Países da OCDE receberam menos refugiados pela primeira vez em seis anos

Descida de atribuição de estatuto de refugiado afectou fluxos migratórios. Mehdi Alioua, sociólogo que estará hoje no Teatro Maria Matos, afirma: "Não há uma crise migratória, há uma crise de hospitalidade”.

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Projecto espanhol que simulava a experiência de refugiados com uma caminhada de 500 km LUSA/TIAGO PETINGA

Em 2017, pela primeira vez em seis anos, os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) receberam menos imigrantes permanentes do que no ano anterior, uma descida de 5% que se explica com a redução dos pedidos de estatuto de refugiado, principalmente na Alemanha, adianta um relatório publicado nesta quarta-feira.

Nos últimos anos, a população global de refugiados tinha vindo a aumentar significativamente. Em 2013 havia 11,1 milhões de refugiados no mundo e em 2017 eram cerca de 18,5 milhões. Nos países da OCDE esse número triplicou, passando de 2 para 5,9 milhões; mas na União Europeia a subida foi menor, apenas duplicou de 920 mil para 2,1 milhões.

Os Estados Unidos foi o país da OCDE que ficou no topo dos pedidos de estatuto de refugiado que deram entrada no ano passado, com 330 mil registos, ultrapassando a Alemanha, até agora o país que registava anualmente mais pedidos mas que desceu para o segundo lugar com 198 mil – isto representa menos 73% do que no ano anterior. De notar que em dados brutos, a Turquia é o país que mais acolhe refugiados há sete anos consecutivos – eram cerca de 3,4 milhões em final de 2017, diz o relatório.

Nos países europeus, entre 2014 e 2017 deram entrada quatro milhões de pedidos de estatuto de refugiado, três vezes mais do que nos quatro anos anteriores, mas apenas foram concedidos 1,6 milhões.

Analisando os anos de 2016 e 2017, verifica-se que os países da União Europeia tiveram uma descida de 46% nos pedidos – passaram de 1,2 milhões para 650 mil – enquanto nos países não-europeus da OCDE houve um aumento de 37% – subiram de 435 mil para 601 mil.    

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Não há uma crise migratória mas de hospitalidade

Mehdi Alioua, sociólogo especialista em migrações, professor de Ciências Politicas na Universidade Internacional de Rabat, afirma ao PÚBLICO que a descida destes dados podem ser lidos como consequência de políticas migratórias “injustas, violentas e contrárias às leis internacionais” que impedem os refugiados de imigrarem para os países mais ricos e mais bem equipados da OCDE. “Notícias falsas, teorias da conspiração, populismo, nacionalismos e movimentos xenófobos ganharam a guerra mediática”, comenta. “As suas concepções erradas, e a sua má interpretação dos dados, são repetidas em todo o lado. Isto acentua o sentimento irracional de invasão e beneficia o eleitorado de direita e os partidos de extrema-direita. A verdade é que a maior parte dos refugiados está num país do Sul, pobre, não num país rico ocidental.” 

Se é verdade que a Alemanha fez a sua parte no acolhimento, reconhece, isso também respondeu a um interesse nacional “porque a taxa de natalidade é tão baixa que o sistema de segurança social precisa de novos trabalhadores”.

E os refugiados que têm capacidade para atravessar as fronteiras são geralmente pessoas que estão “nas categorias sociais mais altas nos seus países”: “Têm um pequeno capital económico e social mas um nível alto de educação”, analisa. Porém, outros países europeus não fizeram o mesmo, tirando a Suécia em 2013. “Os países da OCDE não assumiram a sua parte de responsabilidade no seu dever de hospitalidade. O Canadá só recebeu 40 mil refugiados sírios e é um país rico, com um imenso território e uma tradição de imigração”.  

O sociólogo, que vai estar esta quinta-feira, às 18h30, no Teatro Maria Matos, em Lisboa, num debate sobre Migrações, mobilidades e fronteiras com Iolanda Évora e Claire Rodier, e no dia seguinte orienta uma masterclass, conclui: “Não há uma crise migratória, há uma crise de hospitalidade”.

Pouco impacto em mercado laboral

De facto, os dados do relatório da OCDE mostram que as entradas por razões humanitárias nos países da OCDE têm pouco impacto no mercado laboral dos cidadãos nacionais mas há casos, como a Turquia, em que os refugiados (neste caso são identificados os sírios) competem pelos mesmos empregos no mercado informal.

Nos países europeus o impacto dos refugiados na população nacional trabalhadora é pequeno, afirma o relatório. Para metade destes países, os refugiados não terão qualquer impacto no mercado laboral (como Portugal) e a maioria dos outros países só sentirá um pequeno impacto em finais de 2020 – é o caso da Áustria, da Grécia e da Suécia, que terão um aumento na força de trabalho de 0,5%, e a Alemanha, com um aumento de 0,8%. De resto, a OCDE estima que na Alemanha o impacto será maior no desemprego do que no emprego, podendo subir para os 6% em 2020.

No total, o número acumulado de rejeição de pedidos de asilo na OCDE pode atingir os 1,2 milhões no final de 2020, estima o relatório. Esta organização alerta: os homens jovens, com poucas habilitações, estão sobre-representados entre os refugiados e por isso é necessário apoiá-los e promover políticas de integração que facilitem o acesso ao mercado laboral.

Em 2016, Portugal atribuiu protecção internacional a 400 pessoas, o dobro de 2015: dois terços recebeu autorização de residência por razões humanitárias e um terço ficou com estatuto de refugiado. Portugal comprometeu-se a receber 4574 refugiados ao abrigo do programa de recolocação, mas só cumpriu 50% dessa meta.

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