Almada transforma rua de Cacilhas em laboratório vivo de redução de carbono
Projecto pioneiro de 1,2 milhões de euros vai tentar mudar hábitos de comerciantes e moradores. Quem aderir às novas práticas é pago com moeda virtual
O município de Almada vai transformar a principal rua de restauração de Cacilhas num laboratório vivo para a redução de carbono, através de um projecto-piloto, de 1,2 milhões de euros, que foi apresentado nesta sexta-feira.
A iniciativa, inédita, passa por convencer os comerciantes e residentes da Rua Cândido dos Reis, uma artéria pedonal e ciclável na parte histórica ribeirinha da margem sul do Tejo, junto aos terminal fluvial, a adoptarem novos hábitos, mais amigos do ambiente.
A ideia é reduzir as emissões de carbono por duas vias principais; a redução de consumo de combustíveis fósseis e recolha selectiva de resíduos.
Para isso vão ser feitas obras na rua. Será construído um centro logístico, o Farol, para centralizar toda a logística de fornecimento dos cerca de 30 restaurantes e cafés, passando a distribuição a cada estabelecimento a ser feita por veículos eléctricos. Este equipamento vai ter, por isso, produção de electricidade, através de painéis fotovoltaicos e de um inovador sistema que produz energia através de um solo especial que aproveita o movimento dos peões.
Um ponto de recolha selectiva de resíduos, incluindo os orgânicos, como os restos de comida dos restaurantes, é outro dos investimentos principais do projecto que prevê ainda outras infra-estruturas física, como um painel informativo, que vai ser instalado à entrada da rua e a substituição do mobiliário urbano do Largo Alfredo Dinis, a porta de entrada de Cacilhas para quem chega de Lisboa por barco.
Os particulares, moradores e trabalhadores locais, vão ser convidados a integrarem também o esforço de redução das emissões de gases, podendo usar tanto o futuro sistema de recolha de resíduos como o centro de distribuição logística. Neste caso, para receberem encomendas, poderão inscrever-se na plataforma logística que vai gerir o funcionamento do laboratório vivo e indicar as pessoas que autorizam a fazer o levantamento de bens que lhe sejam destinados.
Denominado ‘co.comunidade.carbono.zero”, o projecto de Almada foi a melhor de 25 candidaturas apresentadas ao Fundo Ambiental, pelo que é comparticipado a 50% por este fundo do Ministério do Ambiente. O restante financiamento será assegurado pela autarquia.
O prazo de execução, tanto deste como dos demais nove projectos aprovados pelo Fundo Ambiental em todo o país, é de dez meses, mas as obras de adaptação da rua, ao que o PÚBLICO apurou, só devem começar depois deste Verão.
Nesta fase, o consórcio de 12 entidades que integram esta acção em Cacilhas, está a iniciar os contactos com os comerciantes e a população, para fixar a participação dos interessados através protocolos que vão regular as condições de adesão e as contrapartidas a receber pelos participantes.
420 mil toneladas de carbono
A experiência que vai arrancar em Cacilhas não apresenta números específicos para a rua piloto, mas o concelho de Almada tem uma matriz carbónica em que as 420 mil toneladas de CO2 produzidas por ano têm origem principalmente nos transportes (32%), sector residencial (22%), industria (20%), e comércio e serviços (20%).
Um valor per capita quatro vezes inferior à média europeia, o que, como sublinha Catarina Freitas, técnica municipal que lidera o projecto, torna mais difícil a tarefa de redução das emissões.
A meta para a redução no concelho é de 80% até 2050.
As emissões directamente dependentes dos serviços municipais correspondem apenas a 5% do total pelo que a Câmara de Almada tem noção de que o contributo local para um planeta mais limpo depende essencialmente da capacidade de envolver “toda a comunidade”, como disse Inês de Medeiros.
Assim, segundo a presidente da autarquia, a estratégia do município para o combate às alterações climáticas é assumir “o papel que lhe cabe, de inovar, ser agente de mudança e liderar pelo exemplo”.
A ambição de Almada em matéria de protecção do ambiente é de liderar as políticas locais na Área Metropolitana de Lisboa (AML), dizem os autarcas.
“Queremos que Almada seja o melhor concelho para investir e residir por isso temos que fazer a diferença na requalificação do território, com inovação”, disse ao PÚBLICO Nuno Matias, vereador do Ambiente, responsável pelo projecto.
Sobre o elevado custo financeiro, de 1,2 milhões para apenas uma rua, o autarca diz que “resulta de ser a fase experimental” e que a futura replicação a outras zonas do concelho já poderá beneficiar de “ganhos de escala”.
Restaurantes dão restos de comida e recebem ‘Troco’
Para convencer comerciantes e particulares a aderirem ao esforço de redução de carbono, os promotores do projecto vão pagar as contribuições com uma moeda virtual.
Batipzada com o nome de ‘Troco’, a moeda procura seguir o espirito de aproveitamento do ‘Garum’ o famoso molho de tempero que os antigos romanos extraiam dos desperdícios de peixe.
Pelas entregas de resíduos que fizerem, designadamente de restos de comida, os restaurantes vão receber um valor em moeda virtual, que poderão gastar depois no comércio local – primeiro na zona mas depois também noutros estabelecimentos do concelho – e nos transportes públicos.
O consórcio promotor pretende envolver todos os operadores de transportes públicos que servem a zona de Cacilhas, nomeadamente a Transtejo, TSF e Metro Sul do Tejo (MST), para que aceitem este modo de pagamento na compra de bilhetes de viagem.