A Grande Barreira de Coral esteve cinco vezes à beira da morte nos últimos 30 mil anos
Pela primeira vez, uma equipa de cientistas reconstituiu a evolução da Grande Barreira de Coral nos últimos 30 mil anos e observou como este ecossistema é mais resiliente do que se pensava.
Nos últimos tempos, temos assistido ao declínio dos corais da Grande Barreira de Coral. Só em 2016, cerca de um terço dos corais nos recifes à superfície morreu. Contudo, a morte deste ecossistema que se estende ao longo de cerca de 2400 quilómetros da costa Leste da Austrália já não é de agora. Num artigo publicado na revista Nature Geoscience, uma equipa internacional de cientistas mostra que, nos últimos 30 mil anos, a Grande Barreira de Coral esteve cinco vezes à beira da morte, revelando assim ter mais resiliência do que se pensava. Mas os cientistas deixam uma questão: será resistente o suficiente para sobreviver ao declínio actual dos seus corais?
Qual a história de vida da Grande Barreira de Coral nos últimos 30 mil anos? É trágica ou pacífica? Para o saberem, os cientistas procuraram a resposta na própria barreira. Através de um sonar subaquático, encontraram sítios no fundo marinho onde os corais do passado cresceram. Depois, fizeram perfurações em 16 locais diferentes entre Cairns e Mackay (no centro deste ecossistema) e extraíram cilindros de rochas que continham fósseis de corais e sedimentos depositados nos últimos 30 mil anos.
Estas amostras indicam que os dois primeiros fenómenos de morte durante esse período aconteceram há 30 mil e 22 mil anos. Como o nível do mar diminuiu, os recifes de coral ficaram expostos ao ar. “O estudo cobre o período antes do Último Máximo Glacial, há cerca de 20 mil anos, quando o nível do mar estava 118 metros abaixo dos níveis actuais [e a água ficou retida em grandes calotas de gelo]”, realça-se num comunicado da Universidade de Sydney (Austrália). Para sobreviverem, os recifes de coral avançaram em direcção ao mar.
No período a seguir ao Último Máximo Glacial, houve um degelo e o nível do mar subiu rapidamente. Como tal, a Grande Barreira esteve a morrer três vezes: há 17 mil anos, 13 mil anos e há dez mil anos. A barreira acabou por resistir porque os corais se movimentaram, nestes casos, em direcção a terra. “[O fenómeno há dez mil anos] parece estar associado a um grande aumento dos sedimentos e à má qualidade da água ao mesmo tempo que havia um aumento generalizado do nível da água do mar”, lê-se no comunicado.
“O nosso estudo mostra que os recifes foram capazes de recuperar de mortes no passado durante a última glaciação e degelo”, resume Jody Webster, geólogo marinho da Universidade de Sydney e líder do estudo, acrescentando ao site da revista Science que não consegue indicar quão extensos foram os fenómenos de morte na barreira. “Não perfurámos e tirámos amostras de tudo.”
Os cientistas salientam ainda que este ecossistema se reestabeleceu por si só ao longo do tempo devido à capacidade de migração da barreira ora em direcção ao mar ora em direcção à terra entre 0,2 e 1,5 metros por ano. Para se reestabelecer totalmente, a barreira levou entre centenas e milhares de anos.
Uma lição actual?
“[Este estudo] retém algumas lições realmente importantes”, disse também à Science Kim Cobb, paleoclimatóloga do Instituto de Tecnologia da Georgia (EUA) e que não participou no estudo, sobre a resiliência da Grande Barreira e a sua rápida recuperação. Poderá ser esta uma lição para a actual situação?
“[As mortes do passado são semelhantes] ao que estamos a ver agora na Grande Barreira de Coral”, considera ainda Mark Eakin, ecologista na agência dos oceanos e da atmosfera dos EUA (NOAA) e que não participou no trabalho, também citado pela Science. Mas frisa uma diferença: “Actualmente, o nível do mar não é um grande problema, são as temperaturas: as ondas de calor desencadearam branqueamentos em massa, períodos em que os corais stressados pelo calor expulsam as algas com quem vivem em simbiose [e acabam por ficar esbranquiçados].”
Sabe-se desde os anos 80 que a Grande Barreira de Coral enfrenta branqueamentos que deixam os corais desnutridos, o que pode levá-los à morte. Desde então já se observaram quatro branqueamentos em massa: em 1998, 2002, 2016 e em 2017. O branqueamento de 2016 é considerado um dos mais mortíferos e só na zona Norte matou 67% dos corais. O maior responsável foi uma grande onda de calor causada, sobretudo, pelas alterações climáticas e pelo El Niño, um fenómeno de transporte de uma massa de água quente desde a Austrália até às costas da América do Sul, por altura do Natal. As temperaturas superficiais da água atingiram assim valores recorde.
Contudo, Jody Webster não se mostra optimista quanto à recuperação da Grande Barreira. “Tenho sérias preocupações sobre a capacidade da barreira, na sua actual situação, conseguir sobreviver às mudanças causadas por muitos stresses”, considera. “O nosso estudo mostra que para responder às mudanças do nível do mar, a barreira era particularmente sensível aos fluxos de sedimentos no passado. Isso significa que, agora, precisamos de perceber como as práticas da indústria primária afectam a entrada de sedimentos e a qualidade de água na barreira.” E no artigo científico salienta-se mesmo: “Os nossos resultados dão-nos poucas provas sobre a resiliência da Grande Barreira de Coral durante as próximas décadas.”
Mark Eakin frisa ainda que este estudo nos lembra como a situação actual pode ser dramática. “Não esperem que os recifes sejam capazes de recuperar outra vez tão depressa”, avisa. Como tal, fica a questão: a Grande Barreira de Coral conseguirá ser suficientemente forte para sobreviver à morte actual dos seus corais?