“O risco de contágio na zona euro é agora muito menor”
Klaus Regling, presidente do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) recomenda mais reduções de dívida a Portugal e classifica metas orçamentais do Governo como “passos importantes”.
Klaus Regling diz que Portugal deve apontar para “pequenos excedentes” para diminuir a dívida e assim reduzir as suas vulnerabilidades face a uma nova crise. Ainda assim, questionado sobre se o Governo deveria estar a fazer mais na frente orçamental, responde que “se o défice for reduzido para um valor abaixo de 1% do PIB este ano, isso será um passo importante”
Os mercados tiveram uma reacção relativamente modesta ao novo governo italiano e aos seus planos orçamentais. Estava à espera de mais?
É preciso levar em conta que ainda não vimos as intenções do novo Governo italiano. Os mercados reagiram ao programa dos partidos que formaram o novo Governo. Agora temos de esperar para ver que políticas é que o Governo realmente quer implementar e vamos ouvir isso durante as próximas semanas.
A zona euro está preparada para fazer face a uma crise grave em Itália?
Não vejo o risco de uma crise grave em Itália. Mas se acontecesse, a situação seria completamente diferente em comparação com 2008. Temos instituições como o MEE e temos a união bancária. Os bancos estão muito mais saudáveis, duplicaram o seu capital. Os indicadores económicos são muito melhores actualmente: não se registam défices orçamentais elevados, não há grandes défices externos em países com perda de competitividade.
Mas a Europa ainda não testou a sua arquitectura com problemas num dos grandes países…
Mas testámos com cinco países ao mesmo tempo, o que é substancial. As instituições e os mecanismos que temos existem para todos os países.
Países como Portugal e Espanha sofreram subidas das taxas de juro por causa da reacção dos mercados a Itália. Antecipa mais efeitos de contágio se a situação continuar a estar volátil em Itália?
É verdade que assistimos a alguns efeitos de contágio há três semanas em Espanha, Portugal e Grécia. Mas não foram muito significativo e a razão é clara: estes países estão em muito melhor forma do que estavam há oito ou dez anos. Portanto, o risco de contágio é muito menor agora do que era há oito anos. Esse é o resultado positivo dos ajustamentos e das reformas que implementámos.
Este é um bom ambiente para que a Grécia regresse aos mercados?
A Grécia já regressou no ano passado, emitiram obrigações em três ocasiões. Registou progressos nos últimos dois anos e meio, desde que o actual programa começou em Setembro de 2015. Claro que a Grécia é um caso muito especial porque está no oitavo ano do seu processo de ajustamento. Outros países, incluindo Portugal, concluíram os seus programas passados três anos, regressaram aos mercados e são agora muito bem sucedidos. A Grécia também pode ter sucesso, como os outros países, mas tem de continuar com as reformas.
Depois de oitos anos de dificuldades, acha que fazer mais reformas é possível?
A Grécia já fez muito. Eliminaram o défice orçamental e têm vindo a registar excedentes orçamentais desde 2016. Vão continuar a fazer isso nos próximos anos, algo que é conseguido por poucos países na Europa. Mas devem continuar a implementar reformas estruturais para aumentar a sua taxa de crescimento potencial. Os mercados estão a olhar para tudo isso e acredito que a Grécia tem a possibilidade de reconquistar um acesso total aos mercados.
Os mercados também estão à espera de um acordo definitivo relativamente ao alívio da dívida grega…
Isso também está na agenda. No curto prazo, não tem assim tanta importância, porque a Grécia já beneficiou de um alívio da dívida tão grande em 2012, e estão a beneficiar com isso de forma substancial. Mas, no longo prazo, esta é uma questão importante, porque queremos tornar a Grécia atractiva para o investimento. Não só para investidores dos mercados financeiros, mas também investidores na economia real. É importante que Grécia crie um ambiente que seja amigo do crescimento. Isso inclui impostos não muito altos e um bom ambiente regulatório. Mas o outro lado da moeda é permitir um alívio da dívida e isso está na agenda da próxima reunião do Eurogrupo de 21 de Junho. Há um compromisso do Eurogrupo de garantir um novo alívio da dívida no final do programa se tal for necessário e se a Grécia tiver cumprido todas as condições do programa.
Ficou surpreendido com a mudança súbita registada nos resultados económicos e orçamentais nos últimos anos?
Para mim não foi uma mudança súbita. Sempre acreditei que os programas de ajustamento de Portugal, Espanha, Irlanda, Chipre e Grécia iriam funcionar. Quando trabalhei no FMI, tive a experiência de que estes programas podem ser muito dolorosos, mas acabam por apresentar resultados positivos após algum tempo. Os programas na Europa, incluindo em Portugal, foram duros. Mas os problemas que conduziram à crise foram enfrentados, por isso não estou surpreendido com os resultados positivos.
Não é isso que o governo português tem vindo a afirmar sobre o programa de ajustamento. Para o governo, o programa não foi essencial para a recuperação e sempre disse que queria pôr um menor foco na austeridade.
Não penso que haja um grande desacordo. O facto de a situação ser melhor agora significa que existe menos necessidade de ajustamento orçamental no futuro. Mas algumas das medidas tomadas durante o programa ajudam a explicar o desempenho positivo ao nível do crescimento que se regista agora, com a melhoria da competitividade e as reduções do défice orçamental. Estas são condições importantes para melhorar a situação económica.
Qual é a sua opinião relativamente à actual política orçamental e económica seguida pelo Governo português?
É muito bom que o Governo aproveite estes tempos económicos positivos para consolidar o orçamento porque o nível da dívida em Portugal é elevado. Isso torna Portugal vulnerável. Baixar o défice orçamental é a melhor maneira de reduzir o nível da dívida ao longo do tempo e de o país se preparar para a próxima crise. Não vejo isso a acontecer brevemente, mas um dia haverá uma nova crise e os países com dívidas públicas mais baixas tem menos hipóteses de serem atacados pelos mercados.
Portugal deveria estar a fazer ainda mais na consolidação orçamental?
Bom, se o défice for reduzido para um valor abaixo de 1% do PIB este ano, isso será um passo importante. Mas, depois, esse não deve ser o fim da história. O objectivo é registar pequenos excedentes nos bons tempos tal como aqueles que vivemos actualmente.