Demissão de Rajoy coloca na ordem do dia a refundação do PP

O Partido Popular não foi apenas afectado pela corrupção. É uma formação envelhecida e que perdeu os eleitores do centro. Ou se renova ou está condenado à irrelevância

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Ao fim de quase 40 anos de militância no PP, Rajoy, 63 anos, ocupou quase todos os cargos possíveis Sergio Perez/REUTERS

Mariano Rajoy encerrou uma era na política espanhola. Afastado do poder pela moção de desconfiança do PSOE, anunciou que abandona a liderança do Partido Popular (PP) após 14 anos na sua liderança. “Chegou o momento de pôr um ponto final nesta etapa. (...) É melhor para o PP e para mim, e creio que também para a Espanha”, disse. Abre-se a fase da sucessão ou da “refundação” de um partido no poder desde 2011 e que se encontra envelhecido e manchado por escândalos de corrupção. Se não se renova arrisca-se a definhar.

Ao fim de quase 40 anos de militância no PP, Rajoy, 63 anos, ocupou quase todos os cargos possíveis, “excepto o de rei”, anota o jornalista Fernando Garea. Vereador e deputado autonómico na Galiza, membro do governo regional, deputado ao Congresso. Nos governos de José Maria Aznar, foi ministro da Administração Pública, da Educação, do Interior, da Presidência, porta-voz do Governo e vice-primeiro-ministro. Em 2003, foi designado por Aznar como seu sucessor.

Os adversários, a começar por Pablo Iglesias, passam a reconhecer as suas qualidades. “É um político elegante e inteligente, com uma grande capacidade de escutar. Foi uma honra ser seu rival e combatê-lo politicamente. Ganhou o meu respeito”, escreve Iglesias num tweet. Os jornalistas que o entrevistavam temiam a sua simpatia.

O seu estilo político era inconfundível. Era um mestre da gestão do tempo e da impassibilidade. A sua máxima era: “Não tomar nenhuma decisão é já uma decisão.” De resto, era opaco e indecifrável. Era a máscara, que agora pode retirar.

Sobreviveu a tudo até que a corrupção tudo submergiu. Na sondagem de Maio da Metroscopia, 86% dos inquiridos, entre eles 63% dos eleitores do PP, pensavam que o tempo de Rajoy já tinha passado.

Apesar de se declarar orgulhoso da herança do seu governo na gestão da crise económica, com o PIB a crescer 3% e uma importante redução do desemprego, a sua liderança estava gravemente enfraquecida. A crise do sistema bipartidário fez emergir o Podemos e o Cidadãos, o que mudou as regras do jogo. A falta de iniciativa na crise catalã agravou o desgaste. Por fim, a sentença do caso Gürtel, em fins de Maio, que acusa o PP de montar esquemas de corrupção, precipitou a queda. Uma “coligação negativa”, de repúdio pelo PP, destituiu o seu governo no dia 1 de Junho. A máxima “é a economia, estúpido” pode ser uma falácia, tanto na Espanha como na América.

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Soraya Saénz de Santa Maria foi durante anos "a mulher mais poderosa de Espanha". Conseguirá impor-se no PP? Susana Vera/REUTERS

A “guerra da sucessão”

A sucessão será decidida num congresso extraordinário em Julho. Um analista de El Diario anuncia a iminência da “III guerra mundial dentro do PP”. O líder desempenhava um papel de árbitro entre facções. Resistiu a “conspirações” utilizando com habilidade as divisões entre adversários. E, até ao congresso, vai manter as rédeas na sua mão para conter as ambições e impedir que o partido se balcanize.

Os três nomes óbvios de que se fala são os de Soraya Sáenz de Santamaria, ex-vice-presidente do governo, Dolores de Cospedal, secretária-geral do PP, e Alberto Nuñez Feijóo, presidente da Junta da Galiza, aquele que passa por ser o “mais moderno”.

Estaria já aberta uma “guerra” entre as rivais Sáenz de Santamaria e Cospedal. A primeira foi durante demasiado tempo a mão direita de Rajoy — “a mulher mais poderosa de Espanha — e poderá pagar por isso. Não há sucessor natural. E, por vezes, há surpresas.

A sucessão não se limita a uma questão de nomes e facções. “Deveriam afrontar um congresso de refundação porque a sigla do Partido Popular está muito tocada”, diz à AFP o politólogo Pablo Simón. “A reputação da sua marca política está associada à corrupção”, frisa um jornal de marketing.

Um partido velho

O PP é um partido enraizado na realidade espanhola e tem demonstrado uma invejável estabilidade eleitoral, nunca descendo abaixo dos 28%. Mas as sondagens são hoje assustadoras. Os problemas são estruturais.

June 5, 2018/ Rajoy se va y deja camino libre para que el PP busque su líder.
Todas las miradas apuntan a Alberto Núñez Feijóo. Otra vez puede haber líder de la oposición fuera del Congreso">

Diagnosticava em 2016 José Juan Toharia, presidente da Metroscopia: “Um eleitorado envelhecido, conservador e que tem nostalgia do seu passado.” Os maiores de 55 anos constituem 60% dos que se declaram votantes do PP. Ora, este grupo etário representa 40% da população. “No eleitorado popular predomina a população economicamente passiva: 40% de reformados e pensionistas, 6% de estudantes e 13% de pessoas com trabalho doméstico.” Estas três categorias somam 55% do voto PP, mas apenas 34% no conjunto da população. Por outro lado, o PP deslocou-se para a direita, abrindo caminho à conquista do centro pelo Cidadãos.

A aposta de Rajoy agora é a “celeridade”, explica El Confidencial. Como não se recandidata, conta ter a máxima legitimidade para ser o pacificador do congresso. Não designará nenhum delfim. Como o PSOE não quer eleições tão cedo, o PP tem uma oportunidade: precisa de tempo para se reorganizar e “limpar” a sua imagem antes da longa série de eleições de 2019.

Depois da derrota, foi Rajoy quem animou as hostes do partido devastado. Observa Garea: “É o único caso na história em que o morto acaba a consolar os que assistem ao funeral.” Será assim o congresso?

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