Das “fake news” às “mad news”: o tempo dos charlatães
Corremos o risco de, face à impotência de reformar a Europa, nos tornarmos reféns dos demagogos e charlatães que tudo prometem e nos arrastam para o abismo
O que diríamos ser impossível pode tornar-se real no curto espaço de uma semana, como aquela que passou – e que talvez não seja equiparável a nenhuma outra em tempos recentes. O facto, porém, é que estávamos prevenidos e vacinados e nada deveria já surpreender-nos, incluindo uma sucessão dos mais improváveis golpes de teatro. Ora, esses não faltaram.
Trump declara uma guerra comercial à Europa, Canadá e México quase ao mesmo tempo que confirma o seu encontro com Kim Jong-Un, anulado poucos dias antes; a dupla populista Liga-5 Estrelas acede finalmente ao poder em Itália depois de uma reviravolta suscitada pelas reservas do Presidente Mattarella ao nome de um ministro eurocéptico na pasta da Economia do Governo Conte (o mesmo ministro foi entretanto deslocado para os Assuntos Europeus…); o Governo do PP cai em Madrid após uma moção de censura promovida pelo PSOE e em seu lugar é investido um Governo socialista minoritário (o mais minoritário de sempre da democracia espanhola) com o apoio de uma constelação de partidos com as orientações mais variadas e contraditórias (incluindo os nacionalistas bascos e os independentistas catalães).
Finalmente, a culminar esta semana em que também víramos a chanceler Merkel em Portugal confraternizando muito amistosamente com António Costa, qual é a notícia com que, na sexta-feira à noite, abrem os telejornais da RTP, SIC e TVI? Pois com o último episódio da telenovela do Sporting, ou seja, as primeiras rescisões de contrato de jogadores e um “golpe de Estado” do ainda seu presidente, dissolvendo a Assembleia-geral do clube. Não temos Trump ou Salvini, no campeonato do populismo mais frenético, mas temos, para já, Bruno de Carvalho. É para ele que correm as televisões.
Passámos das “fake news” às “mad news”? Pelo menos, à falta de um charlatão político recorremos a um charlatão futebolístico como figurante mais apetecível no império de charlatães em que o mundo, pelos vistos, ameaça converter-se. De Trump já nada pode vir que nos surpreenda, mas o inquietante é que se trata do presidente da maior potência do mundo e, não por acaso, o seu sósia mais próximo é o congénere norte-coreano – daí o jogo de atracção cultivado por ambos. Ora as referências internacionais mais queridas dos populistas italianos são precisamente Trump e… Putin.
Entretanto, se o caso espanhol é obviamente diverso, não deixa também de ser sintomático das disfuncionalidades democráticas actuais que a sucessão de um Governo minado pela corrupção como era o de Rajoy seja ocupada por uma solução tão frágil e periclitante como é a de Sanchez (para mais, num momento em que a Espanha se vê agitada por convulsões graves como a da Catalunha).
Já se sabe como Trump chegou ao poder – e o mantém, apesar de tudo o que já se sabe e se adivinha – mas o advento dos seus admiradores italianos é a consequência inevitável da onda populista que atravessa a Europa, tendo como álibi a vaga migratória, a burocracia de Bruxelas e o diktat alemão. António Costa teve razão ao dizer perante a sra. Merkel que “quando não respondemos atempadamente aos factores de crise” surgem fenómenos como o populismo, o nacionalismo e o extremismo. Mas a chanceler está demasiado fragilizada no seu país – onde a extrema-direita parlamentar já equipara o nazismo a uma “caganita” da História … – para poder ouvir as vozes da sensatez e assumir a urgência das reformas de que a União Europeia necessita para sobreviver.
A Europa está hoje perante a “quadratura do círculo” como reconhece a própria Merkel, sendo que ela é a protagonista principal dessa quadratura enquanto corremos todos o risco de, face à impotência de reformar a Europa, nos tornarmos reféns dos demagogos e charlatães que tudo prometem e nos arrastam para o abismo. Para nossa pobre consolação, resta-nos Bruno de Carvalho…