Vai haver uma sala reservada no Museu de Arte Antiga

Será apenas por meio ano, mas nela vão estar expostas, do chão ao tecto, 70 obras das reservas que têm em comum a representação do nu. Noutros tempos seria preciso um passe especial para entrar.

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A Cortesã (1640), de Jacob Adriaensz Backer Cortesia: DGPC/ADF
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Estudo para a figura de Galateia (1819), desenho a carvão de de Anne-Louis Girodet (1767-1824) Cortesia: DGPC/ADF, Luísa Oliveira
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Estudo para a figura de Pigmalião (1819), desenho a carvão de de Anne-Louis Girodet (1767-1824) Cortesia: DGPC/ADF, Luísa Oliveira
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O Inferno (c.1510-1520), mestre português desconhecido Cortesia: DGPC/ADF

No século XIX, vários museus europeus, entre eles o Prado, tiveram salas reservadas onde eram expostos os nus das suas colecções. No caso do museu madrileno, que tem um dos mais importantes acervos de pintura do mundo, nesses espaços marginais, longe do circuito principal de visita e onde só podia entrar quem tivesse um passe especial, chegaram a estar expostas cerca de 70 pinturas, algumas de grande formato e de artistas como Ticiano, Rubens e Tintoretto.

“Com uma colecção fabulosa, é natural que essas salas reservadas tivessem obras de grande qualidade, com figuras e cenas carregadas de erotismo”, diz ao Ípsilon José Alberto Seabra Carvalho, conservador de pintura e director-adjunto do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), em Lisboa.

As salas reservadas do Prado, que festeja 200 anos em 2019, mantiveram-se durante uma década (1827-1838). Fecharam quando o pintor José de Madrazo, então director do museu, decidiu que era absolutamente anacrónico privar o visitante comum das obras que nelas eram expostas e distribuiu-as pelo museu, de acordo com as escolas a que pertenciam.

Em Portugal nunca houve salas reservadas nos museus, explica Seabra Carvalho, talvez por falta “de Rubens carnais e Ticianos mitológicos”. Mas agora, entre 19 de Maio e 28 de Outubro, o MNAA vai colmatar essa ausência e, ao mesmo tempo, entrar no debate sobre o que deve ou não estar exposto nos museus, no contexto de uma reflexão que se tem feito a nível internacional nos últimos anos e que se intensificou recentemente no rescaldo do escândalo de violência sobre as mulheres que estalou em Hollywood e que depois se estendeu às mais diversas áreas, pondo a opinião pública a pensar na forma como o feminino é representado nas colecções e no número reduzido de mulheres que ainda figuram na lista de artistas dos museus.

Explícita. Arte proibida? vai transformar a Sala do Tecto Pintado do MNAA num museu do século XIX, mostrando 70 obras saídas das reservas, sobretudo pintura, desenho e gravura, mas também livros, ourivesaria, cerâmica e até um relógio com uma cena de sexo que se revela quando está a trabalhar. Estas peças que vão do século XVI ao XIX têm em comum o facto de representarem nus de forma mais ou menos explícita, mais ou menos sugestiva. Cobrirão as paredes, do chão ao tecto, e sem as habituais legendas a acompanhá-las, como era tradição há 100 anos. A informação sobre cada uma será dada no jornal da exposição, onde virão reproduzidas, assim como outras 12 que, mantendo o seu lugar no habitual circuito de visita do MNAA, fazem parte desta Explícita e estão devidamente assinaladas como tal (como O Inferno).

Só uma das obras que estão expostas todos os dias no museu irá do seu lugar do costume para a Sala do Tecto Pintado – A Cortesã (1640), de Jacob Adriaensz Backer. No espaço que geralmente ocupa é deixada uma réplica, “com a parte sensível coberta por uma faixa”.

“A ideia é que o visitante sinta o efeito esmagador do conjunto, o efeito vertiginoso”, adianta o conservador de pintura, garantindo que neste lote de 70 obras haverá lugar para amores sagrados e profanos, para amores mitológicos, literários e, claro, proibidos. “A exposição tem um lado divertido, mas tem outro reflexivo. Quer pôr as pessoas a pensar nesta espécie de novo puritanismo que pode não parecer mas é uma coisa muito séria.”

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