Transformar a participação cívica numa coisa divertida
Na maior parte dos casos, os processos participativos são mesmo chatos. Obrigam a filas de espera, a reuniões longas, a ler imensa papelada e ouvir, por vezes, o que não gostamos e quem não apreciamos. E tudo isso consome imenso tempo
Votaram nas últimas eleições? Participaram em algum processo de consulta pública? Fizeram algum activismo cívico concreto para além de colocarem uns likes ou umas partilhas nos média sociais? O mais provável é que não o tenham feito. Vivemos em liberdade e podemos escolher simplesmente não participar em nenhum dos processos formais de participação cívica e política. Não quero entrar aqui em moralismos e dizer que é uma vergonha, que não há futuro para as novas gerações. O que quero é dar-vos razão e defender que as coisas não têm de ser chatas, inúteis e inconsequentes. Se as coisas vos afastam é porque talvez sirva o interesse de alguém.
Se os processos de participação cívica são aborrecidos e não percebemos o benefício de participar, a culpa talvez não seja nossa. Na maior parte dos casos, os processos participativos são mesmo chatos. Obrigam a filas de espera, a reuniões longas, a ler imensa papelada e ouvir, por vezes, o que não gostamos e quem não apreciamos. E tudo isso consome imenso tempo, ocorre em períodos e horários estabelecidos, por vezes exigindo deslocações presenciais e os próprios processos arrastam-se no tempo, ao ponto da sua conclusão ser já extemporânea e nem nos lembrarmos de como a coisa começou o que fizemos a dado momento. O mundo já não é assim. Agora as coisas acontecem em tempo real, ao toque de um telemóvel. Podemos desligar se não gostarmos. Os conteúdos têm de ser trabalhados para que nos cativem, porque somos bombardeados por tudo e todos a pedir a nossa atenção. A verdade é que se não apreciarmos uma actividade, seja ela qual for, útil ou não, existem milhentas outras alternativas para nos entreter e satisfazer.
Este fenómeno tem vários nomes e podem ser descritos de muitas formas. O conceito de “racionalidade ignorante”, desenvolvido por Alenka Kerk, aplica-se aqui bem. No fundo diz respeito àquela opção que racionalmente se toma de não participarmos nos processos participativos cívicos e políticos porque: são trabalhosos, obrigam a estudar os temas, são consumidores de tempo livre e de lazer e porque, no final, não sabemos efectivamente se a nossa participação foi consequente ou, sequer, útil. O número de pessoas que optam por se afastar destes processos é crescente. Mas não estou aqui para fatalismos, porque há quem tenha esperança. Josh Lerner sugere que se transforme os processos participativos em algo divertido, utilizando várias técnicas, entre elas os métodos de gamificação dos processos democráticos. A sua obra Making Democracy Fun é uma referência que devia ser lida e os seus ensinamentos adaptados e implementados, seguindo os inúmeros casos de estudo relatados. Os processos democráticos podem ser mais divertidos e consequentes, porque disso depende a maior participação, nos dois sentidos. Neste momento será uma das estratégias para escapar ao ciclo vicioso: a política é chata, por isso não vou participar; porque não participo, nada mudo; depois são sempre os mesmos; os de sempre não querem mudar nem tornar a cidadania mais interessante porque perdem o poder; os talentosos afastam-se porque domina a mediocridade e assim se esvai a participação positiva e inovadora; etc.
E vocês alguma vez pensaram que se podiam divertir, com actividades lúdicas, relacionadas com assuntos sérios da vida pública e colectiva? E não estou a falar de gozar com políticos. Já pensaram que para fazer política não é preciso andar de fato e gravata e fazer comícios, andar a distribuir beijinhos nas feiras? Talvez não tenham tempo para isso, porque têm coisas mais divertidas e interessantes para fazer. Um dia talvez as coisas mudem, porque ainda há quem não quer deixar de se divertir, mesmo a fazer democracia na prática.