“Se temos o direito de ter algo a dizer, porque é que não vamos usufruir dele?”

Estudantes do Secundário estiveram na Assembleia da República no início da semana para mais uma edição do Parlamento dos Jovens. Alunos, professores e investigadores reconhecem o impacto positivo destes programas de promoção da cidadania.

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Para uma das professoras, “o Parlamento dos Jovens é catalisador” de participação cívica no futuro. Rui Gaudêncio

“Quem participa uma vez não pára, continua sempre”, garante Inês Sousa, de 16 anos, que participa pela terceira vez no Parlamento dos Jovens. No início desta semana, 129 alunos de todo o país estiveram na sessão nacional do Ensino Secundário, dedicada este ano ao tema “Igualdade de Género: um debate para tod@s”.

Desde o início do ano lectivo, em centenas de escolas, mais de 70 mil alunos debateram o tema. Escolheram os seus representantes — primeiro a nível da escola, depois do distrito — e trouxeram ideias, que foram condensadas em dez recomendações a serem entregues à “verdadeira” Assembleia da República.

Na abertura solene do plenário do segundo dia de trabalhos, nesta terça-feira, um dos desafios elencados para este projecto pelo deputado Alexandre Quintanilha, presidente da Comissão de Educação e Ciência, foi “formar cidadãos mais participativos, mais imaginativos e mais apaixonados pelos valores e projectos essenciais à construção da sociedade”. Mas que impacto podem ter estas “escolas de cidadania” para fomentar a participação dos jovens no seu quotidiano?

“Participar neste tipo de experiências faz com que fiquem mais interessados e não só por assuntos relacionados com a política”, assegura Norberto Ribeiro, do Centro de Investigação e Intervenção Educativas (CIIE) da Universidade do Porto. O investigador da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação (FPCEUP), que tem estudado a participação cívica e política dos jovens, salienta que o que estes dizem é que estas experiências em contexto escolar “os despertam para assuntos que estão na ordem do dia”.

Para Inês Sousa, “deputada” pelo círculo de Aveiro, esta é “uma oportunidade” que enriquece os estudantes “tanto a nível político como pessoal”. “Não que eu queira seguir isto [a política] como uma profissão, mas é sempre algo que quero ter presente na minha vida”, diz Inês sobre a sua experiência como deputada. “Acho que devemos ter uma posição e acho que devemos ter algo a dizer. Se temos o direito de ter algo a dizer, porque é que não vamos usufruir dele?”

Inês participa pela primeira vez na sessão nacional do Ensino Secundário, depois de duas vindas ao Parlamento, às sessões do Básico. Estudante de Ciências e Tecnologias no Agrupamento de Escolas Coelho e Castro, em Fiães, Santa Maria da Feira, aponta que a iniciativa desperta “preocupação com o mundo, com as diferenças e com as necessidades de intervenção que há”. “Às vezes os colegas lembram-se de ideias que nós nunca pensámos, que nunca imaginámos, em que também é necessário uma intervenção”. Sobre o tema deste ano, considera que “é necessário que se façam mudanças para que a igualdade de género seja efectiva e não seja apenas uma mera ficção”.

Entre os deputados (os “verdadeiros”) presentes para responder às perguntas dos alunos está Margarida Balseiro Lopes, do PSD. “Há 12 anos estava aí, onde vocês estão, a participar no Parlamento dos Jovens”, sorri ao cumprimentar os jovens homólogos. Ao PÚBLICO, a social-democrata não relaciona directamente a entrada na juventude partidária, da qual acaba de ser eleita presidente, com a participação no programa. “Aconteceu em simultâneo, estão relacionados, mas uma não é causa-efeito da outra”. A conversa é interrompida por Beatriz Viana, do Porto, que se apresenta para elogiar a social-democrata. “Gostei muito de a ouvir falar, da sua garra.”

Beatriz, de 18 anos, diz que por agora prefere não se ligar a nenhum partido, mas já participa na associação de estudantes da escola e acha que “os jovens têm todo o interesse em participar nestas iniciativas”. Uma das propostas do distrito do Porto, que esta aluna do Colégio de Nossa Senhora do Rosário vem representar, já foi aprovada: “campanhas de sensibilização com flyers, projectos, debates que estimulem este tema nas escolas”, descreve, para promover a mudança de mentalidades.

Margarida Balseiro Lopes sublinha que o impacto do programa depende de muito mais do que a encenação que se vê na sessão nacional. “Isto envolve uma preparação nas sessões escolares, nas sessões distritais, no debate e na negociação das medidas”, elenca a deputada, sublinhando também as competências desenvolvidas: “a questão do diálogo com os outros, da negociação, da oratória, do estudo de temas que não conhecemos.”

A investigação que é feita sobre a participação dos jovens aponta no mesmo sentido. Os jovens “reconhecem sobretudo potencialidades”, diz Norberto Ribeiro. “Tem impacto, e eles dizem isso. Ao nível da argumentação, de falarem em público, de despertar o interesse para determinadas temáticas políticas.”

A professora Elisa Costa, da Escola Secundária Camilo Castelo Branco, de Vila Nova de Famalicão, concorda: “O Parlamento dos Jovens é catalisador, não só no presente, mas no futuro das suas vidas.” Na prática, descreve esta professora de História, os jovens mais tarde “envolvem-se em petições, integram grupos de discussão, são mais participativos em manifestações, na participação por exemplo nos fóruns nas redes sociais”. Ou seja, conclui, desenvolvem mais acções de democracia participativa.

Jovens interessados

E existe um perfil dos alunos que participam? Inês Sousa, a aluna de Fiães, arrisca: “acho que são pessoas interessadas, que têm preocupações que não se resumem àquilo que a escola proporciona, ou seja, aprender e ir às aulas. Que procuram ir mais além, conhecer outras coisas e ter novas experiências.”

Inicialmente, quem se envolve nesse tipo de experiências são “jovens que já têm algum interesse pelas questões políticas e cívicas”, tendem a apontar os estudos sobre a área. Mas estes jovens, indica Norberto Ribeiro, “vão chamando os pares, que por arrasto vão ganhar interesse por essas questões”.

Outro factor para que este tipo de projectos de educação para a cidadania tenham um impacto mais significativo é o envolvimento das escolas. Elisa Costa fala com orgulho sobre o trabalho que faz com os seus alunos. Trouxe o Parlamento dos Jovens para a sua escola em 2009, e desde então conseguiu trazer alunos para a sessão nacional “seis ou sete vezes”. Salienta a importância de “elementos-chave nas escolas, que sejam mobilizadores, que façam o olhar do aluno brilhar, e que eles próprios sintam muito prazer nisso”. E, nesse papel, são os professores que fazem a diferença: “Se ele for um agente mobilizador, um agent provocateur como eu costumo dizer na brincadeira, ele provoca as consciências, interroga, estimula.” Com o devido apoio das direcções das escolas, sublinha, para este tipo de experiências que estão mais fora dos currículos tradicionais. E coloca a questão de que “o perfil do jovem de hoje também não é igual ao do passado”.

“As escolas estão assoberbadas, com metas curriculares para cumprir, pouco abertas a esse tipo de experiências que consegue promover o interesse dos jovens em participar nas suas sociedades”, confirma Norberto Ribeiro. Para o investigador, é importante a aposta em experiências de cidadania activa, em particular as que permitem mais envolvimento com a comunidade. É preciso também pensar que “o jovem já é um cidadão”, e não apenas “um cidadão em construção”. “Obviamente está a aprender, está a adquirir capacidades para se tornar um adulto que será diferente do que é agora”, sublinha. “Mas um jovem já tem uma cosmovisão, uma ideia de mundo específica, e deve exercer a sua cidadania desde logo na escola. Não podemos considerar a escola como uma mera preparação para a vida... Aquilo já é a vida.”

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