O lápis azul do SNS

O SNS tem rapidamente de se livrar desta visão destruidora. É um imperativo inverter esta visão exclusivamente empresarial da Saúde.

O Hospital de Viseu vive uma situação dramática com graves implicações para os cuidados de saúde e, consequentemente, para os doentes. Infelizmente, não deixa de ser um exemplo paradigmático do “SNS mínimo” que está a tornar-se ‘a marca’ dos hospitais e dos cuidados de saúde primários.

Num ato de enorme coragem e profunda responsabilidade, os diretores de serviço do Centro Hospitalar de Tondela-Viseu (CHTV), num derradeiro apelo ao bom senso do Conselho de Administração, decidiram suspender as suas funções enquanto não for devolvida a missão para a qual este hospital foi criado: tratar os doentes com a melhor qualidade possível, permitir que todos possam ter acesso aos cuidados de saúde e desenvolver continuamente a melhoria da atividade hospitalar.

Este hospital enfrenta as mesmas dificuldades sentidas em todos os hospitais do Serviço Nacional de Saúde: carência de recursos humanos (nalguns casos, por falta ou atrasos incompreensíveis nas contratações); equipamentos obsoletos (pondo em risco a segurança dos profissionais e dos doentes); e conselhos de administração desprovidos de uma verdadeira visão clínica. Mais grave ainda: os profissionais do CHTV têm de enfrentar a censura de um dos membros do Conselho de Administração, sem qualquer sensibilidade ou competência clínica, que continuamente interfere com questões de ordem técnica e comanda o hospital através de uma folha de Excel no âmbito da qual os aspetos economicistas substituem os aspetos clínicos.

O SNS tem rapidamente de se livrar desta visão destruidora. Tudo isto só nos conduzirá a uma morte lenta do Serviço Nacional de Saúde, sem defesa e sem apelo, perante um país mergulhado numa surpreendente apatia. É um imperativo inverter esta visão exclusivamente empresarial da Saúde.

A título de exemplo, neste hospital será impossível tratar mais doentes oncológicos a partir de junho por falta de profissionais bem como de condições técnicas e espaço físico adequado. Mensalmente, uma centena de cirurgias são encaminhadas para outras unidades hospitalares porque, alegadamente, não são “rentáveis” no CHTV... Chegámos ao grau zero da decência!

Recentemente, têm aparecido nos conselhos de administração dos hospitais autênticos ‘homens do Excel’ – despudorados e desprovidos de sensibilidade – cujo papel é, essencialmente, tomar decisões em benefício sistemático de uma visão miserabilista da Saúde. Não conhecem os problemas dos doentes, nem as dificuldades dos profissionais de saúde. Só conhecem as suas modernas calculadoras e os seus lápis censuradores.

Houve um tempo em que o papel do Diretor Clínico era valorizado. Houve um tempo em que era uma função desprovida de qualquer influência externa ao interesse dos doentes, através de uma eleição direta pelos seus pares. Hoje, a nomeação política está a destruir a essência deste cargo fundamental. Em nome da sua qualidade e da defesa dos doentes, o SNS não pode ser pintado com lápis azul. Nunca!

Sugerir correcção
Comentar