À medida que as vozes de extrema-direita e anti-europeístas ganham amplitude e a participação nas eleições europeias continua a diminuir, torna-se cada vez mais evidente que União Europeia (UE) está a deixar de ser atractiva para os europeus. É isso que o fotógrafo Wolfgang Tillmans e os arquitectos Rem Koolhaas e Stephan Petermann querem mudar, vontade que os levou a juntar 50 criativos em Amesterdão para debaterem o que está a correr mal na comunicação da Europa e fazerem um rebranding à UE, tendo em vista as eleições europeias de Maio de 2019.
Não foi tarefa fácil escolher as vozes desta discussão — em Março, foi feito um call for ideas, que gerou mais de 400 propostas de 43 países. Dessas, apenas 30 foram seleccionadas. A de Nuno Vieira foi uma delas. Foi por isso que, em Maio, o artista de 22 anos foi convidado para ir à Holanda participar no Eurolab, na segunda edição do Fórum sobre a Cultura Europeia, uma espécie de “jam session para os melhores pensadores culturais europeus ajustarem e trabalharem a ideia da Europa”, disse um dos organizadores ao The New York Times. Aos 30 criativos seleccionados, juntaram-se outros 20 convidados, entre os quais está outra portuguesa, Maria Sá Carvalho.
O desafio feito ao jovem fotógrafo chegou de forma inesperada. Depois de se ter licenciado, Nuno propôs um estágio com Wolfgang Tillmans, a partir do programa Erasmus+. Não funcionou — apesar de o fotógrafo alemão ter gostado do portfólio, explicou-lhe que não trabalhava com estagiários. Um mês depois, Nuno soube da open call do Eurolab: “Estava reticente em candidatar-me mas, dois dias antes das candidaturas fecharem, recebi um e-mail da equipa do Wolfgang a pedir que enviasse as minhas propostas.” Não hesitou mais e enviou vários posters e algumas fotografias retiradas do livro que pretende publicar acerca da emigração dos seus pais.
A Eurovisão, a comida portuguesa e Cristiano Ronaldo são alguns dos protagonistas dos cartazes enviados, inspirados nos que Tillmans fez para a campanha anti-Brexit, mas adaptados à cultura portuguesa e a transbordar humor — “Even Ronaldo needs teamwork to get the job done”, lê-se num; “If the EU had a divorce, who would keep custody of Eurovision?”, questiona outro. Os posters são todos eles compostos por duas imagens e frases da autoria do artista português, mas a ideia de Nuno é conjugar trabalhos de pessoas de toda a UE, “para criar uma campanha muito mais rica, mais viva em termos de assuntos e imagens”, explica ao P3.
Com a emigração dos pais, há três anos, o tema da União Europeia começou a tornar-se mais próximo do recém-licenciado da Escola Superior Artística do Porto. Aliás, uma das fotografias que enviou na candidatura (e que será incluída no futuro livro) retrata os seus pais a verem a paisagem a partir do forte da Bastilha, em Grenoble, na altura que a LePen ganhava poder em França e em que os emigrantes receavam o futuro. Acima do casal, flutua a bandeira da União Europeia, pacífica.
“Não é perfeita, mas ainda é uma família”
Os quatro dias em Amesterdão, de 31 de Maio a 3 de Junho, foram intensos. Depois de lerem e relerem estudos acerca dos feitos e dos defeitos da UE e assistiram a várias palestras de alguns dos seus representantes, começaram a surgir ideias, slogans, mais ou menos humorísticos, em várias línguas, para vários públicos. “Durante aqueles dias, estive no Stedelijk Museum a trabalhar num auditório gigante com 50 pessoas de toda a Europa cheias de ideias a efervescer e a discuti-las entre si. Havia gente de campos variadíssimos — designers gráficos, antropólogos, professores de política, arquitectos, artistas plásticos, copywriters”, conta o artista ao P3.
E, coincidência ou não, um dos slogans que saiu do grupo de trabalho de Nuno Vieira cruza a noção de família com a união dos países: “Not perfect but still a family”. Outros foram aprovados, sob a supervisão de Tillmans, como é o caso do “Our grandparents fought for it, our children depend on it, you just need to vote for it”. Por sua vez, o grupo mentorado pelo arquitecto Stephan Petermann focou-se em formas originais de comunicar dados, como o facto de 1500 espécies raras de animais e plantas serem protegidas pela UE, ou o orçamento anual da UE equivaler a 513 “Neymars”. Já o arquitecto holandês Rem Koolhaas aceitou, na retórica, uma das propostas dos nacionalistas: “Se querem repatriar toda a gente que não ‘pertence’ àquele país, então vamos ver quanto é que custa fazer isso em toda a UE”. A resposta: 114,6 mil milhões de euros, mais de um milhão e meio de operation officers e 2,3 milhões de alemães deportados são alguns dos números.
De Amesterdão não saiu nenhum produto final, mas o objectivo é que este se concretize mesmo fora do Eurolab, razão pela qual os mentores têm mantido contacto com os participantes.
Grenoble Paradis e um zine de moda
Para já, o jovem fotógrafo está focado em projectos próprios, como o livro Grenoble Paradis que retrata, através de cerca de 80 fotografias, a emigração dos pais: “É uma forma de mostrar como a vida deles está a melhorar, como são bem recebidos e como a cultura deles está a crescer por estarem numa melting pot gigante de pessoas de todas as etnias e religiões.” Por outro lado, é um projecto que não esquece o contexto. O dia em que Nuno fotografou pela primeira vez Grenoble foi o mesmo em que se deu o atentado em Nice — de tarde, a parada gloriosa do 14 de Julho, de noite, o terror. Este ano, vai voltar à cidade para fotografar os festejos do feriado e concluir o projecto. O livro, que está a ser todo fotografado em filme e ampliado manualmente, sairá ainda neste ano.
Fotografar a filme e a médio formato é, aliás, uma das características do trabalho de Nuno Vieira, cujo portfólio consiste maioritariamente em fotografia de moda. “Fotografar a filme é o mais punk que tu podes fazer, numa altura em que toda a gente quer imagens que demorem meio segundo a criar”, explica.
Em breve, o artista portuense vai editar uma série de zines muito limitada. Cada um será um ensaio fotográfico de 20 páginas sobre modelos não-agenciados executado da forma mais livre possível, revela: “Vai ser um espaço em que eu não tenho qualquer obrigação para com uma revista, o stylist não tem qualquer obrigação para com uma marca nem o manequim para com uma agência.” O objectivo, explica, é orientar os holofotes para talentos desaproveitados e provar que é possível fazer bem e diferente no mundo da moda em Portugal: “Há muitos manequins que, como não têm aquele visual típico de modelo, que na minha opinião é completamente ultrapassado, acabam por não ter trabalho. Queremos pegar nesse pessoal tão interessante de fotografar e dar-lhe um palco.”