Vote Rexit: restam-nos quantos dias destas reitorias?
O argumentário verborrágico dos reitores procura incansavelmente iludir-nos quanto às suas reais intenções, parecendo esquecer que as Universidades não são propriedade sua, que não as compraram nem as herdaram, mas que lhes foi, isso sim, por eleição colegial, temporariamente confiado o dever de encabeçarem os seus órgãos de governo.
Após mais de 650 dias da entrada em vigor de uma lei, e a menos de 80 dias do fim do prazo para cumprirem com abertura de cerca de 2000 concursos, inteiramente pagos pelo orçamento da Ciência e Tecnologia, o argumentário verborrágico dos reitores procura incansavelmente iludir-nos quanto às suas reais intenções, parecendo esquecer que as Universidades não são propriedade sua, que não as compraram nem as herdaram, mas que lhes foi, isso sim, por eleição colegial, temporariamente confiado o dever de encabeçarem os seus órgãos de governo.
O Reitor da Universidade de Lisboa, regozijando-se com a inépcia da tutela quanto ao “estímulo ao emprego científico” veio em coluna de opinião no jornal PÚBLICO, a 9 de junho, tergiversar sobre a razão pela qual não quer contratar investigadores. Embriagado por anos de lisonja, vinda do seu séquito de subordinados, crê que anda aqui a ludibriar pategos e confunde os aplausos de temor ou avareza com a real posse de argúcia e integridade. Em coluna de opinião no mesmo jornal, a 15 de junho, membros da Rede de Investigadores Contra a Precariedade Científica deram uma resposta à altura. Porém, para além da atitude persecutória para com os investigadores, as suas declarações evidenciam velados interesses corporativos que convém perceber. Analisemo-las.
“Uma Universidade de Investigação só poderá prosperar se quem ensina for quem investiga.”
Entrando na página da internet do empregador do Reitor lê-se: “Universidade de Lisboa é líder na Península Ibérica em produção científica”. Dada a produtividade científica desta estar nos píncaros e sendo, ironicamente, há muito sustentada por investigadores bolseiros que não ensinam, a profecia do Reitor é, como ele bem sabe, contrariada pela realidade.
“Não proponho que se reveja a carreira de investigação […] Proponho sim, que em substituição de ambas – a carreira docente tal como a conhecemos e a carreira de investigação –, seja criada uma única carreira nas universidades […]”
O Reitor tenta aqui explorar o sentimento ressabiado que investigar sem lecionar não é uma função mas sim um insultuoso privilégio para quem, como ele certamente, sempre lecionou a contragosto e gostaria de ter apenas investigado, mas não quis trocar a segurança da carreira docente, e seus salários, pela precariedade das bolsas. Porém, tendo já percebido que parece mal pedir a extinção da carreira de investigação, propõe agora que com ela se extinga também a carreira docente, criando-se uma carreira inteiramente nova mas exatamente igual à anterior. Esta ideia genial é bafienta e chama-se rebranding.
“É esta a origem da precariedade no sistema universitário. Muitos dos mais promissores jovens doutorados saíram do país, tendo os que ficaram encontrado em sucessivas bolsas de pós-doutoramento, […], a única saída que os governos souberam facultar-lhes.”
Como o Reitor não quer investigadores mas apenas professores, perguntemos aos que saíram se foram ser professores ou investigadores. Perguntemos agora aos que ficaram se algumas vez as suas Universidades protestaram por terem a trabalhar para si investigadores bolseiros sem contratos de trabalho, muitos até com funções letivas a título gracioso.
“O modo de contrariar o envelhecimento docente reside na contratação dos mais jovens, cuja situação de precariedade, para além de injusta, em nada contribui para o desenvolvimento da universidade.”
Segundo o Reitor apenas os mais novos estão numa injusta situação de precariedade. Estranhamente, aqui, não utiliza o tradicional discurso de contratar os melhores, em busca da excelência, preferindo outro: o de contratar apenas os mais jovens para contrariar assim o envelhecimento docente, saltando uma geração. Vamos perceber, mais adiante, porque insiste neste ponto.
“É incompreensível que, numa iniciativa que visa combater a precariedade, o Estado financie integralmente a contratação a termo certo de investigadores, até ao máximo de seis anos, mas apenas 50% do vencimento se a contratação for para a carreira docente, que asseguraria um contrato sem termo e o fim real da precariedade.”
O Reitor sabe muito bem que, de facto, é sempre o Estado que lhe paga a totalidade dos encargos salariais dos docentes. O que quer é que as verbas do Estado destinadas à investigação — seja nas alterações climáticas ou no combate ao cancro, não importa — sejam utilizadas para lhe pagar os docentes a 100%, quando poucos são até os que conseguem investigar a 50%. Só que, tal como o nome indica, a medida é para combater a precariedade no emprego científico, não na carreira docente, cujo problema não é, de todo, a precariedade.
“É dificilmente compreensível que, no quadro legal aprovado, a Universidade se veja compelida a recrutar 400 investigadores […].”
Vamos lá esclarecer, pela milésima vez, esta retórica de furtar-se a dar direitos a quem para si trabalha: a Universidade de Lisboa está compelida a formalizar um contrato de trabalho, sem gastar um tusto, com 400 investigadores que nela trabalharão no futuro, tal como sempre deveria ter sido, contrato cuja inexistência para com 400 que nela trabalharam no passado não a preocupou. E não esqueçamos que haverá ainda pelo menos 1200 que continuarão a trabalhar sem direito a qualquer contrato.
“É chegado o momento de integrar numa carreira única os docentes e investigadores universitários, […] onde o recrutamento se faça após o doutoramento, […] com regras de avaliação de desempenho que possibilitem a progressão dos melhores.”
Eis agora a explicação do porquê insistir na contratação dos mais jovens. Parece que afinal os investigadores — mesmo que apenas esteja ao seu alcance uns míseros contratos de trabalho a termo certo e a preço de saldo — não despertam apenas rancor ao Reitor e seus apoiantes, necessários para uma reeleição, mas, outrossim, medo relativamente à sua outrora tranquila progressão na carreira. A pérola proposta por mais um autoproclamado defensor da excelência é: uma carreira onde quem entra só entra logo após o doutoramento e, consequentemente, só progride quem já lá está, pois já ninguém de fora entra a meio da progressão. Em suma, uma carreira maçon.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico