Casa Branca de Trump tenta defender o indefensável
Donald Trump culpa os democratas pela crise na fronteira com o México, republicanos no Senado tentam resolver crise da “tolerância zero” com imigração que separa famílias na fronteira
Crianças a chorar desesperadamente e a gritar pelos pais. A certa altura, um agente do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras diz, em espanhol, que há ali “uma orquestra” e que só falta mesmo o “maestro”. Este é o cenário que se pode ouvir numa gravação, captada na semana passada num centro de detenção no Texas, publicada na segunda-feira pelo ProPublica. Este áudio serviu apenas para aumentar a pressão sobre a Administração Trump devido à política de “tolerância zero” relativamente à imigração, em que filhos menores são separados dos pais que tentam entrar ilegalmente nos EUA. Sem que nada mude no Governo, os próprios senadores republicanos iniciaram movimentações para resolver a questão.
Desde que, em Abril, o attorney general (equivalente a ministro da Justiça) Jeff Sessions anunciou a instauração desta política, mais de duas mil crianças foram separadas das famílias na fronteira entre os Estados Unidos e o México. Sob estas ordens, as autoridades detêm automaticamente qualquer pessoa que passe a fronteira ilegalmente, até requerentes de asilo. Como não podem ser detidas, as crianças são levadas para outros locais, longe dos pais.
No Partido Republicano, o desconforto é latente. E mesmo no interior da Administração o assunto é alvo de discórdia. O líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell, revelou ontem que vai reunir-se com os senadores democratas para chegar a um entendimento sobre a crise. O objectivo, disse, é aprovar uma lei sobre a separação das famílias e não uma lei mais abrangente sobre a imigração.
Internacionalmente, a condenação é generalizada — o porta-voz do Governo de Paris afirmou que actualmente França e EUA não partilham os mesmos valores.
O alto-comissário para os Direitos Humanos da ONU, o jordano Zeid al-Hussein, foi particularmente duro e exigiu, na segunda-feira, que Washington ponha imediatamente um ponto final nesta actuação. “A ideia de que um Estado conseguiria deter os pais cometendo abusos contra crianças é inconcebível”, disse.
O ministro dos Negócios Estrangeiros mexicano, Luis Videgaray, descreveu as separações como “cruéis e desumanas”, pedindo aos EUA que recuem. Anunciou ainda que o seu país pretende trabalhar com os países de origem destes imigrantes para tentar repatriar as famílias separadas.
Sem recuo
“A lógica sugere que a Casa Branca, sob uma esmagadora pressão política, seria forçada a recuar na sua dura política de imigração”, escreve Stephen Collinson, correspondente da CNN na Casa Branca. Mas a Administração Trump insiste em desafiar todas as leis da lógica, coerência e verdade para defender o que cada vez mais consideram ser indefensável.
Na segunda-feira, o briefing diário na Casa Branca da porta-voz da Administração, Sarah Sanders, foi repetidamente adiado. Até que Sanders revelou que seria Kirstjen Nielsen, secretária da Segurança Interna, a falar aos jornalistas para abordar a situação da imigração. Quando Nielsen entrou na sala de imprensa tinha passado pouco mais de uma hora desde a divulgação da gravação do choro das crianças no Texas.
Questionada sobre possíveis abusos, Nielsen garantiu que Washington “tem padrões elevados” e que as crianças estão a ser bem tratadas: “Damos-lhe refeições. Damos-lhe educação. Damos-lhe cuidados médicos. Há vídeos, televisões”, disse.
Mas já tinham sido divulgadas imagens das crianças presas dentro de uma espécie de gaiola em armazéns no Texas e com apenas alguns colchões e coberturas térmicas.
“O Congresso e os tribunais criaram este problema, e apenas o Congresso pode resolver isto”, acabou por afirmar Nielsen, pressionada pelos jornalistas, acrescentando que as separações “não são uma política” e que a acusação de que estão a ser usadas para enviar uma mensagem de dissuasão a quem queira atravessar ilegalmente a fronteira norte-americana é “ofensiva”.
Ora, estas declarações acabaram por contrariar outros membros da Administração. Como John Kelly, chefe de gabinete de Trump e antecessor de Nielsen, que disse à rádio pública NPR em Maio que a separação de pais e filhos podia funcionar como um “poderoso travão”. No domingo, o New York Times publicou afirmações de Stephen Miller, conselheiro político do Presidente Trump, em que diz que a “mensagem é a de que ninguém está acima da lei da imigração” e que esta medida é um acto humanitário pois acaba por impedir os pais de levarem os filhos na “perigosa viagem” até aos EUA.
Na semana passada, na Casa Branca, Donald Trump disse aos jornalistas que os “democratas têm de mudar a sua lei”. Ontem, em inúmeros tweets, repetiu a mesma ideia: a culpa é do Partido Democrata. Apesar de os democratas serem minoritários no Congresso.
A verdade é que esta situação foi gerada apenas devido à instituição desta “tolerância zero” desde Abril. Não houve nenhuma directiva para que as famílias fossem separadas. Mas, devido ao facto de os adultos sem documentos terem de ser detidos quando chegam à fronteira, a separação é inevitável. Não há também nenhuma ordem dos tribunais a exigir medidas deste género e esta situação foi evitada por todas as Administrações anteriores.
Imigrantes “infestam” EUA
Ontem, Trump voltou a escrever no Twitter que os “democratas são o problema, não se preocupam com o crime”, e chegou ao ponto de dizer que querem que os imigrantes ilegais “entrem e infestem o nosso país”. “Das 12.000 crianças, 10.000 são enviadas pelos seus pais numa viagem muito perigosa, e apenas 2000 estão com os seus pais.”
“Mudem as leis”, pediu repetidamente o Presidente norte-americano, para concluir: “Se não existirem fronteiras, não existe país”.
“Enquanto uma turbulenta crise política causada pela ‘tolerância zero’ a imigrantes não documentados poderia convencer uma Casa Branca convencional a procurar uma saída, esta Administração está a cavá-la. Está a acusar falsamente os democratas e as administrações anteriores por uma prática que decidiram adoptar e que podem alterar quando quiserem”, explica Collinson na CNN.
Jeff Sessions demonstrou como a Administração Trump agrava a crise ao tentar dar explicações na Fox. Disse que as comparações com os campos de concentração são injustas: “Na Alemanha nazi tentavam impedir os judeus de saírem do país”.
“Temos de pensar nisto bem, ser racionais e cuidadosos. Queremos autorizar o asilo para pessoas qualificadas para isso. Mas se procuram a imigração económica para seu benefício financeiro pessoal, isso não serve de base para um pedido de asilo”, acrescentou Sessions.
Na semana passada, Sessions recorreu à Bíblia para justificar a decisão de Washington. “Cito-vos São Paulo e o seu claro e sábio comando para obedecer às leis do governo porque Deus as ordenou para que haja ordem”, disse, referindo-se à Epístola de São Paulo aos Romanos, 13:1 (“Cada qual seja submisso às autoridades constituídas, porque não há autoridade que não venha de Deus; as que existem foram instituídas por Deus”).