Repensar o jornalismo para lhe dar mais confiança
Encontrar soluções para a falta de confiança nos media tem sido um dos tópicos da GEN Summit que esta sexta-feira termina no Pátio da Galé, em Lisboa. As questões da verdade e da confiança no jornalismo dominaram as conversas entre 800 profissionais ao longo dos três dias da conferência.
Jimmy Wales, o fundador da Wikipedia e da Wikitribune, um site de notícias sem fins lucrativos criado em Outubro que junta jornalistas profissionais e voluntários que revêm, pesquisam, verificam factos e sugerem mudanças, e Ed Williams, antigo director de comunicação da BBC e da Reuters, estiveram esta sexta-feira de manhã no gigantesco palco do Pátio da Galé, em Lisboa, onde está a decorrer a GEN Summit, a conferência da Global Editors Network que reúne 750 profissionais da informação de todo o mundo.
O tema em discussão era a confiança no jornalismo e por que é que dizer aos leitores que confiem em nós não é suficiente para estancar esse declínio, para convencer o público de que as notícias não são demasiado deprimentes ou tendenciosas e que os jornalistas não têm “uma agenda escondida”.
Um dos problemas que o jornalismo enfrenta há vários anos é o da crise financeira. “Precisamos de encontrar uma maneira de baixar os custos do jornalismo. Arranjar formas de colaborar com o público e de o envolver no processo de criação” das notícias e na investigação, defendeu Jimmy Wales, admitindo também que o seu site pede doações ao público e que isso não tem resultado como gostariam.
Esse envolvimento do público nos media não pode ser só para trazer mais pageviews ou achar-se que se coloca uma notícia online escrita por um jornalista e que as caixas de comentários se vão encher de comentários desagradáveis, mas trata-se verdadeiramente de envolver essas pessoas com valor para melhorar o conteúdo noticioso e levá-los a fazerem parte do processo.
Ed Williams, que actualmente faz parte da empresa de consultadoria Edelman, explicou que nos últimos seis anos verificaram um grande declínio na confiança na indústria dos media, mas alertou para o facto de no último ano se estar a verificar um desvio entre o que as pessoas pensam das organizações tradicionais de jornalismo e o que pensam das outras plataformas e das redes sociais.
Quando se pergunta às pessoas se confiam nos media, elas pensam em todas as fontes de informação a que têm acesso, nomeadamente as plataformas online, a televisão, a rádio e os jornais. No entanto, o importante aqui é que parece estar a aumentar a confiança nos media tradicionais em comparação com a confiança nas redes sociais e nas outras plataformas, como o Google, o YouTube, etc. O que pode trazer alguma esperança.
Combate à desinformação
Durante muito tempo, os jornalistas acreditaram que o jornalismo falava por si próprio. Mas os tempos são outros. Numa época de desinformação, manipulação e propaganda isso não basta e um grande esforço tem sido feito para se lutar contra as notícias fabricadas investindo em ferramentas que consigam restabelecer o rigor da informação e a confiança entre o legado dos media e o público.
“Intriga-me” que os jornalistas nunca tenham achado que construírem confiança e lutarem pela literacia nos media “fazia parte da sua missão”, disse na quinta-feira, no mesmo palco, Dan Gillmor, professor de literacia em media digitais da Universidade do Arizona.
Nestes tempos conturbados, os jornalistas precisam de explicar aos seus leitores porque fazem as coisas que fazem e têm que explicar quem são, a ética que os rege e até convidar as suas audiências a participarem nesse processo para que o nível de confiança nos media aumente. O cepticismo e a avaliação são necessários não só para que se perceba o que é o jornalismo, mas também para que se combatam as notícias falsas e a desinformação. “Os jornalistas podem ser os professores primordiais quando se trata da literacia dos media”, acredita o autor do livro We The Media: Grassroots Journalism by the People, for The People (2004).
Dan Gillmor considera que o termo “fake news” deve ser evitado, pois é um termo armadilhado criado por quem está contra o jornalismo e por pessoas que usam a mentira para atingir os seus fins. O termo “falso” nunca deveria ter sido associado às “notícias” e “vai ser uma longa luta” ensinar as pessoas a discernirem o que é a informação exacta de tudo o resto.
Aaron Sharockman, o director executivo do Politifact, a maior organização de verificação de factos dos Estados Unidos, que participou juntamente com Dan Gillmor no painel onde se discutiu como se pode perceber e combater a desinformação, deu o exemplo do uso de fontes anónimas. “Nos Estados Unidos, hoje em dia, os jornalistas, principalmente na área da política, adoram usar fontes não identificadas, principalmente os jornalistas de política em Washington. Quantas vezes é que ao usar fontes anónimas acrescentamos algum valor com isso?”, questionou. Para que o jornalismo se distinga de outros operadores, os jornalistas “têm de dizer o que sabem e o que não sabem” e explicar como chegaram às informações que obtiveram durante as suas investigações.
Jimmy Wales também reforçou este aspecto das fontes anónimas. Considera que é necessária mais transparência e que muitas vezes os jornalistas usam a expressão “de acordo com um especialista”. “Mas que especialista?”, perguntou Jimmy Wales. “O vosso cunhado?”
Já num painel anterior intitulado Ganhar a guerra no Jornalismo, o presidente e editor da agência Reuters, Stephen Adler, também tinha defendido que os jornalistas só ganham esta guerra se forem mais factuais e se forem mais transparentes na forma como trabalham, explicando as técnicas e as ferramentas que usam.
“A verificação dos factos não tem tido efeito na mudança de opinião sobre o que se está a passar no jornalismo. Isso não quer dizer que não seja importante ser factual. A nossa perspectiva é cobrir os acontecimentos que têm importância e fazê-lo bem”, disse Adler. “Os jornalistas não falam o suficiente sobre o que fazem mal. O jornalismo é o primeiro rascunho da História, e a primeira versão da História tem normalmente erros.”
Para Ed Williams, uma das causas da diminuição da confiança do público nos media é a ideia de que as organizações de notícias querem ganhar audiências a todo o custo, a ideia que se generalizou de que “é melhor ser o primeiro a dar a notícia do que ser exacto” e ainda a percepção pública de que as organizações de notícias colocam a ideologia à frente da necessidade de informar. “Se os media conseguirem mostrar que o seu objectivo primordial é informar, vamos estar no bom caminho”, defendeu.
Matt Kelly, do The New European, que moderava a sessão sobre a confiança, fez uma última questão a Ed Williams e a Jimmy Wales: o que deve o jornalismo significar hoje em dia? Para o primeiro, o jornalismo deve representar a “verdade objectiva”, para o segundo “factos, os factos importam”, disse.
“A coluna vertebral do jornalismo é a verdade objectiva e a comunicação dos factos. Um jornalista profissional tem de ter a certeza que as suas fontes são correctas, que houve uma verificação dos factos e que há um equilíbrio entre aquilo que lhe disseram e que ele apurou”, concluiu Ed Williams.
Para Jimmy Wale, não há uma tensão entre factos e entretenimento, porque os factos podem ser interessantes e lúdicos. “Quando falo de factos não considero que todos os jornais têm de ser completamente neutros, eu quero ler um jornal que seja neutro, que me dê factos e fontes neutras, mas também quero ler um jornal como o The New European [que foi criado em 2016 depois do referendo do "Brexit"] porque quero ler o que pessoas interessantes pensam sobre o assunto.”
Financiamento e independência
Uma das novidades desta conferência que reúne profissionais dos media foi a divulgação das conclusões do estudo que a equipa do Tow Center for Digital Journalism da universidade norte-americana Columbia Journalism School fez sobre a relação entre as plataformas tecnológicas e o jornalismo durante os últimos dois anos. A fundadora e directora deste centro, Emily Bell, explicou que estudaram mais de mil redacções dos Estados Unidos e Canadá.
Quando foi perguntado a esses jornalistas se consideravam que as redacções tinham mudado os seus processos de produção em resposta ao crescimento das plataformas das redes sociais, 41% dos inquiridos respondeu que as redacções tinham feito grandes mudanças na forma como produziam as notícias, mas 42% consideraram que as mudanças feitas tinham sido mínimas.
Sobre se as redes sociais como o Facebook tinham fortalecido a relação dos media com a sua audiência ou se a tinham enfraquecido, 50% considerou que tinha aumentado. Mas, ao mesmo tempo, 86% dos inquiridos consideraram que as plataformas de redes sociais tinham contribuído para o decréscimo da confiança no jornalismo.
O que surpreendeu os investigadores é que uma grande parte dos jornalistas que responderam ao inquérito consideram também que as plataformas das redes sociais deviam ser mais responsabilizadas para financiarem jornalismo de qualidade. Emily Bell alertou para o facto de estas plataformas, como o Google, Facebook, Apple News ou Twitter, estarem a mudar a sua estratégia e a investir directamente nos media. Mas, ao mesmo tempo, estas empresas são muito mais poderosas do que as organizações de media tradicionais e estão envolvidas em várias áreas da sociedade civil. Deu o exemplo da Google, que está a investir nas organizações de media locais, em que muitas vezes o seu financiamento serve para se contratarem jornalistas.
“E como se sentirão estas organizações quando os seus jornalistas tiverem de investigar, por exemplo, os contratos que a Google fez com as escolas locais, com câmaras municipais ou com hospitais?” Este é um velho tema, mas central, na discussão sobre o futuro do jornalismo: o do equilíbrio entre o financiamento e a independência.