Merkel em Portugal: seis anos depois, o bom aluno já é um exemplo na Europa
A chanceler alemã, Angela Merkel, encontra um país muito diferente do que na sua última visita, em 2012. Foi então recebida por protestos, mas deixou elogios. Desta vez não haverá manifestações contra Berlim mas os elogios alemães devem manter-se.
Que diferença fizeram alguns anos. Quando, em Novembro de 2012, a chanceler alemã visitou Lisboa – encontrando-se com o Presidente, Cavaco Silva, e o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho – houve protestos, planeados e espontâneos, e fortes críticas da oposição à abordagem da Alemanha à crise do euro: o PS pedia “conciliação da disciplina orçamental com o crescimento económico”, o Bloco de Esquerda que Angela Merkel “pusesse um pé na realidade” por dizer que Portugal não precisava de mais tempo nem mais dinheiro, o PCP que a Alemanha “não tratasse Portugal como uma empresa”, já que se trata de um país e com história.
É num ambiente totalmente diferente que decorre a visita de 2018: Angela Merkel passa dois dias em Portugal e o clima de tensão dissipou-se. Do ponto de vista da Alemanha, Portugal era, na altura, um bom aluno com futuro incerto, hoje é o exemplo que de que as reformas funcionam.
O que mudou foi a situação portuguesa e não a abordagem alemã à crise, sublinha António Costa Pinto, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, ao PÚBLICO. “Portugal é visto como um caso de sucesso, e a chanceler deverá reforçar [durante a visita] que este sucesso se deve à boa implementação das regras da UE”, diz.
O professor de Ciência Política aponta “três níveis de ironia” na situação portuguesa neste contexto: “Ter um Governo estável, o que não era garantido quando tomou posse; ter um Governo socialista, coisa rara na Europa; e ter um Governo que não só cumpre as regras da UE mas que tem mesmo o ministro das Finanças na chefia do Eurogrupo.”
Mas Costa Pinto sublinha a importância da continuidade no caso português: uma coligação de centro-direita que aplicou um programa de austeridade sem haver reflexos na estabilidade política, e uma rotação política em que o centro-esquerda não fez nenhum desafio à política económica (Mário Centeno poderia ser, comenta divertido, um anti-Varoufakis, o ministro grego das Finanças).
Portanto, visto da Alemanha, Portugal é o exemplo de que as reformas resultam. “A política alemã em relação à economia e ao euro não mudou um milímetro”, sublinha Costa Pinto.
Questionado sobre a diferença entre os dois momentos de visita da chanceler alemã, o eurodeputado do PCP João Ferreira diz, numa mensagem por email, que “entre 2012 e 2018, o que mudou na UE não foi para melhor”: o caminho que está a ser seguido é, defende, ainda o mesmo que “pretende eternizar as políticas que deram forma aos memorandos da troika” e que causaram em países como Portugal “uma situação de devastação económica e social”.
Em Portugal houve recuperação, mas “para ir mais longe e enfrentar problemas” que se mantêm, ou mesmo agravam, é preciso pôr em causa “de forma corajosa” alguns aspectos fundamentais das políticas da UE, diz João Ferreira. Estes são “os constrangimentos associados ao Euro e às regras da União Económica e Monetária, e um orçamento e políticas comuns prejudiciais para países como Portugal”, conclui.
Mas outra coisa, aponta agora Costa Pinto, mudou também: a conjuntura europeia. Itália traz uma ameaça de desequilíbrio, e com a iminência do "Brexit", a Alemanha, que já era a potência mais poderosa da União Europeia, é agora uma verdadeira superpotência "sem contrapontos", diz.
A autoria do programa
Na visita de 2012, Angela Merkel fez uma mudança no discurso em relação aos países mais endividados no início da crise, falando não só da sua responsabilidade mas referindo também os esforços e sacrifícios no cumprimento do programa.
A visita ficou então marcada por uma afirmação de Merkel quanto à autoria do programa português: este não é “de autoria alemã, mas sim das instituições [a Comissão Europeia e Banco Central Europeu] com a participação do FMI [Fundo Monetário Internacional]”, que foi incluído por ser importante “para voltar a ganhar a credibilidade dos investidores”. Já então o FMI defendia um abrandamento da austeridade.
Em Portugal, Merkel deixou elogios ao ritmo do cumprimento do programa português – “está a ser cumprido de forma excelente” – e rejeitou que a austeridade fosse um fim em si mesmo – “trata-se apenas de não acumular dívidas para gerações futuras”.
Passos sublinhou, pelo seu lado, a responsabilidade do próprio país no estado da economia: “Não culpamos os nossos parceiros europeus pela nossa situação. Foi a falta de competitividade da nossa economia que nos trouxe à situação de insustentabilidade da dívida pública”, disse então Passos, agradecendo a Merkel a “ajuda”.
Ao lado de Merkel, a uma questão de um jornalista alemão sobre os protestos e cartazes com referências ao poder alemão e mesmo ao regime nazi, foi Passos o primeiro a responder: “Também tenho visto os cartazes, e normalmente também venho retratado neles. Isso não me irrita nada nem me causa nenhum sentimento de injustiça”, garantiu. “Os Governos e os políticos também pagam um preço pelas decisões que têm de tomar e eu nunca lastimarei o preço que tiver de pagar para que Portugal saia da crise.”