Duelo entre populismos começa já no primeiro round das presidenciais na Colômbia
“Uribista” Duque e ex-guerrilheiro Petro lideram sondagens e devem apurar-se para a segunda volta das presidenciais, num país que ainda procura adaptar-se à paz com as FARC.
A corrida ao mais alto cargo político da Colômbia tem este domingo uma decisiva etapa. Mais de 36 milhões de eleitores são chamados às urnas para participar na primeira ronda das presidenciais, das quais se acredita que sairão os nomes dos dois candidatos que irão disputar o direito a suceder a Juan Manuel Santos à frente dos destinos do país. Iván Duque e Gustavo Petro representam pólos opostos do discurso populista colombiano que brotou da assinatura dos acordos de paz com as FARC, em 2016, e são os grandes favoritos à derradeira disputa, agendada para 17 de Junho.
O controverso processo de desarmamento da guerrilha marxista que esteve em guerra na Colômbia durante mais de cinquenta anos, a amnistia concedida aos seus membros e a sua transformação em partido político encerrou um capítulo sangrento da história do país, mas originou sentimentos contraditórios junto da população. E políticos como Duque – um protegido do ultraconservador Álvaro Uribe – ou Petro – um ex-guerrilheiro do M-19 de extrema-esquerda – aproveitaram-se desse descontentamento para a promoção de soluções populistas e extremadas, que se alimentam mutuamente e que esvaziam quase por completo o centro político colombiano.
Não se estranha, por isso, que surjam nos primeiros dois lugares das sondagens para a primeira volta das presidenciais – ainda que que longe dos 51% necessários para a eleição imediata. Depois de largos meses em empate “técnico”, o mais recente estudo do El Tiempo atribui 37,6% das intenções de voto a Duque e 24,2% a Petro. Os restantes quatro candidatos, Sergio Fajardo (centro-esquerda, 16%), Gérman Vargas Lleras (centro-direita, 11%), Humberto de la Calle (liberal, 2,3%) e Jorge Trujillo (conservador, 0,3%) deverão ficar pelo caminho, segundo as estimativas do diário colombiano.
“Fajardo simboliza um combate contra a corrupção. De la Calle é a continuidade. Vargas Lleras o statu quo. Duque é o populismo de direita e Petro o populismo de esquerda”, sintetiza o sociólogo colombiano Rodríguez Garavito, numa entrevista ao El País, antes de justificar a sua preocupação com as candidaturas dos dois últimos. “Vejo muitas semelhanças entre os dois. Duque representa uma corrente tecnocrata, mas o ‘uribismo’ é altamente populista, no sentido de defender uma política bastante desinstitucionalizada do ‘nós’ contra ‘eles’. A esquerda mais populista, mais de choque e de antagonismo é representada por Petro.
A paz como arma
Tal como o ex-Presidente Uribe – actualmente senador –, o candidato do Centro Democrático é um crítico do acordo que valeu a Santos o Prémio Nobel da Paz em 2016 e ameaça renegociá-lo. Duque defende uma maior punição aos antigos guerrilheiros e torce o nariz aos lugares reservados às FARC no Congresso e Senado até 2026.
Para além disso, aposta na promoção de políticas securitárias para combater a expansão de organizações criminosas e cartéis de droga para as zonas anteriormente ocupadas pelas FARC e insiste numa estratégia que durante anos permitiu aos sucessivos presidentes colombianos manter a esquerda afastada do cargo, associando-a ostensivamente aos movimentos guerrilheiro do país.
O compromisso de paz alcançado entre Juan Manuel Santos e Rodrigo “Timochenko” Londoño também é peça central na campanha de Gustavo Petro, mas por motivos distintos. O virar de página na guerra civil que fez mais de 250 mil mortos e cerca de seis milhões de deslocados permitiu ao antigo presidente da câmara de Bogotá reorientar o debate político, afastando-o da segurança e da violência e aproximando-o das desigualdades e da corrupção. Dois temas que encontram eco em praticamente toda a América Latina, mas que na Colômbia ficaram durante largos anos para segundo plano, devido ao interminável confronto com as FARC.
Petro tem, por isso, todo o interesse em manter vivo o acordo, para poder indicar aos colombianos quem são os seus verdadeiros inimigos: as elites políticas e empresariais do país, a quem já acusou de fraude eleitoral, ainda antes da realização destas presidenciais.
Em declarações à Reuters, um analista da empresa de consultoria Control Risks, especializado na Colômbia, diz que a mudança do foco trazida pela paz tem beneficiado muito a campanha do candidato da extrema-esquerda. “O apoio a Petro é indicativo da insatisfação crescente da população com o statu quo. Se as elites não forem capazes de lidar com a desigualdade e a corrupção, a frustração poderá arrastar-se até 2022, talvez até 2026”, aponta Sergio Guzman.
Alimentado por essa frustração, o líder do Movimento Progressistas promete combater aqueles “que impedem a construção da nação colombiana”. Uma das principais medidas apresentadas para cumprir essa missão passa pela tributação elevada de terrenos privados pouco produtivos ou até pela sua aquisição, com dinheiros públicos, para depois os oferecer a trabalhadores e agricultores mais carenciados.
A direita denuncia a “política de expropriações” e Duque responde com o exemplo da Venezuela, acusando o ex-guerrilheiro de querer aplicar na Colômbia o modelo económico fracassado de Nicolás Maduro. Esse argumento tem causado impacto nas regiões que fazem fronteira com a República Bolivariana, onde nos últimos três anos já chegaram mais de 500 mil de venezuelanos famintos, fugidos ao regime chavista.
É à boleia deste braço-de-ferro entre os pólos mais extremistas do espectro político colombiano que se tem desenrolado o debate político no país, numa tendência que já tinha marcado as legislativas de Março. Com Iván Duque e Gustavo Petro a posicionarem-se para o confronto final, em meados de Junho, os candidatos derrotados na eleição deste domingo serão seguramente pressionados, nos próximo dias, a declarar o seu apoio a um ou a outro. Rodríguez Garavito é que não tem dúvidas: “Vamos ter um governo populista. Seja de esquerda ou de direita.”