Read my lips: “Não temos 600 milhões para pagar esta reivindicação sindical”

António Costa recusou a ideia de “chantagem” e a responsabilidade pelo impasse. Deixou a porta aberta ao pedir uma contraproposta aos sindicatos em vez de manterem a exigência da contagem de todo o tempo.

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MIGUEL A. LOPES / LUSA

Foi em torno do número 600 e do significado de palavras como “intransigência” que António Costa atravessou o debate quinzenal, acossado por todas as bancadas sobre a polémica negociação entre Governo e sindicatos de professores. O primeiro-ministro e o seu ministro da Educação foram os alvos das críticas pela forma com tem sido conduzida a negociação e sobretudo pelo resultado de segunda-feira, mas Costa deixou a porta aberta atirando para os sindicatos o ónus da continuação do diálogo dizendo ser preciso que estes façam uma contraproposta. Em vez de manterem o finca-pé nos “nove anos, quatro meses e dois dias e nem uma hora a menos”, como descreveu o governante.

Já se sabia que o assunto ia aquecer o debate – o Bloco avisara de manhã que iria questionar Costa e que exigir a presença do ministro da Educação no Parlamento para dar explicações. Foi Fernando Negrão quem pegou nele, e António Costa demorou-se em argumentações não ao líder da bancada social-democrata, mas sim aos partidos com quem assinou acordos – foi ao Bloco que disse, pela primeira vez, que o custo de 600 milhões de euros “não é comportável”. Parceiros do PS que são os mesmos com ligação aos sindicatos, que deixaram o orçamento para este ano tremido por causa do tempo congelado aos professores, e ainda que prometem não dar tréguas.

Aliás, são também os mesmos que em Dezembro fizeram aprovar no Parlamento um projecto de resolução da autoria do PEV que recomenda ao Governo que “em diálogo com os sindicatos garanta que, nas carreiras cuja progressão depende também do tempo de serviço prestado, é contado todo esse tempo para efeitos de progressão na carreira e da correspondente valorização remuneratória”. Na altura, PS, BE, PCP, PEV e PAN votaram a favor, PSD e CDS abstiveram-se. Costa desvalorizou este diploma, vincou que a promessa do PS era descongelar as carreiras ­- "repor o cronómetro onde parou de contar. Foi o que se fez” - e disse reger-se pelo que ordena o OE2018.

“Está a dizer que não vai cumprir uma recomendação do Parlamento?”, quis saber Heloísa Apolónia na sua derradeira intervenção, que recusou a desculpa do custo. “Não se ponha com a questão dos 600 milhões”, pediu porque não se trata de ter que “pagar tudo ao mesmo tempo”. Na resposta, António Costa voltou às contas com que andou boa parte do debate e disse que esse valor era apenas relativo ao tempo congelado entre 2011 e 2017 e nem incluía a paragem na progressão entre 2005 e 2007 – todas decididas por executivos PS.

"Por mais faseamento que haja, no fim serão mais 600 milhões de euros por ano”, apontou, ensaiando depois uma argumentação cara à esquerda porque envolve investimento público: “Não são 600 milhões que eu tiro para construir escolas. São 600 milhões de euros todos os anos [para pagar salários]", repete António Costa, que alega também com a necessidade de "tratamento de igualdade em relação a todos os outros servidores do Estado". Explica que os dois anos, nove meses e 18 dias propostos pelo Governo "não foi um número cabalístico” sem justificação: “É o que põe em pé de igualdade todos os funcionários e que correspondem à disponibilidade financeira."

O primeiro-ministro teve que recusar várias vezes a acusação de “chantagem” do ministro Tiago Brandão Rodrigues sobre os sindicatos por causa da proposta do Governo de os professores recuperarem pelo menos 30% do tempo. E empurrou a responsabilidade para o outro lado:  "O ónus de apresentar propostas é só do Governo? Não é chantagem: nós propomos, se não é aceite...", descreveu, dizendo que de Março até hoje os sindicatos não baixaram “uma hora” à sua exigência. "Apresentámos uma proposta que não era só por a funcionar o cronómetro. A resposta que tivemos foi a de intransigência." "O Governo não pode acompanhar essa proposta dos sindicatos por uma razão simples: não temos mais 600 milhões para repor esta exigência salarial. Não temos!"

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