Lá longe, no espaço, a nova vida dos Arctic Monkeys
Tranquility Base Hotel & Casino é o som de um crooner sardónico isolado do mundo. Quebra com toda a linhagem discográfica de banda inglesa e é uma magnífica surpresa.
Como fazer sentido disto tudo? Disto que é este mundo de ruído incessante, de gritaria vinda de todo o lado, de tantas certezas sem hipótese de discussão, de histeria publicitária, de tudo como valor de entretenimento, de guerra e morte equivalente a debate sobre a Eurovisão, do dinheiro como medida de todas as coisas e do “não há alternativa” vendido como verdade científica? Como fará sentido de tudo isto o homem que, lá atrás no tempo, só queria fazer parte dos Strokes (“And now look at the mess you made me make”, canta ele)? Alex Turner, então, debruçado sobre um velho piano vertical Steinway no seu estúdio caseiro em Los Angeles, baptizado Lunar Surface.
A música que Alex Turner criou na sua “superfície lunar” de L.A. não é surpreendente para quem acompanha o seu trabalho a solo ou com os Last Shadow Puppets. Surpreendente é que tenha decidido editá-la com os Arctic Monkeys, um dos destaques desta edição do Nos Alive (tocam no dia 12 de Julho), banda que irrompeu no cenário musical plena de urgência juvenil e olhar clínico perante as ansiedades da sua geração, banda que se insuflou depois de fervor rock’n’roll — olho nos clássicos das décadas douradas da década de 1970, mas com os pés fincados no presente.
Tranquility Base Hotel & Casino, cinco anos depois de AM, quebra com toda aquela linhagem — “julgo que não conseguiria terminar o primeiro esboço de uma canção se tentasse fazer um AM novamente”, confessou Alex Turner ao New Musical Express. É um álbum de insularidade alienígena, a obra de um crooner a entoar versos em associação livre de ideias, ele e a banda sozinhos num palco longe do mundo e de tudo, a falarem de si mesmos e de um planeta, lá longe, que não os ouve. Eles observam, surreais, mordazes. Comentam em tempo real, mas noutra dimensão, o que se desenrola na loucura do planeta azul lá em baixo: “Everybody’s on a barge/ floating down the endless stream of great TV”, canta Turner na abertura, Star treatment; “I swing with the economists”, exulta, irónico, em One point perspectives; “I want to stay with you, my love/ the way some science fiction does reflections in/ the silver screen of strange societies”, canta o narrador a sua estranha sedução.
Space-rock como imaginado pelo Scott Walker dos primeiros tempos, glam-rock de um Alladin Sane a vaguear pelos corredores desertos de um salão de festas abandonado, a wit de Jarvis Cocker às voltas com a ambição pop de Brian Wilson, Tranquility Base Hotel & Casino é um álbum especial na carreira dos Arctic Monkeys (dá-nos uma nova dimensão deles e transforma o olhar que lhes lançamos) e um disco especial neste ano de 2018 (porque parece pairar sobre ele, simulando afastar-se, refugiar-se, para melhor o traduzir). Guiado pelo piano, com a voz magnífica de Alex Turner no comando das operações, qual crooner de esgar sarcástico no final dos versos, suporta-se no piano, envolvido em sintetizadores estelares, e com uma secção rítmica de calor discreto a acompanhar os movimentos dramáticos de The rise of the machines, os coros e o harpsichord de Four out of five, o futurismo estilizado, cortesia do mellotron, com que se encena a decadência luminosa de One point perspective. É nessa canção que Alex Turner nos oferece estes versos: “Dancing in my underpants/ I’m gonna run for government/ I’m gonna form a covers bands and all”.
Naquela canção, neste álbum em que Blade Runner convive com taquerías instaladas no terraço de uma colónia lunar, Turner cederá, em determinado momento: “Bear with me, man,/ I lost my train of thought”, informa. A pairar na imensidão, gravidade zero, a banda continua a tocar até desaparecer no infinito. Intrigados e fascinados, seguimos com o olhar estes novos Arctic Monkeys.