Catarina pinta o mar português do outro lado do Atlântico
Catarina Mantero, lisboeta apaixonada pela água, rumou a Nova Iorque para mergulhar no sonho de ser pintora. Emigrada há três anos, a artista já expôs junto a artistas de renome e, no mês passado, levou memórias lusas para território americano
Está do outro lado do Atlântico, mas não esquece as terras lusitanas e o mar português — não fosse ele a sua grande inspiração. Encontra nas memórias que guarda de Portugal uma forma de mostrar quem é, agora que se vê inserida numa cultura tão diferente como a nova-iorquina, e representa-as através das pinturas que faz.
Catarina Mantero tem 30 anos e rumou a Nova Iorque há três, para ingressar no mestrado em Belas Artes da New York Academy of Art (NYAA). Desde então, já participou em mostras na Sotheby's, por exemplo, ao lado de nomes como Marina Abramovic e Eric Fischl. Em Maio, apresentou a sua primeira exposição a solo — The Next Gen: Catarina Mantero —, em Brooklyn, onde mostrou trabalhos sobre as memórias da sua vida em Portugal. A oportunidade de expôr a título individual surgiu através de um grupo de curadores chamado The Art Vacancy, que procura artistas que acreditam ser os nomes da próxima geração da arte.
Para a pintora, pensar em Portugal é pensar em água — fascínio que começou desde cedo. Quando tinha três anos quase se afogou numa piscina, mas, ao contrário do que seria de esperar, guarda essa memória como um acontecimento "incrível": "Lembro-me que não senti medo nenhum. Estava habituada a estar numa realidade seca, cheia de luz, com barulho e peso da gravidade. E, de repente, passei para outro nível, onde era tudo azul, silencioso e não pesava. Lembro-me de ver o meu cabelo no canto dos olhos, olhar para a minha pele e vê-la azul-esverdeada. Lembro-me de pensar que era a coisa mais incrível do mundo". Este momento ficou de tal modo enraizado na cabeça da artista que ainda hoje é representado em muitos dos seus trabalhos. A água é um elemento recorrente na sua pintura: "É quase como uma religião ou algo purgativo."
Da Comunicação Empresarial para a arte
O seu percurso foi imprevisível. Percebeu, desde cedo, que queria ser pintora, mas quando chegou a altura de escolher acabou por seguir Comunicação Empresarial em Lisboa, cidade onde nasceu. Pensou que esse curso não iria fechar-lhe portas. Além disso, não era fácil afirmar-se como artista numa família de contas certas: "Eu sou a única artista da família, o resto é tudo de gestão e números e eles morrem de terror por mim", conta Catarina, ao telefone com o P3.
Jogou pelo seguro e viveu dedicada ao marketing e à gestão durante algum tempo. Passou pelo Brasil, num programa de intercâmbio, por Milão, para um curso de Verão em Gestão de Moda, e trabalhou em Londres, numa consultora. À partida, tudo estaria encaminhado, mas Catarina, apesar de gostar da área, sentia "que faltava algo, que não estava a fazer aquilo que era importante". Percebeu então, aos 23 anos, que era altura de "lutar pelo que queria" — largou tudo e candidatou-se ao curso de Pintura na Faculdade de Belas Artes na Universidade de Lisboa.
O curso deu-lhe as bases teóricas, mas, confessa, foi em Nova Iorque que adquiriu a formação técnica que lhe faltava. Acabaria por abandonar o curso no quarto e último ano da licenciatura para ir para os EUA. Mas porquê Nova Iorque? "Eu sempre achei que a vida nas artes não era fácil e que tinha de ir para fora. Fiz uma pesquisa de faculdades à volta do mundo e encontrei a NYAA, que tinha exactamente aquilo que eu procurava, uma formação técnica de pintura figurativa de base muito forte, aliada a um discurso conceptual interessante", explica a artista.
Candidatou-se apenas a essa faculdade, tão certa estava de que era o que queria. O processo de candidatura ao mestrado em Belas Artes foi bastante exigente, recorda. Seis cartas de recomendação, um portfólio com 20 peças realizadas nos dois anos anteriores à data da candidatura, um exame de proficiência em inglês e uma carta de apresentação com motivos válidos para a NYAA "investir" na artista. Foi aceite. Partiu, então, para a "cidade que nunca dorme" e mergulhou no curso. "A fase inicial foi um pouco dura, mas quando o curso começou passava 15 horas por dia dentro da faculdade a trabalhar, portanto, estar em Nova Iorque ou noutro sítio qualquer era indiferente", conta Catarina. Inicialmente, a artista focou-se em aprender "as técnicas de base". No primeiro ano do mestrado, os alunos aprendem "todas as técnicas possíveis e imaginárias ao longo da História", para que possam ter mais ferramentas para trabalhar. No segundo ano, há que "abrir a cabeça" a aplicá-las.
Um mergulho de cabeça
Foi quando "abriu a cabeça" que se apercebeu que se interessava particularmente pela tinta e pela sua manipulação enquanto significado inerente da obra. Trabalha por camadas, explora-as como se estivesse a brincar com a água e depois mistura-as com composições. "Pinto sobre Portugal e as minhas experiências em Portugal. Pego em determinados momentos da minha existência e tento perceber por que é que estes são mais relevantes que outros para terem sobrevivido na minha memória", afirma.
O resultado final das obras é "uma mistura de linguagens diferentes — tem muita abstracção, mas também muita figuração. "É precisamente isso que me interessa, essa tensão entre o que é identificável (as figuras), contrastando com a manipulação da tinta mais abstracta que evoca a água e o mar, mas sem ser água e mar."
Obras que lhe têm valido, além de exposições, prémios. Quando terminou o mestrado, a pintora recebeu um prémio monetário pela Sam and Adele Golden Foundation of the Arts e uma residência artística de um mês na Escola de Desenho na República Dominicana. Teve também oportunidade de leccionar com artistas como Will Cotton, Jennny Morgan e Steven Assael e orgulha-se de ter recebido no seu estúdio Brooke Shields, Naomi Watts e Eileen Guggenheim.
Actualmente, Catarina tem dois corpos de trabalho a acontecer ao mesmo tempo: um sobre memórias de Portugal e outro que incide precisamente sobre a sua relação com a água — que, apesar de para a artista remeter para Portugal, não retrata o país de uma forma tão directa. "Se pintar um barco à vela ou uma mulher dentro de água pode ser em qualquer parte do mundo, é universal", explica.
A relação com a água também existe fora das telas. Sempre que pode, Catarina procura estar em contacto com a natureza — e com a água. Em Nova Iorque, gosta de passear junto ao rio porque lhe faz lembrar Lisboa. Voltar é o "plano de vida", mas ainda não sabe quando o poderá fazer. "Era importante ficar no estrangeiro mais uns anos", confessa, "até estar mais confortável na minha profissão e voltar". Até lá, quer fazer mais contactos, conseguir uma galeria fixa e, claro, ganhar mais prémios. O sonho, está neste momento a cumpri-lo.