As promessas e os desafios da pátria nacional do Alvarinho

A sub-região de Monção-Melgaço tem tudo para produzir vinhos de nível mundial a partir da casta Alvarinho. Mas continua longe do dinamismo e da reputação da vizinha Rias Baixas. Não estará na hora de reivindicar a subida a denominação de origem protegida?

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Martin Henrik

Um hectare de vinha em Monção-Melgaço custa hoje cerca de 100 mil euros e é cada vez mais difícil encontrar quem venda. Não deve haver outra região no país (tirando Colares ou a Madeira) onde a vinha valha tanto. No Douro, o preço médio por hectare é inferior a 50 mil euros. Nas vizinhas Rias Baixas, na Galiza, os preços são ainda mais altos. Um hectare pode chegar aos 500 mil euros.

Neste caso, o preço é um pouco inflacionado pelo facto de a maioria das vinhas, de tamanho pequeno, se situarem dentro ou junto às povoações. E a proximidade do mar também faz disparar os preços dos terrenos.

O que isto nos diz? Muito. O valor da terra diz muito sobre o prestígio de uma região (no caso do Douro, o preço baixo não está directamente relacionado com o prestígio da região, mas sim com o excesso de oferta). O melhor exemplo é Le Montrachet, na Borgonha, a vinha mais cara do mundo.

Le Montrachet é um vinhedo classificado como Grand Cru, a mais alta classificação daquela região francesa. São apenas 7,92 hectares, divididos por 26 produtores e 18 proprietários. Alguns dos nomes míticos da Borgonha têm algumas videiras neste pequeno “terroir”. O Domaine de la Romanée-Conti  possui 0,64 hectares e o Domaine Lefl aive, o mais famoso produtor de vinhos brancos do mundo, tem apenas 0,0821 hectares. São áreas aparentemente ridículas, mas vamos ver os preços e percebemos que cada videira vale ouro. Um hectare de um premier cru de Chassagne-Montrachet, por exemplo, custa entre 4 e 5 milhões de euros. Um hectare equivale a 24 ouvrées, a unidade de medida utilizada na Borgonha. No grand cru Le Montrachet, só um ouvrée (428 metros quadrados) custa 4 milhões de euros! E ninguém vende. Já se sabe: cada garrafa com o selo Le Montrachet custa uma fortuna.

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Nelson Garrido

Voltando a Monção-Melgaço: o aumento do preço da terra diz-nos que esta sub-região continua apetecível. E diz-nos também outra coisa: que não havia razão para os produtores e autarcas locais temerem os efeitos da liberalização da casta Alvarinho. Três anos depois da decisão de permitir usar a designação “Alvarinho” em toda a região dos Vinhos Verdes a partir de 2021, as vendas de Alvarinho na sub-região, de acordo com a Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes, aumentaram 32% e não se assistiu a uma plantação desenfreada de Alvarinho fora de Monção e Melgaço.

A prova dos nove só será feita, porém, daqui a três anos, quando acabar a moratória. Anselmo Mendes, por exemplo, não está seguro sobre como vai ser o comportamento do consumidor. “O consumidor mais esclarecido pode ter em atenção a origem do Alvarinho na hora de comprar, mas o consumidor comum é capaz de não ligar”, diz. Ainda assim, Anselmo defende a mudança, considerando que esta vai ajudar a aumentar a notoriedade da casta, tanto dentro como fora do país.

Quem faz melhor e tem mais prestígio acaba sempre por vender mais e mais caro. Basta olhar para a vizinha Rias Baixas, onde, em apenas 30 anos e em condições mais difíceis (chove muito mais, devido à maior proximidade do Atlântico; e a cadeia montanhosa do vale do Minho protege Monção e Melgaço dessa influência atlântica, o que explica o seu micro-clima temperado), os vinhos de Alvarinho ganharam valor e reputação mundial.

Em Monção e Melgaço só uns poucos, com os inevitáveis Anselmo Mendes e Quinta do Soalheiro à cabeça, têm conseguido estar ao mesmo nível de prestígio. Metade das cerca de 50 empresas que operam na sub-região produz menos de cinco mil garrafas e uma ou outra empresa maior deixou-se enredar no ciclo do produto indiferenciado e de baixo preço que tem marcado um pouco toda a região dos Vinhos Verdes. Por mais que o presidente da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes, Manuel Pinheiro, torture as estatísticas, encontrando sempre boas notícias, a região continua a ser associada no mundo a vinho jovial e barato. O vinho Alvarinho pode ser a pedra de toque da mudança e Monção-Melgaço tem tudo para liderar essa mudança.

Imaginando que a região dos Vinhos Verdes seria a Borgonha, por exemplo, Monção-Melgaço fazia bem em procurar afirmar-se como a Côte de Beaune ou Chablis, por exemplo. Um lugar especial dentro do mar de vinho dos Verdes. Mesmo sem premiere cru ou grand cru definidos, que isso é uma batalha perdida em Portugal. A luta não deveria ser a manutenção do monopólio do Alvarinho. Querer continuar a ter, na região dos Vinhos Verdes, o exclusivo do uso da designação “Alvarinho” não faz qualquer sentido. Não só porque nenhuma região pode ser dona de uma casta, mas também porque seria ridículo manter a proibição nos Vinhos Verdes quando a designação “Alvarinho” já é autorizada noutras regiões, como o Douro ou Alentejo, por exemplo.

A luta de Monção-Melgaço devia ser a sua elevação a denominação de origem, no interior da própria região dos vinhos verdes. É um território perfeitamente estabilizado, com características particulares de solo e clima, uma cultura vitivinícola antiga (Monção chegou a ser um importante entreposto de venda de vinhos para Inglaterra, ainda antes da descoberta do Douro pelos britânicos, e a sub-região existe já desde 1908) e uma casta com raízes seculares que é bem representativa do lugar. “Já somos a única sub-região do país com um selo de certificação específico, mas no futuro temos que evoluir para a denominação de origem”, concorda Armando Fontaínhas, o presidente da Cooperativa de Monção. Anselmo Mendes defende o mesmo para o Vale do Lima, que faz os melhores vinhos de Loureiro, e para o troço minhoto do Douro, onde reina a Avesso.

Em França, já há muito que Monção-Melgaço seria uma denominação de origem. Querer meter tudo dentro do mesmo saco, como acontece na região dos Vinhos Verdes ou do Douro, por exemplo, como se não existissem diferenças regionais, é um anacronismo. No caso de Monção-Melgaço, o que pode ser questionada é a sua delimitação actual, uma vez que há áreas adjacentes com as mesmas características.

Symington com vontade de investir

No futuro, o alargamento pode ser mesmo uma inevitabilidade. Apesar de nos últimos anos ter havido uma grande adesão aos programas de apoio à plantação e reestruturação de vinhas, a sua estrutura fundiária e demográfica será um problema, se a procura continuar a aumentar. O grosso dos produtores possui mais de 60 anos e cerca de 55 por cento do Alvarinho de Monção-Melgaço tem origem em parcelas inferiores a um hectare. “No futuro, vai haver falta de uvas”, acredita Anselmo Mendes.

A falta de terra e o seu alto preço podem ser um entrave ao crescimento da região. “Em Monção-Melgaço as pessoas não vendem terra porque é rentável viver da vinha. No ano passado pagamos o quilo de uvas Alvarinho a 95 cêntimos e depois damos sempre um bónus de 15%, o que eleva o preço a 1,10 euros”, explica Armando Fontaínhas. No Douro, por exemplo, este é mais ou menos o preço a que são pagas as uvas para vinho do Porto e a produção é muito inferior. O facto de a vinha ser rentável em Monção-Melgaço pode explicar também o pouco investimento externo que tem havido. Tirando a investida do empresário Carlos Dias, com a compra da Quinta da Pedra (comprou recentemente mais uma quinta, mas sem vinha), e a chegada mais recente da empresa Lua Cheia em Vinhas Velhas (produz o vinho Nostalgia, entre outros) e de João Portugal Ramos (que já possui adega mas ainda não tem vinhas próprias), pouco mais surgiu de novo.

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Nelson Garrido

A boa notícia tem sido o aparecimento de alguns jovens produtores com vontade de fazer vinhos diferentes. É o caso de Miguel Queimado (Vale dos Ares) e de Joana Santiago (Quinta de Santiago). Miguel Queimado salienta também a existência de cada vez mais enólogos e produtores de fora da região que estão a fazer Alvarinho em Monção-Melgaço com parceiros locais. Luís Seabra e Márcio Lopes são dois exemplos. “Está é uma dinâmica que não existia”, sublinha.

Outra boa notícia é o interesse do grupo Symington, o líder das categorias especiais de vinho do Porto, em investir em Monção-Melgaço. A empresa tem andado a estudar várias possibilidades. Se o investimento se concretizar, a região poderá tornar-se ainda mais exclusiva e apetecível - e também mais cara, claro. A atenção mediática que os Symington irão trazer será grande.

Não deixa de ser curioso que os Symington queiram investir na sub-região do Alvarinho e a Aveleda e a Sogrape, as duas maiores empresas da região, continuem sem qualquer vinha em Monção-Melgaço. O grande operador continua a ser a Adega Cooperativa de Monção. É a decisão da cooperativa que determina o preço das uvas em cada vindima.

Nenhuma outra empresa vinícola tem tanto impacto na economia Especial Vinhos regional como a Cooperativa O seu vinho ícone, o Muralhas, continua a ser um fenómeno de vendas (apesar de ser um branco de volume que não leva só Alvarinho) e o Deu la deu, um 100% Alvarinho, é uma marca consistente. O seu Alvarinho Deu la deu Premium 2015 acaba, de resto, de ser eleito um dos melhores varietais brancos do país, no Concurso Vinhos de Portugal (o outro foi o Aveleda). O enólogo da Adega de Monção, Fernando Moura, é um dos grandes artíficies da casta Alvarinho. E a actual direcção tem renovado e feito crescer ainda mais a cooperativa, ao ponto de no ano passado ter alcançado um novo recorde vendas (14,5 milhões de euros).

O domínio da Adega de Monção acaba, no entanto e ironicamente, por limitar a entrada de novos operadores, por falta de uvas disponíveis. Isso pode explicar a aposta que alguns produtores consagrados têm feito na plantação e aquisição de vinhas. Anselmo Mendes, por exemplo, já possui 47 hectares de Alvarinho, o que faz dele o maior proprietário desta casta da região. Actualmente, Anselmo Mendes produz quase tanto vinho estreme de Alvarinho como a própria Adega de Monção. No conjunto das suas diferentes marcas, enche cerca de 400 mil garrafas. Só na Suécia, vende perto de 150 mil garrafas com a marca Contacto. Em volume, apenas deverá perder para a Quintas de Melgaço, embora esta empresa engarrafe sobretudo para grandes superfícies. Estes vinhos de marcas brancas podem gerar muito dinheiro e têm a sua importância, mas acrescentam pouco prestígio à casta e à região.

Produtores e marcas que têm acrescentado valor e prestígio ao Alvarinho e a Monção-Melgaço ainda se contam pelos dedos. Tirando a Adega Cooperativa de Monção, Anselmo Mendes, a Quinta do Soalheiro e alguns projectos mais novos como os citados Vale dos Ares e Quinta de Santiago, sobram o Palácio da Brejoeira, a Provam, a Quinta do Regueiro, a Quinta do Reguengo, a Quinta da Pedra, Carlos Codesso (Dona Paterna) e pouco mais. Muito pouco para uma região que tem condições para fazer um dos melhores vinhos brancos do mundo.

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