Jazz activista de Metá Metá em batalha ganha pelos War on Drugs
No último dia do Nos Primavera Sound, os brasileiros e os norte-americanos, a milhas da dimensão a que pertence Nick Cave, entraram para o quadro de honra das boas actuações a que assistimos noutros pontos do recinto, do qual também fazem parte os Public Service Broadcasting e Vagabon.
No dia em que o magnetismo de Nick Cave atraiu todas as atenções, aqui e ali, noutra dimensão e noutros palcos, investia-se no esforço de não se passar para segundo plano. Entre a surpresa do jazz de fusão dos Metá Metá, a melancolia de Vagabon e o rock didáctico dos Public Service Broadcasting, foram os War on Drugs que se evidenciaram com uma visão ampla do rock americano mais clássico, em noite que não correu particularmente bem para os escoceses Mogwai.
A chuva tinha ameaçado cair desde que a edição deste ano do Nos Primavera Sound arrancou na quinta-feira. Foi este sábado que decidiu não dar tréguas ao público que esgotou o último dia do festival. Benditos impermeáveis, indispensáveis em maratonas musicais longas, os melhores amigos dos melómanos que estacionam frente aos palcos, irredutíveis, em áreas geográficas onde já não se pode confiar nas estações do ano.
De um país quente, os brasileiros Metá Metá vinham preparados para recentrar o foco na música. No Brasil, menos favoráveis estão as questões políticas. O jazz de fusão com MPB, ritmos africanos e algumas intervenções mais rockeiras deste trio base de baixo, voz e saxofone, apoiado por guitarrista e baterista convidados, serve também de veículo para a reflexão sobre o caos político em que se encontra actualmente o seu país.
Umas vezes mais musicais, outras mais exploratórios, asseguraram uma actuação surpreendente sem cair em onanismos muitas vezes dispensáveis em território free jazz e sem perder a musicalidade, muito por força da condução da vocalista Juçara Marçal, que consegue ser o Norte para que, apesar dos desvios, se chegue ao destino.
Agradável e eficaz também foi o Indie rock melancólico de Vagabon, alter-ego da camaronesa Laetitia Tamko, que desde a adolescência vive em Nova-Iorque. Por vezes depressivo, mas também com progressões de dedilhados de guitarra mais esperançosos, conseguiu entregar no palco Pitchfork um alinhamento bem estruturado e sólido.
Serviço público musical
Da lua à subida ao Evereste, os londrinos Public Service Broadcasting fazem uma viagem pelo arquivo público de informação. Banda sonora para os maiores feitos da humanidade, são uma espécie de plataforma audiovisual que organiza som, imagem e informação num pacote didáctico trabalhado para ser musical. E conseguem fazê-lo com alguma eficácia. No palco criam uma simbiose entre estes mundos, para onde somos transportados com a ajuda de composições apoiadas numa secção rítmica que aguenta acordes e notas de teclado e guitarra inspiradores e mais viajantes, muitas vezes a estender o indie rock que praticam para a esfera do kraut.
Depois da actuação densa de Nick Cave ter justificado a presença da chuva, ainda embrenhados numa sensação de que as feridas infligidas pelo australiano, acompanhado pelos seus Bad Seeds, não vão sarar tão cedo, seguimos para o Palco Seat para assistir ao regresso a Portugal dos The War on Drugs, com a sensação de que a noite podia ter acabado minutos antes.
A música dos norte-americanos é feita de camadas. Numa primeira impressão pode achar-se que pouco mais há além da americana de onde partem para o resto das composições. Bateria a marcar passo num quatro por quatro constante a servir de cama a uma guitarra e a um teclado de acordes simples, mas eficazes, surgem os solos inspirados do guitarrista/vocalista Adam Granduciel. O músico não cai na tentação de seguir a via do virtuosismo bacoco que nada acrescenta. Serve apenas e só a música e deixa de lado o ego. Ocasionalmente, é notória alguma inspiração floydiana, da ala David Gilmour, nas melodias mais introspectivas.
Os War on Drugs não são uma banda de explosão, mas sim de contenção e é nessa contenção que se escondem os pormenores mais interessantes. Foram responsáveis por uma actuação irrepreensível que nos trouxe de volta ao festival.
Aproveitando a chama reacendida, procurámos alimentá-la no último concerto do palco Nos da edição deste ano, que marcou o regresso dos Mogwai ao festival quatro anos depois de lá terem tocado.
Mogwai desinspirados
Scotch 20 anos servido lentamente fora de horas. Ao pós-rock dos Mogwai não se pode exigir mais do que aquilo que é. Impulsionadores de um género que na entrada para a segunda década de 2000 se massificou, foram eles próprios engolidos pelo som que ajudaram a criar. Entre crescendos para descargas sónicas apoteóticas, momentos de puro resguardo e outros mais viscerais, estão presos a uma fórmula gasta da qual não têm por onde fugir se não a reinventarem.
Os escoceses cumpriram o propósito, mas não fizeram mais do que entregar o reportório iniciado em 1997, quando saiu Mogwai Young Team. Nalguns momentos a lutarem com problemas de som, foram responsáveis por uma actuação sofrível, num palco ainda com o cheiro de Nick Cave.