Posso responder pelo Interior?
Senhor primeiro-ministro, responda ao Interior com políticas efectivas, concretas, dimensionadas, reformistas e radicais.
Não, claro que não posso. Mas suponho que posso e devo ajudar a responder a questões entretanto levantadas sobre os regimes fiscais, algumas não têm pés nem cabeça, algumas são fantasmas, quase todas denotam um certo apriorismo sobre o Interior. Contribuí para a política fiscal que é um dos três eixos que o Movimento pelo Interior apresentou no passado dia 18, numa sessão em que, coisa rara, marcaram presença e falaram os primeiros titulares dos três órgãos de soberania, Presidente da República, Assembleia da República e Governo. Todos abraçaram a causa do Movimento, o abraço de cada um deles tem diferente valor, naturalmente, porque diferente é o poder sequencial de cada um. Foi um momento de grande dignidade. Mas o Interior precisa de muito mais do que gestos de dignidade.
O relatório do Movimento está em www.movimentopelointerior.org. As 24 propostas são condições necessárias, não são a condição suficiente do Interior, ainda que a boa conjugação das primeiras, todas juntas, possa propiciar a segunda.
A definição legal, exaustiva e nominativa, do Interior de Portugal continental consta de um importante diploma, a portaria 208/2017. A portaria articula-se com o Programa Nacional para a Coesão Territorial, desde 2016, cujas afinidades com o Movimento saúdo. A noção de Interior assenta em análises multi-critérios e tem a participação da Associação Nacional de Municípios, o que, no caso, adquire especial significado. O Interior abarca 165 municípios completos, mais 73 freguesias pertencentes a outros concelhos. Exclui uns poucos territórios das Beiras e inclui vários territórios perto da linha do mar, por vezes costeiros, pelo que as palavras Interior e Litoral perdem parte do seu sentido corrente.
O Interior está contra o Litoral?
O Movimento responde não, nem uma coisa nem outra, nem o Litoral está contra o Interior, nem o Interior está contra o Litoral. Todavia, se aceitarmos ouvir um ministro dizer esta coisa espantosa: não deve a política fiscal beneficiar o Interior à custa do Litoral, não podemos pôr os portugueses do Litoral contra os do Interior..., também teremos o direito de dizer o simétrico, dizer que o vigente sistema de benefícios fiscais, como está, põe o Interior contra o Litoral porque acentua a desigualdade das duas realidades; intrinsecamente, favorece as forças do Litoral e desfavorece as fraquezas do Interior.
Beneficiar o Interior à custa do Litoral? Como é possível dizê-lo?
Talvez na mesma senda, o mísero cúmulo ocorreu quando uma profissional usou um termo inaceitável, deselegante, tendencioso, porém muito expressivo porque porventura denuncia alguns bastidores. Escreveu que “o Movimento pelo Interior quer roubar (o regime contratual de investimento) ao Litoral”, em artigo abastecido de gráficos e estatísticas que, por sua vez, também causaram estranheza no Movimento, porque os dados não parecem bater certo, nem a fonte citada está assim tanto à mão de semear. Roubar? Como é possível dizê-lo?
A manter-se a tendência, diz o Movimento, no Litoral a qualidade de vida deteriorar-se-á e não haverá finanças que cheguem para criar infra-estruturas, no Interior a diminuição da população será o maior sinal de pobreza.
Julgávamos que os recursos orçamentais eram escassos. Mas não, pelos vistos, o Estado tem orçamento que chegue e sobre, para continuar a dar benefícios fiscais a todos e criar benefícios adicionais para o Interior. Pensávamos que as nossas sete sugestões fiscais do Interior, ao implicar perda de receita do Estado, deveriam ser compensadas com o corte, de futuro, de benefícios fiscais noutros lados. Era um pensamento redistributivo, uma espécie de recomposição fiscal, uma aproximação à equidade, que aprendemos na teoria e na prática das finanças públicas, e era também uma preocupação pelo défice orçamental.
Não passa pela inteligência de ninguém que essa do “Interior à custa do Litoral” seja eleitoralismo, até porque, dir-se-á, quase todas as nossas sugestões fiscais respeitam ao IRC e às empresas, e estas não votam. Mas, se não é eleitoralismo, o que é? A esmagadora maioria dos eleitores reside onde?
O Interior afugenta investimentos?
Dizem que jamais teria havido Autoeuropa com estas sugestões exclusivas do Interior. Esquecem que a Autoeuropa começou precisamente no Interior de então. O caso da Autoeuropa, se é paradigmático, é-o a favor das nossas sugestões. Se hoje Palmela não é Interior, deve-o justamente e em grande parte ao pioneiro e específico “contrato de investimento” da Autoeuropa.
Evocaram, mal, o notável exemplo da Autoeuropa? Como é possível fazê-lo?
Podemos dizer, sem populismos, que se o regime contratual fosse exclusivo do Interior desde a sua criação, em 2003, talvez o despovoamento do Interior não fosse o que é; e talvez, terrível dúvida esta, as tragédias de Junho e Outubro de 2017 não tivessem ocorrido.
Dizem que o Interior não interessa a muitos dos investidores. Com regimes exclusivos do Interior, há quem diga que grandes investimentos optarão por outros países. Esta asserção assenta na ignorância do que é legalmente o Interior, perfeitamente definido que está em Diário da República, foi o actual Governo quem o fez. Se o investidor preferir mais Litoral, pois terá muito por onde escolher nos territórios do “Interior-litoral”. É muito pouco plausível que um novo investimento, nacional ou estrangeiro, não encontre um sítio onde se instalar no Interior, noção legal, quando se sabe que o Interior ocupa a maior parte do território continental e chega a ser um vulgar Litoral, tudo ou quase tudo ligado às maiores cidades por boas auto-estradas.
Ignoram o que, para o efeito, é o Interior? E falam sem saber do que falam? Como é possível?
Além disso, dizem que a exclusividade do Interior provoca rigidez num mundo em céleres mudanças da economia digital, robotização, etc., em que Portugal precisa de preservar flexibilidades. É uma falácia um pouco etérea contra o Interior, ponto final. Por ex., os regimes contratuais exclusivos poderão apoiar investimentos em fábricas já existentes no Litoral-litoral. E aqui poderão apoiar os novos investimentos que sejam “inerentemente incompatíveis com o Interior”, por ex., indústria naval, produtos do mar, etc. O Interior tem muito do Minho litoral, da Beira litoral, da Estremadura, da costa alentejana, etc., e o “Interior-interior” tem uma valiosa rede de universidades e politécnicos.
O Interior causa rigidez? Como é possível dizê-lo?
O Interior dá votos?
Não, o Interior não dá votos que se vejam.
Perante uma nova política, a caricatura é esta. O economista pergunta: isso vale quantos pontos do PIB? O político pergunta: isso vale quantos votos? É evidente que o Interior conta pouco, cada vez menos, nestas pequeninas aritméticas do PIB e dos votos. Talvez isso explique a longuíssima, imperdoável, falha do reformador no que ao Interior diz respeito, em algumas das suas vertentes. Mas a maior de todas as razões chama-se centralismo. O centralismo só sente verdadeiramente o Interior quando há tragédias, é deplorável dizê-lo, mas é muito assim.
O Movimento levou 24 propostas concretas a Lisboa, escutou um extenso discurso sobre o que o Governo já fez, recebeu a surpresa e a cortesia de um IRC zero, não proposto nem esperado. Quando a esmola é grande, o pobre desconfia. O IRC zero no Interior foi realmente ponderado pelo Movimento e foi afastado, porque o nosso radicalismo se autolimitou. Por alguma razão, em alternativa, a sugestão consistiu em generalizar o vigente IRC 12,5% a todas as empresas do Interior, independentemente da dimensão da empresa e da matéria colectável.
O primeiro-ministro anunciou a possibilidade de IRC zero em certas condições, não disse quais, associadas à criação de emprego. Lamento, mas vejo três problemas, o das condições de acesso, o da análise económica, o da UE. Quanto às condições, pergunto se o Governo vai repetir a insignificância prática do IRC 12,5% do Interior, ora vigente. Quanto ao problema económico de fundo, pergunto se a racionalidade e a boa teoria económica se compaginam com um IRC zero, quando o IRC geral tem taxa muito acima de zero. Quanto à UE, pergunto se as objecções da Comissão não serão tanto maiores quanto mais de zero se aproximar o IRC.
O Movimento pelo Interior, informal, inorgânico, passageiro, pro bono, deixa memória, fez em seis meses um corajoso legado escrito, as pessoas do Movimento não renegam ideias nem responsabilidades e o Interior tem cansadas mas justas expectativas. Peço desculpa se ouso dizer o que não devo. Senhor primeiro-ministro, responda-lhes, responda ao Interior com políticas efectivas, concretas, dimensionadas, reformistas e radicais, isso, tal e qual, radicais, como as 24 propostas do Movimento, não como muitas medidas que, sem desprimor e com todo o respeito, pelo Interior proliferam, por favor não lhes mande comendas nem louvores, nem menospreze o Interior, não permita que o seu Governo atire areia aos olhos do Interior nem faça demagogia com o Interior.