Onde é que já vimos este acordo?
Donald Trump e Kim Jong-un assinaram um documento histórico, mas muito vago e semelhante a outros que no passado acabaram por falhar.
A imagem de um Presidente norte-americano e de um líder norte-coreano a apertar a mão, trocando elogios enquanto posam para fotografias sorridentes seria impensável há pouco mais de seis meses. E apenas por isso está garantido um lugar nos livros de história. Mas o acordo assinado por Donald Trump e Kim Jong-un não foi muito além de outros documentos que no passado também prometiam o fim da ameaça nuclear –para depois falharem rotundamente.
Os dois líderes puseram as suas assinaturas num documento vago que estabelece um nível mínimo de entendimento, mas deixa margem para muitas ambiguidades. O ponto mais importante – foi o próprio Trump que o disse durante a conferência de imprensa que se seguiu à assinatura – é o terceiro em que se afirma que a Coreia do Norte “compromete-se a trabalhar rumo à total desnuclearização da Península Coreana”.
A formulação está bastante longe da insistência de Washington nos últimos meses de uma “desnuclearização imediata, total e irreversível”, que muitos analistas criticaram por ser uma exigência irrealista em termos técnicos e que iria limitar muito o diálogo. Mas não é mencionada qualquer janela temporal e a referência à Península Coreana pode ser interpretada como incluindo uma retirada do chamado “guarda-chuva nuclear” dos EUA sobre a Coreia do Sul, a par do desarmamento norte-coreano.
O documento refere igualmente um compromisso dos EUA em “dar garantias de segurança” a Pyongyang a troco da desnuclearização. E há ainda uma promessa da Coreia do Norte de entregar os restos mortais de prisioneiros e soldados norte-americanos capturados durante a Guerra da Coreia.
História de falhanços
Apesar do peso histórico de ter sido assinado cara a cara entre os líderes dos dois países, o teor do acordo de Singapura não é muito diferente de outros que foram assinados no passado. O especialista em proliferação nuclear do MIT, Vipin Narang, pôs no Twitter lado a lado o acordo desta terça-feira e um que foi assinado em 1993, quando pela primeira vez se tentou travar o desenvolvimento nuclear norte-coreano.
Por duas vezes, em 1993 e 2007, foram assinados acordos com a Coreia do Norte, em que o regime se comprometia a abandonar o desenvolvimento de armas nucleares. A primeira iniciativa deu origem ao chamado “Agreed Framework”, em que Pyongyang suspendia o programa nuclear em troca de fornecimentos de petróleo e da construção de reactores nucleares para fins energéticos, financiados por um grupo de países, que incluía os EUA e a Coreia do Sul. Ainda chegou a haver visitas de inspectores da Agência Internacional para a Energia Atómica a instalações nucleares, embora com fortes limitações impostas pelas autoridades norte-coreanas.
O esforço diplomático construído durante boa parte dos anos 1990 desmorona-se com a eleição de George W. Bush, que inclui a Coreia do Norte no seu “eixo do mal” após os atentados de 11 de Setembro de 2001.
Em 2007, é assinado um novo compromisso, no âmbito do “Diálogo a Seis”, um esforço multilateral de vários países da região para conter o programa nuclear norte-coreano. Volta a falar-se de “desnuclearização” e “normalização das relações” entre a Coreia do Norte e os seus vizinhos, Coreia do Sul e Japão.
Sai Bush e entra Barack Obama, que mantém o desejo de impedir a proliferação nuclear. A Coreia do Norte continua a fazer testes, embora insista ter um objectivo pacífico de exploração espacial. A quebra de confiança acentua-se e a diplomacia passa para segundo plano. Obama aposta na estratégia de “paciência estratégica”, aguardando que o regime dos Kim ceda por força das sanções.
Desta vez, Trump e Kim comprometem-se a manter novas rondas negociais, incluindo uma reunião entre o secretário de Estado, Mike Pompeo, e "um representante de alto nível" norte-coreano "na data mais próxima possível". Será a partir destes futuros encontros que poderá ser possível avaliar o que foi realmente conseguido em Singapura.