imunitário. Os resultados revelaram que os ratinhos com menos 'miR155' tinham mais depósitos de placas amiloides no cérebro e alterações comportamentais.
O herpesvírus 6A é conhecido por diminuir a presença desta molécula, o que, de acordo com os cientistas, dá mais peso a um possível contributo dos vírus para a doença de Alzheimer. A equipa de investigadores explorou a presença de herpesvírus em regiões-chave do cérebro conhecidas como muito vulneráveis a danos causados pela Alzheimer e que precedem em várias décadas o diagnóstico da doença. Porém, fica ainda por esclarecer se estes vírus são "um gatilho" da doença ou se as pessoas que já correm o risco de desenvolver Alzheimer são mais vulneráveis a este tipo de infecções.
"Fui à procura de alvos de drogas..."
"O título da palestra que costumo dar é: ‘Fui à procura de alvos de drogas e tudo o que encontrei foram estes malditos vírus’. Não estávamos à espera de encontrar o que encontrámos. Nem nada parecido. Estávamos à procura de drogas que pudessem ser reaproveitadas para tratar pacientes com Alzheimer, mas os padrões que a análise dos dados revelou apontavam todos para a biologia viral", conta Joel Dudley, um dos autores do artigo, num comunicado da Cell.
Segundo um outro comunicado da Escola de Medicina e do Hospital Mount Sinai, os investigadores fizeram uma primeira sequenciação de ARN (ácido ribonucleico) em quatro regiões cerebrais de mais de 600 amostras de tecido (post mortem) de pessoas com e sem doença de Alzheimer para identificar quais os genes que estavam presentes no cérebro e se estavam associados ao início e à progressão da doença . “Através de várias abordagens por computador, a equipa descobriu uma complexa rede de associações inesperadas, ligando vírus específicos a diferentes aspectos da biologia do Alzheimer”, refere o comunicado, adiantando que para reforçar as conclusões do estudo foram ainda analisadas mais 800 amostras de sequenciação de RNA.
“Os estudos anteriores sobre vírus e Alzheimer sempre foram muito correlativos. Mas nós pudemos fazer testes estatísticos de relação causal e análises mais sofisticadas, que permitiram identificar como os vírus estão a interagir directamente ou a co-regular ou mesmo a ser regulados pelos genes que estão associados à doença de Alzheimer. Não podemos dizer que os vírus de herpes são uma causa primária da doença de Alzheimer. Mas o que fica claro é que eles estão a perturbar as redes e a participar de redes que aceleram directamente o cérebro para a doença de Alzheimer", diz ainda Joel Dudley.
Os autores do estudo argumentam, no entanto, que estas conclusões não devem deixar ninguém preocupado. "Embora estas descobertas possam abrir potencialmente a porta para novas opções de tratamento para uma doença onde tivemos centenas de tentativas fracassadas, elas não mudam nada que sabemos sobre o risco e a susceptibilidade da doença de Alzheimer ou sobre a nossa capacidade de a tratar hoje”, avisa Sam Gandy, outros dos principais autores deste artigo.
O comunicado da Cell sublinha que o HHV-6A e o HHV-7 são extremamente comuns e normalmente estão latentes ou são assintomáticos: na América do Norte, por exemplo, quase 90% das crianças têm um destes vírus a circular no sangue. "Ainda há muitas perguntas sem resposta sobre como passamos da possibilidade de o detectar no sangue de alguém até sabermos se está activo e num estado que pode ser relevante para a doença de Alzheimer", diz Ben Readhead, o primeiro autor do artigo.
No comunicado da Universidade do Arizona, os cientistas frisam que este estudo “não sugere que a doença de Alzheimer seja contagiosa”. “Mas se se confirmar que os vírus ou outras infecções têm um papel na patogénese da doença de Alzheimer, isso poderia ajudar os investigadores a encontrar novas terapias antivirais ou imunológicas para combater a doença, mesmo antes do início dos sintomas."