O mistério das setas desaparecidas
A direcção de Rui Rio remodelou o site do partido e fez sumir todas as setas que antes estavam no logótipo do PSD. Virgínia Estorninho, militante histórica, já apresentou uma reclamação.
Virgínia Estorninho é uma militante histórica do PSD, mais conhecida no partido do que o novo símbolo social-democrata que perdeu as três setas quase sem ninguém ter dado por isso. Deu ela, que no último conselho nacional já reclamou presencialmente e voltou a reclamar, por telefone, junto do secretário-geral do PSD. "Tiraram-nos as setas, e enfiaram-nos num quadrado laranja. Não admito isso", diz ao PÚBLICO, queixando-se de que estão a apagar a identidade do PSD.
O logótipo do Povo Livre, da PSD TV e da página online do partido foi reciclado já depois do último congresso e o ar de modernidade (símbolo só com letras) não agrada a Virgínia Estorninho nem a outros sociais-democratas da distrital de Lisboa, que foram apanhados de surpresa. "Se as setas não foram repostas, organizo uma manifestação à porta da sede do PSD", garante a militante, explicando que, apesar de não ter dado prazo ao secretário-geral, José Silvano, para repor a imagem, planeia concretizar a ameaça.
Ao PÚBLICO, José Silvano afirma que a alteração foi feita antes de ocupar o cargo de secretário-geral, mas admite que o símbolo original do partido pode vir a ser colocado no site. Ainda assim, sublinha: “As setas estão em quase todos os documentos oficiais. O site foi criado com um novo desenho. Vamos ver se acrescentamos o símbolo”.
Entretanto, Rui Rio garantiu que "não há nenhuma opção política de cortar com o símbolo do partido" desde logo porque "os estatutos do PSD, e bem, não o permitem".
"Em tudo aquilo que possam ser documentos oficiais estarão as setas do partido, há depois uma componente de imagem e 'marketing' que vai mudando ao longo do tempo", acrescentou. "Eu sou da fundação do PSD, serei o último a ferir a história do PSD".
Desenhadas em sobreposição, as setas eram usadas pelos sociais-democratas, ao início, para "anularem a cruz suástica, símbolo do regime nazi", conta a deputada municipal de Lisboa que entrou no PSD pela mão de Francisco Sá Carneiro, em 1974. "Inicialmente, discutiu-se o uso das três setas de cores diferentes: uma preta, uma vermelha e outra branca", conta. Era uma para cada valor da social-democracia - a liberdade, a igualdade e a solidariedade -, mostrando que a democracia só existiria verdadeiramente se fosse política, económica e social. A preta recordava os movimentos libertários do século passado, a vermelha lembrava as lutas das classes trabalhadoras e a branca apontava o personalismo.
No site do partido, o símbolo é descrito como algo que nasceu espontaneamente "na luta dos militantes sociais-democratas contra o nazismo". As setas simbolizavam "os três factores do movimento: o poder político e intelectual; a força económica e social; e a força física. O seu paralelismo exprimia o pensamento da frente unida: tudo devia ser mobilizado contra o inimigo comum - o nazismo (...). Lembrava aos sociais-democratas as qualidades fundamentais que lhes eram exigidas: a actividade, a disciplina e a união."
Na mais recente actualização do programa do partido, em 2012, o documento passou a dividir-se em três áreas – “um princípio personalista”, “um juízo realista” e uma política popular e democrática: a social-democracia portuguesa” - que correspondem precisamente ao número de setas.
As setas, argumenta a santanista Virgínia Estorninho, fazem parte da memória do partido. "São a sua identidade." E não é uma, nem duas. São três. Em tempos, Durão Barroso tentou fundi-las numa seta estilizada, mas a militante histórica fê-lo recuar. "Enquanto eu tiver um bocadinho de força..." com Sofia Rodrigues
*Actualizada no dia 6 de Junho com a posição de Rui Rio