Para reactivar o "elevador social" é preciso apostar no pré-escolar, sugere OCDE
Estudo da OCDE aponta Portugal como um dos países com menor mobilidade social. “As hipóteses de os jovens terem uma carreira de sucesso dependem fortemente das suas origens sócio-económicas e do capital humano dos pais”, criticam peritos.
Apostar numa educação pré-escolar capaz de compensar nas crianças o facto de provirem de meios sociais desfavorecidos; dotar os professores de ferramentas capazes de suster o abandono escolar; reduzir as iniquidades no acesso à saúde; garantir o desaparecimento de guetos na organização espacial das cidades: eis quatro das mais de duas dezenas de medidas sugeridas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) para fomentar a mobilidade social nos diferentes países.
No estudo Um Elevador Social Avariado – Como Promover a Mobilidade Social, divulgado esta sexta-feira, a OCDE aponta o agravamento da falta de mobilidade social, ascendente e descendente, na generalidade dos 35 países analisados, como se quer os tectos dos rendimentos mais altos quer os pisos dos que se enquadram nos rendimentos mais baixos tivessem levado uma camada extra de cola que impede as pessoas de subir e descer na escala social.
Como os perigos decorrentes da estagnação social não são nada negligenciáveis, nomeadamente porque reforça o risco de aparecimento de movimentos extremistas e populistas que põem as democracias em risco, os peritos da OCDE alongam-se numa série de sugestões que abarcam ainda a implementação de políticas fiscais progressivas e o reforço dos sistemas de protecção no desemprego. “Face à volatilidade do rendimento trazida pelas novas formas de emprego, [poder-se-á] vincular a protecção social ao indivíduo em vez de ao emprego”, precisam.
No conjunto de factores que promovem uma trajectória social ascendente, as origens sócio-económicas e o capital humano dos pais ainda são os principais determinantes. Na média da OCDE, uma criança cujos pais não tenham completado o secundário “tem apenas 15% de hipóteses de chegar à universidade”. Já as crianças com pelo menos um dos pais detentores de um diploma universitário vêem essa possibilidade aumentar para os 60%. E o passo seguinte é a constatação de que uma menor escolarização tende a traduzir-se em vidas mais curtas. Na prática, um universitário de 25 anos pode esperar viver mais quase oito anos do que alguém que não chegou à universidade. No caso das mulheres, a diferença é de 4,6 anos.
Quando aponta o foco a Portugal, a OCDE conclui que podem ser precisas até cinco gerações para que as crianças nascidas numa família de baixos rendimentos consigam atingir rendimentos médios. É uma espera acima da média dos países da OCDE, que se fixa nas 4,5 gerações. Nos países nórdicos, a média é de duas gerações.
Desde logo, Portugal não se sai bem quanto a indicadores como a educação e a ocupação profissional. “A mobilidade medida a partir da educação é a mais baixa dos países da OCDE”, apontam os peritos, para vincarem: “Apesar das reformas generalizadas que visam melhorar o nível de escolaridade e reduzir o abandono escolar precoce em Portugal, as hipóteses de os jovens terem uma carreira de sucesso dependem fortemente das suas origens sócio-económicas e do capital humano dos pais.”
Para o director do Observatório das Desigualdades, Renato do Carmo, este meio fechamento do percurso social ascendente deriva do facto de Portugal ter um nível de escolarização ainda muito abaixo da média europeia: "A educação, sobretudo ao nível secundário e superior, não está suficientemente generalizada."
O observatório publicou, anteontem, indicadores que mostram que Portugal era, em 2017, o país da União Europeia a 28 cuja população adulta tinha níveis de escolaridade mais baixos. Mais de metade (52%) dos portugueses entre os 25 e os 64 anos não tinham ido além do básico – contra uma média europeia de 22%. Por outro lado, a percentagem da população portuguesa que completou a universidade é 7,4 pontos percentuais mais baixa do que a média europeia, numa desigualdade que chega aos 22 pontos percentuais quando se compara a escolarização secundária.
No tipo de ocupação profissional, as desigualdades entre portugueses tornam-se mais vincadas. Mais de metade (55%) das crianças filhas de trabalhadores manuais tornam-se elas próprias trabalhadoras manuais – a média da OCDE é de 37%. Ao mesmo tempo, os filhos de profissionais em posições de chefia (gestores, directores…) têm cinco vezes mais hipóteses de ascenderem a posições de chefia do que os filhos de trabalhadores manuais.
Quanto à mobilidade social ao longo da vida, é também limitada. No escalão de rendimentos do topo, 69% das pessoas que se enquadram nesta categoria tendem a permanecer nela ao longo dos quatro anos seguintes. E, quanto aos que estão entre os 20% da população com rendimentos mais baixos, 67% ficam encurralados nesse escalão, como se estivessem “colados ao chão”, na expressão dos peritos europeus.
O desemprego de longa duração pode ajudar a explicar o agravamento desta falta de mobilidade social nos escalões mais baixos. “A crise contribuiu para que esta mobilidade social ascendente não ocorra, nomeadamente por causa do aumento do desemprego de longa duração”, sublinha Renato do Carmo, para quem seria interessante analisar “a forma como a precarização dos vínculos laborais também está a limitar os processos de ascensão social”.