Éolo, o guardião dos ventos, está pronto para ir para o espaço
O lançamento do satélite Éolo está marcado para 21 de Agosto na Guiana Francesa. Depois de mais de dez anos de espera, ficará no espaço durante três anos a recolher informações dos ventos de todo o planeta.
Vestimos as batas brancas, colocamos uma touca na cabeça, protecções nos pés e o telemóvel no modo de voo. Estamos numa das instalações da Airbus Defence and Space, em Toulouse (França), e a nossa missão é encontrar o Éolo (Aeolus, em inglês), o primeiro satélite que observará o perfil dos ventos à escala global. Pelo caminho, vemos o desenvolvimento de outros projectos. “Nada de fotos”, indicam-nos alguns dos funcionários. As fotografias só são permitidas quando chegamos à sala limpa onde está o Éolo – da Agência Espacial Europeia (ESA) –, que já está (praticamente) preparado para viajar para o espaço a 21 de Agosto. Deparamo-nos com um satélite de quatro metros de comprimento, com painéis solares de lado e um telescópio na frente revestido com material dourado.
Mesmo ao lado, sorridente e emocionado, está Anders Elfving, o coordenador do projecto. “Uau!”, é a sua reacção quando lhe perguntamos o que sente ao observar o Éolo e que, na mitologia grega, é o “guardião dos ventos”. “É o nosso Sol!” A sua reacção de veneração deve-se, sobretudo, ao tempo que o projecto demorou a ficar pronto.
Tudo começou em 1999 (com a aprovação da missão pela ESA) e a primeira data de lançamento estava prevista para 2007. Houve atrasos e erros de percurso e o projecto – que já vai em 481 milhões de euros (sem o custo de operação) – foi-se prolongando. Anders Elfving juntou-se à equipa do Éolo há oito anos e revela que, quando assumiu a responsabilidade do projecto, encontrou uma equipa desmotivada. “Trabalhava há muito tempo e não via resultados. Então, renovámos a equipa que trouxe ideias novas.”
É a observar o satélite que Anders Elfving relata entusiasticamente o que o estimulou. “Trabalhar para o espaço já é por si especial. Já trabalho há 17 anos com instrumentos científicos que investigam o Universo, a sua origem e para onde vamos.” Quando se juntou à equipa de observação da Terra da ESA, viu logo que seria interessante: “Achei tão bonito investigar o ambiente. O que é que está a acontecer na atmosfera? E à nossa Terra? Esta missão irá contar-nos muita coisa sobre a nossa atmosfera e será crucial para a humanidade.”
Com 1450 quilos, o Éolo ficará a 320 quilómetros de altitude, viajará a 27 mil quilómetros por hora e completará cerca de 16 órbitas por dia. Nos próximos três anos, monitorizará os ventos a nível global, medindo a sua velocidade e direcção em diferentes alturas. Será a primeira missão a medir a velocidade dos ventos em todo o planeta.
Em frente ao satélite, entre outros responsáveis e cientistas, está Wolfgang Lengert, coordenador da missão. Também ele nos conta as dificuldades do projecto nos últimos anos e frisa como foi complicado preparar o instrumento científico que o Éolo levará consigo, o Aladin (Atmospheric Laser Doppler Instrument). “Não é visível.” E aponta: “Está por trás do painel solar e à frente do telescópio que irá emitir um laser.”
O Aladin é um instrumento que tem uma tecnologia de detecção e localização que funciona através de ondas de luz e se designa por Lidar (Light Detection And Ranging). Usa ainda o efeito Doppler para determinar a velocidade do vento em diferentes alturas. Quando estiver no espaço, o Aladin emitirá um laser de luz ultravioleta para a Terra através da atmosfera. Depois, recolherá essa luz reflectida de volta para o telescópio de 1,5 metros de diâmetro. “É este laser ultravioleta que faz o Éolo tão especial”, destaca Wolfgang Lengert. Pela primeira vez, um instrumento Lidar estará no espaço.
Wolfgang Lengert explica que o Éolo será um complemento dos sistemas meteorológicos que já existem em terra e no espaço e mostra-se entusiasmado com os futuros dados recolhidos pelo satélite. Afinal, trabalha na ESA em Itália, onde os dados serão processados e distribuídos (que passarão antes por outras estações da ESA).
Para que servirão? Para melhorar a qualidade das previsões meteorológicas e da qualidade do ar, para compreendermos melhor o papel do vento na temperatura e no clima ou ainda para o estudo das alterações climáticas, do transporte transfronteiriço de poluentes ou de cinzas vulcânicas. Também medirá o vento em zonas menos observadas como os trópicos, os oceanos ou as áreas polares. Espera-se ainda que dê uma ajuda à produção de energia eólica, à protecção de culturas, pescas e ao planeamento de construções.
Portugal e uma portuguesa
“O problema da meteorologia é que só cobre uma certa área e o Éolo cobre todo o planeta. Logo, podemos ver o caminho de uma tempestade [ou de um ciclone] e de onde vem. Veremos a origem e as circunstâncias em que o vento foi fornecido”, explica Wolfgang Lengert, adiantando que, no futuro, os dados serão disponibilizados para os cientistas e para quem estiver interessado. Durante a missão, prevê-se que sejam feitos cerca de 64 mil perfis de ventos por dia e um processamento e distribuição dos dados para os utilizadores de três em três horas. Espera-se que os dados estejam disponíveis entre o final de Janeiro e Fevereiro do próximo ano. “[A meteorologia] é uma área muito próxima das pessoas. Até na rua, sem se conhecerem, falam no tempo. Agora ficarão com mais para falar ainda”, diz Anders Elfving a rir.
Assim que lhe perguntamos se houve cientistas portugueses envolvidos no projecto, diz-nos de imediato e em bom português um nome: “Suzana da Mota Silva.” A cientista da ESA dá apoio técnico do ponto de vista da qualidade ao Éolo e ao satélite MetOp-C (que será lançado a 20 de Setembro de 2018 na Guiana Francesa). A portuguesa juntou-se ao projecto em Janeiro de 2016 e faz parte da equipa de engenheiros que planeia e executa actividades e processos que garantem o sucesso da missão. “Do ponto de vista tecnológico, é um projecto extremamente interessante”, conta-nos a investigadora por email. “Foi intenso e gratificante ao mesmo tempo!” E até destaca: “O Éolo vai permitir medir o perfil vertical de ventos em torno do globo, que é actualmente uma das grandes incógnitas nesses modelos [meteorológicos].”
Mas também relata alguns obstáculos: “A maior dificuldade esteve relacionada com toda a tecnologia associada ao desenvolvimento e teste do laser usado para medir a velocidade do vento e, sobretudo, ao seu funcionamento em vácuo (ambiente no espaço) devido à contaminação das superfícies ópticas pela vaporização dos materiais induzida pelo laser.”
Além de Suzana da Mota Silva, há outras participações portuguesas. Os magnetómetros usados para navegação do satélite foram desenvolvidos pela empresa portuguesa Lusospace. Já a empresa Omnidea produziu e testou as válvulas que asseguram a limpeza da componente óptica do Aladin, o principal instrumento do satélite, adiantou à Lusa o seu director-geral, Nuno Fernandes. E Wolfgang Lengert acrescenta mesmo que o satélite é de todos os portugueses. Afinal, Portugal é um dos membros da ESA.
Na sala limpa, ao lado do satélite, há um contentor branco. É onde o Éolo será transportado na próxima semana para Kourou, na Guiana Francesa. Vai atravessar o Atlântico na embarcação da Airbus Ciudad de Cadiz. Como é um instrumento sensível, podia danificar-se devido à diminuição da pressão se fosse num avião. Quanto à sua viagem para o espaço a bordo de um foguetão Vega, em Agosto, Anders Elfving estará, de certeza, a ver partir este guardião dos ventos.
O PÚBLICO viajou a convite da Agência Espacial Europeia