À sombra da oliveira de Alberto Carneiro

Última criação do escultor integra a rota contemporânea do mapa de arte pública relançado pela Câmara do Porto. Dois canteiros de relva com uma árvore verdadeira e três metáforas: para ligar a arte à vida.

Carro, área urbana
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Paulo Pimenta
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Três metáforas de árvores para uma árvore verdadeira. Alberto Carneiro (1937-2017) gostava de intitular assim as suas criações, por extenso, mas aquilo que pode parecer apenas uma fórmula descritiva e redundante é, na realidade, a inscrição de uma estética e de uma filosofia: a ligação estreita entre a arte e a vida.

Há mesmo uma árvore verdadeira (uma oliveira bicentenária) e três metafóricas (esculpidas em granito) na instalação que este sábado, pelas 17h30, será inaugurada no Largo de São Domingos, no centro histórico do Porto. Esta derradeira obra do escultor desaparecido em Abril do ano passado é também a última criação de arte pública a inscrever-se na rota relançada pela Câmara Municipal do Porto segundo o plano concebido pelo antigo vereador da Cultura da autarquia, Paulo Cunha e Silva (1962-2015), para transformar a cidade num “museu de arte a céu aberto” – um projecto a que a autarquia irá entretanto dar continuidade.

Três metáforas de árvores para uma árvore verdadeira é um conjunto constituído por dois canteiros relvados que, além de uma oliveira de porte médio oriunda do habitual fornecedor de Alberto Carneiro na sua terra natal, São Mamede do Coronado, perto da Trofa – para onde o artista regressou nos últimos anos da sua vida –, acolhe também “três metáforas de árvore”, esculturas em granito azulália com cinco, seis e sete metros de altura, em cujos troncos estão inscritas as palavras “Arte” e “Vida”.

“Uma árvore é uma obra de arte quando recriada em sim mesma como conceito para ser metáfora”, disse o escultor, para quem a arte e a vida foram sempre uma só coisa, e que cultivou esse lema nas diferentes fases por que passou a sua obra.

Ao anunciar a inauguração da nova escultura, a Câmara Municipal do Porto recorda que esta obra foi encomendada em 2014 a Alberto Carneiro por Paulo Cunha e Silva, que o desafiou a preencher o espaço recuperado do Largo de São Domingos, no âmbito do projecto de Arte Pública do Porto.

Homenagem e reparação

Logo no início do ano seguinte, quando da inauguração do painel de Fernando Lanhas, À Cidade, na parede sul do túnel da Ribeira – que abria esse novo ciclo de investimento artístico no espaço público portuense –, o vereador anunciou, para o final de 2015, a instalação da peça de Alberto Carneiro. “Na minha opinião, ele é um dos grandes artistas vivos da cidade e não tinha ainda uma obra no espaço público. Julgo, por isso, que é meritória esta reparação da cidade para com um dos seus artistas fundamentais”, disse então Paulo Cunha e Silva ao PÚBLICO.

Quis o destino que estes dois protagonistas desaparecessem sucessivamente: o vereador, em Novembro desse ano; Carneiro, em Abril de 2017. Mas este viveu ainda o tempo suficiente “para poder concretizar o seu projecto, o que fez entre o Verão de 2016 e Janeiro seguinte”, recordou agora ao PÚBLICO a sua viúva, Catarina Rosendo.

Esta historiadora de arte é uma das convidadas, este sábado, para moderar mais uma sessão do ciclo Um objecto e seus discursos por semana, que vai precisamente ter a obra de Alberto Carneiro como “objecto”. Participam também Floriano Santos, engenheiro da Cooperativa dos Pedreiros, onde foram entalhadas e montadas as peças que formam as “três metáforas de árvore”, e o bailarino e coreógrafo Pedro Prazeres, também arquitecto paisagista, que “vai dançar entre e com estas árvores, numa conversa de palavras, movimentos e sons”, anuncia o programa.

Três metáforas de árvores para uma árvore verdadeira torna-se assim, verdadeiramente, na primeira obra do escultor instalada no espaço público e ao ar livre no Porto, cidade onde Carneiro está no entanto já representado com as seguintes peças: Água sobre pedra (antigas instalações da Secção Regional do Norte da Ordem dos Arquitectos, à Rua de D. Hugo, 1993); Sete flores de lótus para uma coluna (Biblioteca Municipal Almeida Garrett, 2001); Ser árvore e arte (Parque de Serralves, 2002) e Sobre chamas (Estádio do Dragão, 2003).

A nova instalação no Largo de São Domingos vem, de algum modo, completar as obras de renovação do espaço público na continuidade com a histórica Rua das Flores, em ligação estreita com uma outra peça do programa elaborado por Paulo Cunha e Silva: a escultura de Rui Chafes O meu sangue é o vosso sangue, na parede exterior do Museu da Misericórdia do Porto (MMIPO) – que tem patente, até 20 de Maio, a exposição Ribeira Negra, genealogia e processo, de Júlio Resende, que documenta os estudos que o pintor portuense fez para o icónico painel na Ribeira, também praticamente ao lado da atrás referida obra de Fernando Lanhas.

As outras obras que integraram o plano do antigo vereador da Cultura – e que foram incluídas na Rota da Arte Contemporânea, no mapa lançado em Julho de 2017 – encontram-se na Avenida Dom Afonso Henriques: Kneaded memory (Memórias amassadas, 2014-15), de Dalila Gonçalves; e Dead End#15 (2015), de João Louro, que vieram acrescentar-se, na mesma rota, a peças de Ângelo de Sousa e de Pedro Cabrita Reis, mas também dos artistas estrangeiros Richard Serra (Parque de Serralves) e de Juan Muñoz (Jardim da Cordoaria).

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