Gene ligado às enxaquecas ajudou-nos a resistir ao frio

Duas equipas diferentes de investigadores desvendaram mais pormenores sobre a enxaqueca. Houve surpresas nos dois trabalhos, um deles foi o maior estudo genético em famílias sobre este problema de saúde.

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Quem tem enxaquecas sabe bem como é ter dores de cabeça crónicas e até incapacitantes. E digamos que uma boa parte da população mundial já sentiu essas dores: só nos países desenvolvidos, este problema afecta entre 15% e 20% dos adultos. Outros dados indicam que também está muito presente nos indivíduos com ascendência europeia e pode ser hereditária. Agora, duas equipas de cientistas descobriram mais detalhes sobre as enxaquecas. Uma percebeu que uma variante genética ligada à enxaqueca terá ajudado os humanos modernos a adaptarem-se ao frio nos climas nórdicos. Já a outra equipa fez o maior estudo genético em famílias sobre as enxaquecas, concluindo que para este problema há um grande contributo de variantes genéticas comuns.

Há cerca de 50 mil anos os humanos modernos (a nossa espécie) saiam de África. Alguns iriam assim deixar os climas quentes para se adaptarem a climas mais frios da Ásia, da Europa e de outras partes do mundo. “Esta colonização poderá ter sido acompanhada por adaptações genéticas que ajudaram os primeiros humanos [modernos] a reagir aos climas frios”, começa por dizer Aida Andres, do Instituto Max Planck para a Antropologia Evolutiva (Alemanha) e a supervisora do estudo publicado na revista PLOS Genetics.

Para perceberem como os humanos se terão adaptado aos climas frios, esta equipa analisou em detalhe o gene TRPM8, que codifica o único receptor conhecido que permite que uma pessoa detecte e responda a temperaturas mais altas. A equipa descobriu que uma variante genética desse gene que está ligada às enxaquecas se tornou cada vez mais comum nas populações que viviam nas latitudes mais altas e nos climas mais frios nos últimos 26 mil anos.

Para tal, verificou-se que havia uma grande diferença na variabilidade genética entre pessoas com ancestralidade nos climas mais quentes e nos mais frios: enquanto apenas 5% dos indivíduos com ancestralidade nigeriana apresentava essa variante, 88% pessoas com ancestralidade finlandesa tinha a variante. “Por exemplo, a temperatura média anual é de 28 graus Celsius na Nigéria e de apenas 6 graus na Finlândia, com diferenças mais acentuadas entre Dezembro e Fevereiro”, destaca-se no artigo científico.

“Pensamos que [a variante do TRPM8] foi vantajosa em ambientes frios que surgiram em África antes da migração Out of Africa e está presente em todas as populações que estudámos”, indica Aida Andres ao PÚBLICO. “Mas pensamos também que foi neutra nessa altura. Estimamos que essa variante começou a ser adaptativa há cerca de 26 mil anos (mas o intervalo de confiança para esta estimativa é muito grande) em populações fora de África.”

Embora estes resultados nos ajudem a compreender melhor a adaptação humana aos climas frios, Aida Andres diz que não contribuirá para a melhoria de terapias ou novos tratamentos para a enxaqueca. “O que fizemos agora foi explicar por que é que esta variante está tão presente nas populações do Norte”, reforça.

Três genes versus um batalhão deles

Já num estudo publicado na revista científica Neuron, outra equipa de cientistas quis saber por que é que há famílias que são mais susceptíveis à enxaqueca e que influência tem a genética nisso. “Durante muito tempo, temos questionado o porquê de doenças (como a enxaqueca) serem comuns nas famílias”, refere Aarno Palotie, do Instituto de Medicina Molecular (Finlândia) e um dos autores do artigo, num comunicado do grupo Cell Press, que edita a Neuron.

Estudos anteriores já tinham identificado dois tipos de enxaquecas presentes nas famílias. Num desses tipos (que é bem forte) identificaram-se três genes que passam dos progenitores para os filhos (o CACNA1A, o ATP1A2 e o SCN1A), que são genes mendelianos ligados à enxaqueca. No outro tipo, viu-se que um conjunto de variantes genéticas comuns tem influência na doença. A equipa queria perceber então se eram apenas os três genes mendelianos ou o conjunto mais alargado de variantes genéticas que tinham um maior contributo na herança da enxaqueca nas famílias.

Para isso, testaram a influência dos três genes mendelianos ligados à enxaqueca e do conjunto de variantes genéticas. Usaram os registos clínicos e genéticos de 1589 famílias (que abrangiam 8319 indivíduos) afectadas pela enxaqueca. E compararam esta amostra com uma outra maior que tinha, no total, 14.470 pessoas, incluindo 1101 que sofriam enxaquecas.

Vieram a concluir que o conjunto de variantes genéticas espalhadas pelo genoma tinha um maior contributo nas enxaquecas nas famílias do que os tais três genes. “Os indivíduos com uma grande carga genética de variantes genéticas comuns têm, provavelmente, enxaquecas mais fortes e também terão enxaquecas mais cedo na sua vida”, explica ao PÚBLICO Padhraig Gormley, da Faculdade de Medicina de Harvard (EUA) e o autor principal deste estudo.

E pode dizer-se que os resultados deste estudo surpreenderam os cientistas: “Quando começámos o estudo, esperávamos descobrir novas variantes genéticas raras [como os três genes mendelianos ligados à enxaqueca] que contribuíssem para os tipos de enxaquecas na família”, indica Padhraig Gormley. “Mas, no final, descobrimos exactamente o oposto: há uma componente mais forte das variantes genéticas comuns.”

De acordo com os cientistas, estes resultados também não contribuirão (ainda) para o desenvolvimento de novos medicamentos. “O foco deste estudo foi esclarecer a arquitectura genética da enxaqueca e das doenças complexas em geral, e não o de detectar genes individuais que possam ser alvo de medicamentos”, diz-nos Padhraig Gormley. Para o desenvolvimento de novos medicamentos no futuro, a equipa irá realizar estudos ainda maiores para identificar mais variantes genéticas comuns, assim como mais genes mendelianos ligados à enxaqueca. Só assim se conseguirá perceber como esses genes têm impacto nas enxaquecas. Tudo isto para que tenhamos menos dores de cabeça.  

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