Responsabilização financeira de presidentes nas mãos de Rio
Proposta deu entrada esta semana no Parlamento, mas o PSD, que negociou o pacote da descentralização com o Governo, desconhecia articulado que desresponsabiliza presidentes de câmara.
O PSD e o Governo andaram durante dois meses a negociar o pacote da descentralização, mas isso não impediu os socialistas de apresentarem uma Lei das Finanças Locais sem dela darem conhecimento aos sociais-democratas. E agora, a aprovação essa lei pode ficar nas mãos do partido de Rui Rio. Ao que PÚBLICO apurou, o executivo de António Costa chegou a partilhar com o PSD alguns pontos e intenções, mas não o artigo que pretende desresponsabilizar os presidentes de câmara do mau uso dos dinheiros públicos.
“Não tivemos conhecimento desse artigo. Foi uma surpresa”, confirma ao PÚBLICO o deputado do PSD António Leitão Amaro, que foi secretário de Estado das Autarquias Locais de Pedro Passos Coelho. Durante as negociações da descentralização, que culminaram com a assinatura de um acordo a 18 de Abril, este assunto concreto não foi abordado.
Sem o apoio do Bloco de Esquerda (o partido confirmou ao PÚBLICO que não acompanhará o Governo), a aprovação da proposta fica nas mãos do grande defensor dos “banhos de ética”: Rui Rio. O PSD admite que só agora vai estudar o assunto não querendo avançar nenhuma informação sobre o eventual sentido de voto da bancada.
“Ainda não discutimos o assunto. Reitero que ainda é cedo para uma decisão”, confirmou ao PÚBLICO Álvaro Amaro, que negociou com o Governo o pacote da descentralização. A Lei das Finanças Locais apenas precisará de uma maioria simples para ser aprovada no Parlamento, mas só uma abstenção do PSD (no meljor dos cenários), poderá garantir a sua aprovação.
Pedro Soares, deputado do Bloco de Esquerda, garantiu que “o BE não acompanhará esta proposta” por considerar que, no caso concreto da responsabilização financeira dos presidentes de câmara, “a actual lei é adequada”.
“O novo artigo 80-A dificulta a prova de culpa. Basta um vereador dizer que seguiu as indicações do presidente da câmara para não haver responsabilização. A alteração que o Governo está a propor está armadilhada", acrescenta ainda Pedro Soares.
Na proposta de alteração à Lei das Finanças Locais aprovada no Conselho de Ministros de 10 de Maio, e que chegou ao Parlamento há cinco dias, o artigo 80º tem agora um aditamento (80º-A) sobre “responsabilidade financeira”, no qual se lê (no número 1) que “nas autarquias locais, a responsabilidade (…) recai sobre o membro do órgão executivo das autarquias locais responsável pela área financeira e sobre o ou os dirigentes responsáveis pela área financeira. No número 2, a proposta refere que podem a responsabilidade pode recair ainda sobre “o membro do órgão executivo das autarquias locais competente em razão da matéria e sobre o ou os respectivos dirigentes”. Mas não sobre os presidentes.
A nuance foi notada pelo Dinheiro Vivo, na sua edição de sexta-feira. O Ministério da Administração Interna emitiu, entretanto, uma nota em que explica o espírito da lei e apelida a lei anterior de “iníqua e de duvidosa constitucionalidade”.
“A proposta (…) estabelece a responsabilização dos autarcas e outros intervenientes em matéria financeira na administração local. Essa responsabilidade é atribuída ao vereador da área financeira, ao director financeiro ou ao vereador que praticou os actos”, clarifica o gabinete de Eduardo Cabrita.
“Substituiu-se assim a lei anterior, que era iníqua e de duvidosa constitucionalidade, ao permitir a responsabilização objectiva e independente de culpa de vereadores sem pelouro ou até da oposição, mesmo que não tivessem qualquer intervenção nos actos”, refere também o comunicado.
Já em 2016, o Governo foi acusado de querer incluir na proposta de Orçamento do Estado para 2017 uma norma que tornava impossível exigir aos presentes de câmara o ressarcimento do dano causado ao erário público. Foi o Tribunal de Contas a chamar a atenção para esse artigo. “As alterações propostas ao regime de responsabilidade financeira são suscetíveis de gerar incoerências relativamente ao regime vigente e introduzir discriminações relativas aos responsáveis pela gestão pública. Estas deveriam ser ponderadas num contexto mais vasto”, defendeu o tribunal.
Na altura, o gabinete de Eduardo Cabrita rejeitou as incoerências, adiantando que a norma pretendia “equiparar o regime aplicável aos autarcas locais ao regime em vigor para os titulares de cargos políticos”, conferindo-lhes “responsabilidades idênticas”.
Esta é uma pretensão antiga da Associação Nacional de Municípios Portugueses.