Chumbada a eutanásia, o PSD respira de alívio e a esquerda olha para 2019
Projecto do PS foi rejeitado com a diferença de cinco votos – incluindo a surpresa de Miranda Calha. Partidos prometeram voltar ao assunto em breve, mas o cenário ideal é o início da próxima legislatura.
Votos com sentido inesperado no PS e menos votos a favor do que o expectável no PSD levaram ao chumbo dos quatro projectos de lei que propunham legalizar a eutanásia. Apontado nos últimos dias como o partido que poderia viabilizar esta proposta, o PSD respirou de alívio. O desfecho era imprevisível e a tarde acabou com a esquerda em silêncio e a direita em pé, a aplaudir a morte da eutanásia. Para já, porque os partidos prometeram voltar ao tema mas irão todos avaliar as “condições”.
Num debate “sereno” e que decorreu de “forma elevada”, como salientaram, respectivamente, Isabel Moreira e Ferro Rodrigues, foram esgrimidos os argumentos já conhecidos, à esquerda, do “direito” a morrer com “dignidade” e do “alívio do sofrimento”, e da necessidade de fomentar os cuidados paliativos, da falta de “mandato eleitoral” ou dos abusos registados noutros países, à direita.
Foi o projecto do PS que ficou mais perto de ser aprovado, com 110 votos a favor, 115 contra (incluindo os dos socialistas Ascenso Simões e Miranda Calha) e quatro abstenções de sociais-democratas. Os diplomas do Bloco e do PEV tiveram a mesma votação global – 104 a favor, 117 contra e oito abstenções – e o do PAN obteve 102 votos favoráveis, 116 contra e 11 abstenções. Tal como anunciaram, CDS e PCP votaram contra todos os diplomas. O PEV e André Silva votaram a favor de todos.
Quando se esperavam mais votos a favor dos projectos na bancada do PSD, os sociais-democratas que divergiram do sentido de voto contra foram seis, mas nem todos a apoiar a esquerda. Só duas deputadas – Teresa Leal Coelho e Paula Teixeira da Cruz – se assumiram a favor dos quatro projectos. Bruno Vitorino absteve-se no projecto do PAN e votou contra as restantes iniciativas. Também Cristóvão Norte só votou a favor do PAN e absteve-se nos restantes. “O único que tinha legitimidade para apresentar era o PAN porque foi o único que colocou no programa eleitoral. Como concordo com o princípio, votei a favor”, justificou ao PÚBLICO Cristóvão Norte. Duarte Marques, outro social-democrata de quem se esperava o voto a favor, só apoiou as iniciativas do BE e d' Os Verdes, nos projectos do PS e PAN absteve-se. “Sempre disse que era a favor do projecto do Bloco desde que apareceu o movimento. O projecto do PEV é o mais cauteloso”, disse o deputado.
Outra deputada do PSD que votou de forma diferente da maioria da sua bancada foi Margarida Balseiro Lopes, líder da JSD, que disse ‘sim’ ao projecto socialista mas mostrou-se contra os restantes. Dois sociais-democratas – Pedro Pinto e Berta Cabral – abstiveram-se nas quatro iniciativas, o que retirou força ao ‘sim’.
O certo é que os sociais-democratas não queriam ficar com o ónus de ter viabilizado os projectos de lei apesar de o seu presidente, Rui Rio, ser favorável à eutanásia. Mas o líder da bancada não é. À saída do plenário, Fernando Negrão recusou ter havido qualquer pressão sobre os deputados para votarem contra. "Não houve pedagogia absolutamente nenhuma; não falei individualmente com ninguém; todos os deputados votaram livremente e em consciência", garantiu, citado pela Lusa.
Os contra dentro do PS
Mas foram também os votos em sentido diferente na bancada socialista que contribuíram para o resultado. Dois deputados - Ascenso Simões e Miranda Calha - votaram contra os quatro projectos, incluindo o do seu partido. Mas houve outros deputados socialistas que, apesar de aprovarem o projecto do PS, votaram os restantes de modo diferente. Foi o caso de Joaquim Barreto, Lara Martinho e Pedro do Carmo, que se abstiveram nos restantes três. Miguel Coelho votou a favor do PS e contra os restantes. João Paulo Correia votou a favor do PS e do BE e absteve-se em relação aos projectos do PAN e PEV; e Renato Sampaio votou a favor do PS e PEV e absteve-se nos outros dois. Em suma, seis deputados do PS privilegiaram o projecto da sua bancada, mas mesmo assim não chegou para passar.
Com um líder a favor e um partido sem posição oficial, Fernando Negrão fez uma intervenção em que salientou dúvidas sobre o momento para legislar por ter faltado “debate e ponderação”. A posição contrastou com a de Rui Rio que considerou haver condições para a Assembleia tomar uma decisão, defendendo mesmo ser um “imperativo” despenalizar a eutanásia.
Tema “inadiável e incontornável”
O mesmo termo foi usado por BE e PS à saída do plenário. Maria Antónia Almeida Santos disse que a votação tão dividida mostra que este é um tema “inadiável e incontornável” para voltar a discutir na Assembleia da República. Catarina Martins lamentou que o Parlamento não tenha conseguido “dar resposta ainda”. “Mas dará seguramente”, prometeu sem adiantar prazos.
Heloísa Apolónia, do PEV, que desde o início defendera que os diplomas deviam ser debatidos apenas depois do Verão, escusou-se a culpar a pressa de PS, BE e PAN por este chumbo. Mas admitiu ao PÚBLICO que, se houvesse mais tempo para esclarecer dúvidas e receber os pareceres em falta, talvez o resultado final pudesse ser diferente. A questão parece ter ficado arrumada pelo menos durante ano e meio. “Muito provavelmente não haverá condições para insistir no assunto nesta legislatura. [Arriscar que] um projecto seja chumbado duas vezes dá-lhe um peso negativo muito grande”, afirmou.