Dom Quixote: Paulo Branco vence batalha judicial, mas Terry Gilliam vai recorrer
A decisão é “definitiva”, diz Branco, mas o realizador irá “recorrer”, diz a produtora portuguesa Pandora Cunha Telles. Filme continuará a estrear-se mundo fora. Contrato de autor-realizador não foi anulado, como queria o ex-Monty Python. Branco vai pedir indemnizações.
A justiça francesa decidiu a favor de Paulo Branco no processo em que o realizador Terry Gilliam reclamava a nulidade do seu contrato de cedência de direitos de autor-realizador de O Homem Que Matou Dom Quixote ao produtor português. A sua produtora Alfama Films quer agora ser indemnizada pelos “danos” sobre o filme há dois anos envolto em querelas judiciais, e considera a decisão “definitiva” — mas a produtora portuguesa Pandora Cunha Telles diz ao PÚBLICO que Gilliam “vai recorrer” da decisão. As estreias do filme nos cinemas, nomeadamente em Portugal, continuarão a decorrer.
O Homem Que Matou Dom Quixote, com Adam Driver e Jonathan Pryce, já se estreou em França e Espanha. O diferendo judicial entre Paulo Branco e a sua produtora Alfama Films e Terry Gilliam está já inscrito na história longa e acidentada de um filme que o Monty Python tenta fazer há 20 anos e que finalmente se estreou no Festival de Cannes em Maio, também não sem a sua quota-parte de agitação.
Para Paulo Branco, a decisão desta sexta-feira firmou que “a exploração do filme, a ser feita, só pode ser feita pela Alfama ou pela Leopardo filmes — em Portugal, pela Leopardo, no resto do mundo, pela Alfama Films — e [que] todos os outros contratos são ilegais”, como disse à agência Lusa. Em comunicado, a Alfama e a Leopardo Filmes, produtora e distribuidora de Paulo Branco, sublinham que “agirão em conformidade de modo a serem ressarcidas e indemnizadas dos danos resultantes da actuação de todos os intervenientes na produção deste filme, assim como todos aqueles que ilegalmente o exploraram em desrespeito dos direitos da Alfama Films”.
Contudo, a também portuguesa Ukbar Filmes, que entrou na produção do filme no final de 2016, diz que o tribunal não atribuiu com esta decisão “os direitos de exploração em Portugal e no estrangeiro” do filme de Gilliam. O Cour d’Appel de Paris “diz que o contrato [entre Gilliam e Branco] ainda está válido e que Terry Gilliam tem de pagar dez mil euros a Paulo Branco”, reconhece Cunha Telles. O valor diz apenas respeito a custas judiciais, segundo o acórdão que o PÚBLICO consultou, mas a responsável da Ukbar argumenta ainda assim que o realizador recorrerá da decisão e defende que ela “não tem qualquer impacto na exploração” do filme em sala.
Paulo Branco discorda: “A partir de agora, se alguém se atrever a explorar o filme sem o nosso acordo... eu não correria esse risco”, disse ao telefone ao PÚBLICO horas depois da decisão do Tribunal de Recurso de Paris. “A decisão é definitiva”, disse, acrescentando horas mais tarde que a decisão desta sexta-feira não é passível de recurso e que sem os direitos de autor-realizador e de argumento o filme não pode ser explorado por terceiros.
Quanto às próximas datas de estreia do filme, “logo veremos” — “não tenho pressa”, respondeu ao PÚBLICO sobre os planos imediatos para a continuação do filme em sala depois de a agência Lusa ter avançado a notícia da decisão. No portal de dados de cinema IMDB, a data prevista para estreia em Portugal é 30 de Agosto, mas a Ukbar apenas diz que a estreia nacional ocorrerá “antes do final do ano”.
Bastidores de produção
Em Maio de 2016, o produtor português apresentava-se com Gilliam precisamente em Cannes para anunciar a sua parceria — o português iria produzir, Gilliam realizava o seu projecto de paixão. Meses depois, Gilliam rompia relações com Paulo Branco, tanto publicamente via Facebook quanto por carta à Alfama Films. As filmagens não tinham começado na data em que Paulo Branco lhe prometera, identificava problemas financeiros e são relatados nos registos legais consultados pelo PÚBLICO questões de controlo criativo entre realizador e produtor. Gilliam encontraria novos e antigos parceiros na espanhola Tornasol, na belga Entre Chien et Loup, na francesa Kinology e na portuguesa Ukbar Filmes.
Paulo Branco, por seu turno, tem mantido sempre ser o verdadeiro produtor do filme, para o qual, segundo os mesmos registos legais, diz ter feito repérages, investido no design de produção e autorizações.
As filmagens começaram na Primavera de 2017 em Portugal, rumaram a Espanha e nos bastidores continuava o conflito entre os dois importantes nomes do cinema em duas frentes judiciais: Terry Gilliam encetava dois processos, um em Londres e outro em Paris, em torno dos seus direitos sobre o filme. Nenhum deles tinha até agora dado uma vitória clara ao realizador e autor da história, com os tribunais de Londres e Paris a deliberar a favor de Paulo Branco quanto aos direitos sobre o argumento e quanto aos direitos de autor-realizador — mas nunca impedindo a rodagem na altura em curso. Os contratos foram considerados válidos, apesar de Gilliam argumentar que nunca foram pagos os valores que os selariam, e um recurso em Londres foi derrotado, acontecendo o mesmo agora com a decisão do Tribunal de Recurso de Paris.
Há cerca de um mês, uma decisão judicial favorável deu a Terry Gilliam e ao seu filme uma vitória e criou o que parecia ser um efeito dominó: Paulo Branco tentou impedir que o filme encerrasse a 71.ª edição do Festival de Cannes, mas a sua providência cautelar não foi deferida pela justiça francesa. Gilliam foi recebido em clima de festa e o Centre National du Cinéma et de l'Image Animée emitiu o visto que permitiu a estreia comercial do filme em dezenas de salas em França a 19 de Maio. A Amazon, que já tinha estado associada ao projecto como distribuidora nos EUA quando as relações de Gilliam e Branco fluíam — e que chegou nessa altura a suspender a sua participação, segundo o diário francês Le Monde —, afastou-se de Dom Quixote antes da autorização de estreia em Cannes, saindo de cena com ela a sua parte no financiamento (2,5 milhões de euros).
Nota: Num comunicado enviado ao final da noite de sexta-feira, a Ukbar Filmes adianta que Terry Gilliam "irá pedir esclarecimentos" ao tribunal francês, mas não alude a um eventual recurso judicial. Na mesma nota, a produtora volta a recordar que, "até ao momento, a Alfama Filmes nunca pagou qualquer soma ao realizador Terry Gilliam por conta dos supostos direitos de realização".