Os novos e exaltantes albariños das Rias Baixas
A sub-região de Monção-Melgaço é um dos berços da Alvarinho, que no lado de lá da fronteira é designada de Albariño. Mas, se esta casta tem cada vez mais adeptos em todo o mundo, isso deve-se, em grande parte, ao dinamismo de consagrados produtores das Rias Baixas e à criatividade de uma nova geração de "viñadores" que estão a fazer brancos admiráveis.
Há uns 20 anos, em pleno boom dos albariños galegos, as marcas referenciais das Rias Baixas davam pelo nome de Terras Gauda, Martín Codax, Fillaboa, Pazo de Señorans, Pazo de Fefiñanes ou Santiago Ruíz. Todas elas continuam associadas a grandes vinhos brancos, mas, por causa do excesso de fama e do seu crescimento, já não entusiasmam tanto a crítica ou os enófilos que vivem em busca de novidades. Deixaram de estar na moda, mesmo que continuem a vender bem.
Hoje, o que faz salivar críticos e sommeliers de Espanha mas também de muitos outros países são albariños de pequena produção, de autor, de parcela e mais tributários do que nunca do terroir e da viticultura dita orgânica. São brancos marcados pela proximidade do Atlântico, intransigentes e desafiadores, fiéis a uma ideia, ao lugar e a uma cultura vitivinícola antiga, de minifúndio. Têm por trás criadores como Rodrigo Méndez (Forjas del Salnés), Alberto Nanclares (Nanclares e Prieto), Xurxo Alba (Albamar), Manuel Moldes (Fulcro) ou Eulogio Zarate (Bodegas Zarate).
Os vinhos Forjas del Salnés, tal como os Albamar ou os Fulcro, são verdadeiramente de garagem. No caso dos Fulcro, a entrada na pequena adega da família Moldes, junto a Sanxenxo, é mesmo por uma garagem. É ali que o jovem Manuel Moldes afina os seus Fulcro O Equilíbrio e Finca Pedreira, vinhos singelos mas de grande pureza.
Na localidade de Meaño, Rodrigo Méndez explora perto de 3,5 hectares de vinha própria e mais três de aluguer. Em 2005, juntou-se ao enólogo Raúl Pérez, de Bierzo, para começar a produzir os Forjas del Salnés, albariños ao "estilo antigo", e tintos de castas locais caídas em desuso. Hoje, produz mais de uma dezena de vinhos de parcela, alguns deles de vinhas quase centenárias. São brancos e tintos que expressam a frescura do granito e a humidade e o sal do Atlântico. Extraordinário o seu Cos Pés, um Albariño de curtimenta.
Em Cambados, Xurxo Alba é o rosto dos vinhos Albamar. Inquieto e experimentalista, faz algum volume com o seu Albamar, um Albariño que passa cinco meses sobre borras e que não custa mais do que 10 euros. Porém, os seus melhores vinhos, de intervenção minimal, como Finca O Pereiro, Alma de Mar ou Pepe Luís (uma homenagem ao irmão que faleceu com 21 anos num acidente de carro), são produções pequenas com origem em parcelas antigas de ramada que trata de forma o mais natural possível.
Os vinhos Nanclares e Prieto, também de Cambados, seguem na mesma linha. Ao contrário de Xurxo Alba, que também faz tintos, Alberto Nanclares e a mulher só produzem Albariño nas Rias Baixas, onde exploram cinco hectares de vinhas (fazem tintos nas regiões vizinhas de O Ribeiro e Ribeira Sacra, em parceria com produtores locais). Coccinella e Crisopa são dois dos vários vinhos do seu portefólio que vale mesmo a pena conhecer.
Mas, se há um nome nesta nova geração de produtores de Albariño que merece destaque, é Zarate. Ou melhor: Eulogio Pomares, filho do fundador e actual enólogo da casa. Bodega Zarate é uma propriedade familiar localizada em Ribadumia, no coração do Vale del Salnés, uma sub-região das Rias Baixas (ver texto ao lado). A ligação desta família ao vinho já vem desde os inícios do século XVIII e, nos anos 50 do século passado, o pai de Eulogio Pomares chegou a ter grande influência regional. Foi ele quem fundou a popular Feira do Albariño de Cambados, tendo arrecadado o prémio de melhor vinho em três anos consecutivos (1954,1955 e 1956). Ao fim do terceiro ano, deixou de concorrer.
No ano 2000, Eulogio Pomares assumiu a gestão da adega e a vinificação e, desde então, voltou a colocar o nome Zarate nas bocas do mundo. O seu grande feito foi ter definido um caminho e um novo estilo. Hoje, os vinhos Zarate são inconfundíveis, marcados por uma acidez vibrante, quase viperina. Em novos, são vinhos tremendos, algo difíceis até, por causa da seiva ácida que expurgam. Mas evoluem muito bem e, ao fim de alguns anos, tornam-se admiráveis, associando notas de evolução à mesma frescura primordial.
Meio filósofo, meio místico, mas com tacto comercial, Eulogio é um daqueles enólogos/produtores cuja figura discreta não reflecte de imediato o carácter atrevido e impetuoso dos seus vinhos. E quando começa a falar ainda menos, apesar do seu discurso sólido. Fala de forma pausada e a cada frase repete uma, duas ou até três vezes as últimas palavras.
Recebeu-nos num dia que ameaçava chuva, junto à vinha El Palomar, que dá nome a um dos seus vinhos mais conhecidos. É uma vinha de ramada com mais de 100 anos plantada em pé franco. Algumas das suas cepas estão tão fendidas que é difícil acreditar como ainda transportam seiva até aos cachos. Mas continuam bem vivas e a produzir uvas com uma acidez natural altíssima, que Eulógio suaviza deixando que o vinho faça a maloláctica (transformação do ácido málico, mais forte, em ácido láctico, mais suave) nos tonéis de 2200 litros em que fermenta e estagia. Mesmo fazendo a maloláctica, é um Albariño com uma frescura extraordinária que torna a prova de boca uma experiência exaltante.
Nas Rias Baixas, só há menos de 20 anos é que, de uma forma generalizada, se começaram a fazer brancos sem maloláctica. Antes, era comum os vinhos refermentarem no Verão, como acontecia e acontece com muitos brancos e tintos da região dos Vinhos Verdes. Todos os outros Zarate, como Balado ou Trás da Viña, não fazem maloláctica e são engarrafados secos (sem açúcares residuais). São vinhos com um nervo, uma pureza e uma vitalidade assombrosos, que Eulogio Pomares associa ao lugar e também à forma biodinâmica como tem vindo a tratar as vinhas principais.
Além dos vinhos da família, Eulogio Pomares faz também inúmeros brancos e tintos em nome pessoal em diferentes sub-regiões das Rias Baixas, na vizinha Ribeira Sacra e até no Dão. Aqui, elabora um tinto na Quinta da Pellada, de Álvaro de Castro, à base de Alfrocheiro, Jaen e Baga. Este é um dos vários vinhos do seu projecto Fento Wines, criado em 2012 e a que chama “vinhos de negociante”. Paralelamente, faz vinhos de vigneron, que subdivide em duas categorias: “Grandes Vinhos Desiguais” (Brancos com flor, com curtimenta e com estágios longos) e “Parcelários- Parcelas únicas e elaborações pessoais” (vinhos de parcela). Tudo produções minimais e a preços sensatos. Os vinhos Zarate são comercializados em Portugal pela empresa Oficina dos Sabores, de Águeda.