Estamos no céu. Mesmo, tanto no sentido literal, como no figurado. Como é que lá chegamos? A bordo de um balão de ar quente. Dizia quem nos fez descolar que cada vez que voa é como esta, assim, “indescritível”. “Mas isso é para pessoas românticas” — e provavelmente também não é o adjectivo ideal para quem tem de descrever a experiência com algum detalhe. “Olá, o meu nome é Aníbal Soares, sou piloto de balão e este é o meu primeiro voo”, apresenta-se. Há alguém que se mexe no cesto para o encarar de frente e tentar decifrar se está ou não a brincar. O piloto segura os últimos segundos de suspense com perícia, não é decerto a primeira vez que tenta esta piada: “Hoje. É o meu primeiro voo hoje, calma pessoal.” Os sorrisos nervosos de quem verdadeiramente vai ter o seu baptismo de voo desfazem-se em gargalhadas. Missão cumprida. Agora sim, podemos levantar.
Eles já estavam à espera quando chegamos ao descampado atrás do edifício que albergava o antigo seminário do Fundão. Os cestos de verga ainda tombados, os panos de nylon a começar a abrir. “Estes já querem ir com o vento”, ri-se o outro piloto, João Rodrigues. E estavam a conseguir: quanto mais tempo passava, mais alto os panos voavam. Vistos dali, ultrapassavam o cume da serra mais alta de Portugal continental, que nos iria acompanhar durante todo o passeio, em terra e no ar, na Gardunha. Focamos o olhar. São dois balões: um primaveril, de pano amarelo, azul, cor-de-laranja, e um verde e branco, mais discreto, as mesmas duas cores que havíamos de ver a dançar lá em baixo, enquanto flutuávamos.
Aproximamo-nos mais, decididos a conhecer os gigantes por dentro. “Podemos entrar?”, pedem ao nosso lado. “Não é preciso bater à porta, entrem claro”, responde aquele que viria a ser o nosso piloto, Aníbal, saído do meio do envelope (assim se chama a parte principal do nosso meio aéreo de hoje). Avançamos, directos à garganta, preparados para sermos engolidos. Pelas cores e as sombras parece que entramos dentro de um insuflável para crianças. Parte do tecido ainda está pousado, a formar o chão da tenda enorme que nos rodeia. “Demora vinte a trinta minutos até estar pronto a levantar”, diz-nos, por cima do barulho do ventilador e do vento. “Pensávamos que iam chegar mais cedo, mas afinal ainda temos tempo!”
Ups. Os passeios de balão de ar quente, já se sabe, são “perfeitos ao nascer do sol”. De manhã, “começam os sons matinais, e depois ao entardecer é o contrário, vale a pena pelo silêncio e o pôr do sol.” “E olhe onde o sol já vai hoje”, continua Soares, “a hora ideal seria um quarto para as 7h, o mais tardar 7h.” Não madrugamos tanto, é a verdade, e são quase nove horas quando entramos no cesto. O vento está de feição, ainda assim um “pouco fraco” para ser considerado perfeito, avalia quem sabe.
Verifica-se o variómetro-altímetro, murmuram-se palavras de um rádio para o outro e a chama continua a aquecer o ar no balão. Até que finalmente levantam, um a seguir ao outro, dois pontos de exclamação no céu, a afastar as nuvens.
A partir de agora, o piloto só pode decidir quando aterrar: o resto, para onde e a que velocidade vai, cabe aos ventos indicar. É preciso “confiar” neles, mas não tanto quanto é preciso ter “experiência” para se saber deixar ir.
Espera-nos uma hora a flutuar sobre as cerejeiras que, por estes dias de Abril, ainda só têm flores para atrair quem espera (ansiosamente) pelas cerejas de Junho. As árvores de troncos muito curtos e ramos anelados três vezes mais longos distribuem-se por corredores estritamente paralelos. Apreciadas de cima, parecem centenas de rebentos brancos. Por vezes, voamos tão baixo que basta esticar um braço para lhes tocar.
É nestas alturas (ou melhor dizendo, nestas altitudes) que Aníbal Soares aproveita para conversar com quem segue o balão com o olhar, a mão direita a tapar o sol. “Bom dia! Viemos acordá-la, já viu?”, cumprimenta a dona da casa que parecemos prestes a invadir. De lá de baixo chega um aceno de volta, forte, com vontade.
Não é preciso gritar para ser ouvido, já que, tirando os momentos em que o piloto dá “ao queimador” (utilizado para aquecer o ar dentro do balão para o fazer subir), o passeio é tão silencioso quanto o ambiente que o rodeia — e asseguramos que o barulho ali, na serra da Gardunha, distrito de Castelo Branco, não é mesmo um problema.
Quem nos guia foi um dos dois primeiros portugueses a ter licença de piloto de balão de ar quente, em 1993. O outro foi João Rodrigues, que flutua um pouco mais à frente e que no final do mês volta para a Tanzânia, onde faz safaris (de balão, claro) no parque nacional do Serengeti. Os dois gostam de olhar para baixo a ver a reacção de quem os aprecia, que agora não vai mais longe do que tirar o telemóvel do bolso para conseguir uma fotografia do céu que eles salpicam.
No início, em Évora, quando aterravam “era uma peregrinação”, ri-se o primeiro. “As pessoas vinham a correr ter connosco, vinham de bicicletas, de motoretas. Para elas o balão tinha era caído”, acrescenta o segundo. Uma dessas vezes, Aníbal estava a passar atrás de uma colina, baixinho, e aproxima-se de um agricultor que estava a cavar. “O homem não viu o balão e quando estou mais ou menos a esta altitude [estávamos a passar rente a um telhado] dou ao queimador. O homem olhou para cima, atirou a enxada fora, começou a correr e só se ouvia ‘ai de mim que me vêm buscar, ai de mim’, aos gritos”. Um dos passageiros conhecia-o e chamou-o pelo nome. Foi pior a emenda: “Ai que eles sabem o meu nome e vêm-me buscar!”.
Também já testemunhou momentos felizes a bordo, “verdadeiras declarações de amor” (bem avisou que isto era “para os românticos”) e outros que não chegaram a viver felizes para sempre, depois de um pedido de casamento que teve um “não” redondo como resposta.
Há sempre humor nas (muitas) histórias que conta. Interrompe-as só para chamar a atenção para alguns pontos que o nosso miradouro de 360 graus, em movimento, nos permite ver. O manto branco efémero dos cerejais numa luta desigual com o manto branco de neve que ainda cobre a serra da Estrela (de onde Aníbal já descolou da zona da torre); as casas cercadas pelos campos cultivados; os campos cercados pelas montanhas de um lado e as estradas do outro; as pessoas a acenarem das casas, dos campos e das estradas; os cães a correrem atrás da sombra do balão.
Aproxima-se a hora programada para aterrar e “nós podíamos ficar aqui parados, quase”. Suspensos. Tudo porque o “vento está muito fraquinho” e não parece querer levar-nos para lado algum. “Temos de aterrar num sítio que cause o mínimo impacto negativo”, relembra o piloto, em voz alta, enquanto olha em volta, como uma águia prestes a atacar. E ali está ele. Um rectângulo disforme, comprido. Tem flores, mas são selvagens — e como não vão dar cerejas, está aprovado.
Ocasião de relembrar as instruções de segurança: “Virar as costas ao sentido do voo, agarrar as pegas à nossa frente, encostar as costas, flectir as pernas.” E ficar nessa posição até novas ordens. A aterragem é um sucesso. Saltamos para fora, ainda meio zonzos, passamos pelo meio de um jardim (“desculpe, desculpe”) e vamos em direcção ao outro balão, que agora se espalha pelo chão. Por lá, já há quem tivesse gostado tanto do passeio que queira um só para si.
Cada um daqueles balões “anda na ordem dos 60 mil euros, mais impostos”, calcula João Rodrigues, o “elemento mais versátil da equipa” que está também “responsável pela manutenção dos equipamentos”. Estes preços baixam para quem procure um exemplar mais familiar, de lazer, com capacidade para transportar duas ou três pessoas. “Nesse caso consegue-se, em segunda mão, na ordem dos dez mil euros. Novo vai para os 30-35 mil.” Vimos o entusiasmo esmorecer um pouco (um passeio de balão de uma hora, em Portugal, rondará os 150 euros).
Mas os passeios são como as cerejas, tropeçam uns nos outros. Há, por isso, mais do que uma maneira de conhecer bem de perto as árvores que, entretanto, já tiraram o vestido branco e estão prestes a pendurar os brincos vermelhos, que este ano chegam duas a três semanas atrasados, culpa das condições climatéricas atípicas de Março. É esperado que as primeiras cerejas apareçam “em meados de Maio”, nos pomares a sul da Gardunha, onde o fruto amadurece mais cedo, e no início do mês seguinte, a norte. Por isso é que, depois das flores, o turismo do Fundão já só pensa no fruto de Verão.
Durante todo o mês de Junho decorrerá nos estabelecimentos aderentes o festival gastronómico “Fundão, aqui come-se bem”, com foco nos “sabores da cereja”. Poderá aproveitar também o próximo mês para apadrinhar uma cerejeira, campanha que este ano tem associados descontos de 15% em várias unidades de alojamento do concelho. Por 20 euros e uma visita por ano, receberá em casa uma cesta de dois quilos de cerejas e a possibilidade de, caso a sua árvore triunfe, ir depois colher os frutos as vezes que quiser.
Se quer visitar a região sem compromisso (mas com cerejas) a proposta é alugar um cesto de piquenique e procurar a sombra dos pomares para desfrutar dos produtos regionais (há três cabazes, entre os 20 e os 35 euros). Pode lá chegar de bicicleta eléctrica, por exemplo, seguindo a estrada panorâmica entre as aldeias de Souto da Casa e Alcongosta; de balão de ar quente, já que os passeios deverão voltar a decorrer durante todo o próximo mês; ou de comboio, nas rotas temáticas com vista para os “pomares de cereja em Alcongosta”, acompanhadas por guias-turísticos (todos os sábados, de 25 de Maio a 2 de Julho, parte o comboio da cereja e nos fins-de-semana o comboio turístico). Estão ainda pensadas visitas guiadas, de 1 de Junho a 15 de Julho, em quintas — que poderão ter mais do que um trunfo.
A Fugas viajou a convite da Câmara Municipal do Fundão