Centeno: “Os governos não podem dormir sobre os louros alcançados”

A crise financeira transmutou-se numa crise do euro. A Europa, diz o presidente do Eurogrupo, tem de aproveitar o momento para se preparar para os “desafios futuros”.

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Mário Centeno na conferência organizada pelo PÚBLICO Daniel Rocha

Soa a um aviso e, diz Mário Centeno, é mesmo um aviso para ter em conta: a Europa deve preparar-se para os “desafios futuros” e precaver-se contra “novas tempestades” como as que se viveram durante a crise do euro. “Os governos europeus não podem dormir sobre os louros alcançados”, mas lembrar-se de que o “esforço de reformas estruturais deve ser contínuo”, considera o ministro das Finanças, lançando outro alerta: “A tentação para a complacência é grande numa altura em que a economia cresce”.

Uma mensagem para consumo interno, para ser lida pelos parceiros da zona euro ou tudo ao mesmo tempo? O presidente do Eurogrupo e ministro das Finanças português falava em Lisboa, nesta segunda-feira, numa conferência sobre o futuro do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), organizada pelo PÚBLICO na Fundação Calouste Gulbenkian. E tinha a ouvi-lo Klaus Regling, o presidente do MEE, instituição que financiou os resgates aos países em dificuldades da moeda única e cuja “curta história”, lembrou Centeno, “se confunde com a história” dessa crise.

Em discussão na Europa está a criação de um Fundo Monetário Europeu. E para falar desse futuro ainda em construção, Centeno recuou no tempo alguns anos para não deixar passar em branco o momento em que a “sobrevivência do próprio euro” chegou a ser questionada e Draghi teve de dizer a famosa frase no Verão de 2012, a de que o BCE faria o que fosse preciso para salvar a moeda única. Hoje, Centeno olha com confiança para a moeda única – diz que ela voltou a ser “uma âncora de estabilidade no mundo”. Contra o eurocepticismo, cita um indicador: “70% dos 350 milhões de cidadãos europeus apoiam o euro”.

Mas não deixa de fazer alertas, primeiro, lembrando que no passado se acreditou que “a acumulação de défices externos não era relevante numa moeda única e que as diferenças estruturais entre os Estados-membros seriam esbatidas de forma harmoniosa”. E se tudo pareceu correr bem nos primeiros anos da moeda única, a “ilusão de prosperidade criada pela estabilidade cambial e juros baixos” acabou por se desfazer com a crise.

O problema? “A crise financeira não foi uma simples tempestade”, para a qual a Europa não estava preparada, acabando por se confrontar com uma crise financeira que “se transmutou numa crise do euro”.

Hoje, com os países em crescimento, o foco dos países “deve ser desalavancar as nossas economias e aumentar o crescimento potencial. Não podemos ficar expostos a novas tempestades como estivemos no passado. Isto soa a um aviso, exactamente porque é um aviso”.

Quando Centeno fala na necessidade de os governos se prepararem para “os desafios futuros”, dá como exemplo a necessidade de responder ao envelhecimento da população, porque ele vai por à prova o modelo europeu de bem-estar.

Quanto ao Mecanismo Europeu de Estabilidade, Centeno lembrou que existe entre os ministros da zona euro “um apoio muito alargado” para atribuir ao MEE “um novo instrumento para financiar o Fundo Único de Resolução bancária”. Desfiou outras propostas que têm vindo a ser debatidas, sem nunca se referir a um possível futuro Fundo Monetário Europeu (FME).

O reforço do MEE “deverá ir além de novos instrumentos, propriamente ditos. Outra proposta que temos vindo a discutir visa reforçar o papel do mecanismo na gestão de crises e no desenho dos programas de ajustamento. Uma outra ideia é atribuir-lhe competências na prevenção de crises, em parceira estreita com a Comissão Europeia e evitando quaisquer tipo de sobreposição de funções”.

Essa tinha sido uma discussão entre os participantes numa mesa redonda minutos antes de Centeno falar. António Cabral,  antigo director-geral adjunto para os Assuntos Económicos e Financeiros da Comissão Europeia, considerou natural que o futuro Fundo, tendo responsabilidades em intervir em países desequilibrados, queira estar atento “à evolução dessas contas públicas e queira participar dessa supervisão do ponto de vista orçamental”, competência que actualmente cabe à Comissão Europeia.

Para António Cabral, a assistência financeira deve caber ao futuro FME, mas a estabilização financeira “deve pertencer à Comissão Europeia”. Há, disse, uma distinção entre a assistência financeira – a correcção dos desequilíbrios económicos, a ajuda para um país se financiar, por exemplo – e a estabilização económica, que “deve ser automática e isenta de condicionalidade”, sem estar ao mesmo tempo atribuída à mesma entidade.

A discussão passou também pelo futuro do Fundo Monetário Internacional no contexto em que a Europa discute a criação de um fundo seu. O economista Ricardo Cabral, ao olhar para a actuação do FMI, vê nas decisões da instituição “sempre um peso político muito importante”, por “mais técnicas” que essas decisões sejam, dando um exemplo: dificilmente o conselho de administração do FMI viria “a considerar que a dívida de Itália fosse insustentável”.

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