Interior do interior, a fronteira concentra riscos demográficos
Nas costuras entre Portugal e Espanha a perda de população e o envelhecimento são mais notórios do que no resto dos dois países. Saberemos viver melhor com menos gente?
Um estudo da JPQ consultores, supervisionado pela geógrafa Teresa Sá Marques, da Universidade do Porto, revela que os riscos demográficos associados à quebra das taxas de fecundidade e ao envelhecimento da população estão mais vincados nos territórios fronteiriços de Portugal e de Espanha. O trabalho, realizado a pedido de um consórcio de entidades dos dois países, aponta algumas medidas de reforço da atractividade destes territórios, mas os seus autores assumem que, mais do que inverter o processo demográfico - uma “utopia” - é preciso adaptar a economia local e nacional a um país com menos gente.
Na semana em que foi notícia a divulgação, pelo Eurostat, de uma previsão que aponta para um cenário de diminuição de um quarto da população a viver em Portugal, nos próximos 50 anos, o retrato tirado pela equipa coordenada por José Paulo Queiroz às costuras que unem Portugal a Espanha mostra que as tendências nacionais de decréscimo populacional, envelhecimento, diminuição de activos e quebra das taxas de fecundidade têm uma expressão ainda mais preocupante nestes territórios do que, nalguns casos, noutros espaços do Interior dos dois países.
O estudo, que acrescenta mais informação aos trabalhos recentes que têm abordado os problemas, e proposto soluções, para os chamados territórios de baixa densidade, foi financiado pelo Programa Europeu Interreg e pedido por um consórcio que reúne as Juntas da Galiza, Castela e Leão e Estremadura, do lado espanhol, e a Universidade do Porto, a Comunidade Intermunicipal do Alto Minho e a Câmara de Braga, do lado português. A equipa envolvida analisou informação estatística e dados de prospectiva para as subregiões (NUT III) de Pontevedra, Ourense, Zamora, Salamanca, Cáceres, Badajoz e Huelva, todas de Espanha, e Alto Minho, Cávado, Alto Tâmega, Douro, Terras de Trás-os-Montes, Algarve, Beira Baixa, Beiras e Serra da Estrela, Baixo Alentejo, Alto Alentejo e o Alentejo Central, em Portugal.
Um dos elementos que sobressaem, desde logo, neste trabalho - que recorre a muita informação estatística sobre os territórios da União Europeia - é disparidade entre os dois lados. Nas NUT III portuguesas de fronteira vive 22% da população nacional, cerca de 2,2 milhões de pessoas, enquanto que no lado espanhol, e num território bem mais amplo, vive apenas 7% da população do país vizinho, 3,1 milhões. Já à escala Europeia, e de acordo com o Sétimo Relatório de Coesão Económica, Social e Territorial, “em 2014, cerca de um terço da populacão vivia em regiões fronteiriças terrestres.
Na Europa, estas regiões de fronteira são responsáveis por 28% do total do Produto Interno Bruto Comunitário, mas à escala ibérica, mesmo que os dados não sejam apontados neste trabalho, os mapas sobre o peso do PIB regional mostram “que o desenvolvimento ocorre de forma assimétrica. Em 2015, enquanto as metrópoles se evidenciam claramente, as áreas rurais, sobretudo de fronteira entre Portugal e Espanha, contribuem pouco para o total de Produto Interno Bruto (PIB) dos dois países. Em 2030, as disparidades territoriais mantêm-se”, embora isso signifique, também, que há uma expectativa de aumento da riqueza produzida nestas zonas, com destaque para Trás-os-Montes, Baixo Alentejo e Badajoz. O que se estima, contudo, é que ele será insuficiente para diminuir o fosso existente.
Um dos problemas conhecidos da economia destas regiões é que está muito sustentada em actividades com grande exigência de mão-de-obra, que vai escassear cada vez mais. Tal como o país - e a um ritmo pior do que o resto do país, por causa da migração dos mais jovens - os territórios fronteiriços vão ter um decréscimo assinalável de população activa, o que, para a geógrafa e investigadora Teresa Sá Marques, as coloca - nos coloca, enquanto país - perante vários desafios. E o mais importante deles é, desde logo, o de encontrar formas de garantir qualidade de vida a quem fica.
Assumindo que políticas de natalidade terão poucos ou nenhuns efeitos em territórios onde já há poucas mulheres em idade fértil, a académica que nos últimos anos esteve a coordenar o Programa Nacional de Políticas do Ordenamento do Território refere que é preciso trabalhar as condições de atractividade destes espaços, garantindo serviços públicos e privados essenciais, mobilidade e conectividade digital. “Temos de saber construir um futuro com menos gente e criar um discurso de desenvolvimento para um território com outros recursos”, assinala a geógrafa da Universidade do Porto.
Do debate com entidades ligadas às instituições que encomendaram este estudo, surgiu um leque de propostas - parte delas já colocadas em prática por alguns dos organismos que participaram num inquérito associado a este levantamento. Algumas, como a descentralização de serviços do Estado, vão ao encontro das reflexões sobre o interior tornadas públicas recentemente, mas, a pedido do consórcio, foi dada, neste caso, atenção a medidas que possam mitigar as desigualdades de género, presentes nestes como noutros espaços da península.
Neste âmbito, o grupo destaca a necessidade de majorar apoios a projectos empresariais que promovam “emprego de qualidade, designadamente em matéria de conciliação do trabalho com a vida privada e de promoção da igualdade de oportunidades (Planos de Igualdade, flexibilidade na organização dos tempos de trabalho, serviços de apoio, etc.)” e a contratação de trabalhadores jovens. Propõe-se também a “Introdução/Reforço de incentivos específicos à contratação de trabalhadores, designadamente mulheres, que se encontrem em situação de desemprego ou inactividade decorrente de maternidade, cuidado de crianças ou outros dependentes, violência doméstica, etc.
É também defendido o “desenvolvimento de programas de formação em línguas e a promocão do bilinguismo, dirigidos, em especial, aos públicos mais jovens e a “criaçao de programas transfronteiriços de apoio ao empreendedorismo, designadamente empreendedorismo social, e à criação do próprio emprego, em particular feminino. Para isto pedem também centros de serviços partilhados e de coworking, de âmbito transfronteiriço”, e o desenvolvimento do teletrabalho, como forma de atrair residentes. Algo que exige, notam, o “reforço das infra-estruturas de telecomunicações”.
Do ponto de vista da mobilidade física, e mesmo adivinhando que as tecnologias poderão aproximar os cidadãos que vivem nestes territórios de muitos serviços que foram perdendo (como a saúde, através da telemedicina), o grupo não deixa de considerar urgente o desenvolvimento de novas soluções em matéria de transporte, para responder a uma população cada vez mais idosa e que, neste aspecto, tem mais dificuldades. E propõe, também, o estabelecimento “de programas de partilha de serviços públicos e de utilização de equipamentos em áreas de fronteira”.
Tendo em conta o envelhecimento da população, são também apontadas medidas de apoio às organizações prestadoras de cuidados a crianças e idosos e o desenvolvimento de programa de apoio à criação e aprofundamento da acção e da cooperação entre Universidades Seniores, com âmbito transfronteiriço, também”. Muito ligado a este aspecto do envelhecimento activo, defende-se a “promoção de soluções para apoio à vida independente das pessoas idosas, envolvendo a teleassistência, os cuidados domiciliários, os serviços de transporte e a formação.
Os autores deste trabalho insistem também na necessidade de apoiar directamente as pessoas e as famílias. Defendem, por exemplo, a “criação de subsídios e outras formas de apoio para regresso e fixação de familiares de pessoas idosas e dependentes que assumam funções permanentes de cuidado, permitindo a manutenção da pessoa cuidada no seu contexto doméstico e de vida”, medidas de acesso a habitação a custos acessíveis e um programa específico de estímulo à instalação de jovens empresários e criação de empresas em áreas de negócio “sustentável” (novos produtos agrícolas, incluindo produtos da agricultura biológica; turismo; serviços de apoio às empresas, etc.).
O pró-reitor da Universidade do Porto Manuel Fontes de Carvalho considera que as universidades têm de apoiar estes municípios a encontrar soluções para a fixação de jovens. A UP por exemplo, tem entre os seus 35 mil estudantes 21 mil de fora do Grande Porto e já assinou protocolos com 58 autarquias, de norte a sul do país, e até das ilhas, para divulgar, junto dos alunos, oportunidades de emprego, e de negócio, nos seus territórios de origem. Uma iniciativa que decorre da percepção da existência de dificuldades, nesses concelhos, de captação de quadros qualificados, atraídos, como o resto da população, para os grandes centros urbanos.