O cowboy holandês, o viking dinamarquês e o jogo de portas da Moldávia estão na final
Já estão escolhidas todas as 26 canções para a final da primeira edição da Eurovisão realizada em Portugal.
Na sala de imprensa da Eurovisão, quando não há nenhum espectáculo ou conferência de imprensa a decorrer, os ecrãs grandes passam em loop vídeos de promoção de turística de Portugal sem som. É através dessas mesmas telas que se pode ver a transmissão televisiva de cada etapa do concurso que o público também vê em casa, só que sem intervalos nem comentários.
É um sítio onde se pode ver de tudo, desde bandeiras e caras pintadas das cores de cada país até à imitação de César Sampson, o candidato austríaco, feita em cartão e tamanho real. Minutos antes da segunda meia-final, que se realizou nesta quinta-feira, um jornalista polaco, com um chapéu parecido ao usado em palco pelos compatriotas Gromee e Lukas Meijer, cantava Light Me Up, que representa a Polónia, enquanto andava de um lado para o outro a filmar-se a ele próprio com o telemóvel – o próprio duo estava à porta desta área, horas antes, a tirar fotografias junto ao rio.
Havia sacos alusivos a Taboo, a canção da concorrente maltesa Christabelle, e t-shirts de Julia Samoylova, a candidata russa. Outro correspondente acreditado distribuía folhas do site ESCPlus (www.esc-plus.com) para se votar numa das 18 canções a concurso na segunda semifinal do Festival Eurovisão da Canção 2018. Só dez podiam passar, e as apuradas foram as da Sérvia, da Moldávia, da Hungria, da Ucrânia, da Suécia, da Austrália, da Noruega, da Dinamarca, da Eslovénia e da Holanda.
O espectáculo começou com o norueguês Alexander Rybak, vencedor do concurso em 2009 e, segundo o texto com que foi introduzido, interpretou a 1500.ª composição a desfilar pela competição, That's How You Write a Song. É um tema meta-referencial que se refere às partes com que se escreve uma canção. Por cima dele, desenhos de instrumentos, notas musicais e corações. Rybak mereceu as primeiras palmas da noite na sala de imprensa.
A concorrente sérvia foi a terceira a ser apresentada: Nova Deca ("as novas crianças"), de Sanja Ilic, com os seus cabelos e barba branca, e dos seus Balkanica. O grupo moderniza e transforma em música de dança – à moda dos anos 90 – a tradição medieval sérvia e bizantina. Uma aposta muito eurovisiva no drama, com músicos vestidos de preto e branco. Apesar dos robôs a dançar, San Marino, que veio logo a seguir, não passou.
Em quinto veio o viking dinamarquês Rasmussen, com a sua trupe vestida de preto, a sua barba ruiva e cabelo comprido e as velas de barco viking em palco, cantou em Higher Ground como resolver conflitos de forma pacífica. É um tema muito eurovisivo, inspirado na lenda do chefe Magnus Erlendsson. No fim, o intérprete agradeceu ao público, muito contente.
Os três candidatos seguintes foram ambos apurados. Os moldavos DoReDos e o seu My Lucky Day tinham um elaborado jogo de palco que envolvia duplos de cada um dos três cantores, que estavam sempre a sair e a entrar de portas e janelas, vestidos de azul, amarelo e vermelho, num delírio technicolor à anos 1950 que envolvia sopros dos Balcãs e batidas de dança. Palmas automáticas dos jornalistas. O tema foi escrito pelo popular cantor russo de origem búlgara Philipp Kirkorov, que também acompanhou, tal como os duplos dos cantores, o trio na conferência de imprensa que se seguiu ao espectáculo.
Logo depois, o cowboy holandês Waylon, cujo nome foi tirado de Waylon Jennings e faz outlaw country e rock à moda sulista – mas soa também bastante a Guns N' Roses –, veio com chapéu preto e casaco pele de leopardo interpretar Outlaw In 'Em, a canção mais americana a concurso, co-escrita por um norte-americano.
Os dançarinos, negros, fizeram playback instrumental ao início e depois introduziram krumping, uma dança de rua norte-americana, uma mistura estranha que levou a algumas acusações de racismo – às quais, na conferência de imprensa, o músico respondeu com palavrões e disse que quem as fez na Internet devia ter vergonha.
A australiana Jessica Mauboy, filha de pai timorense e mãe aborígene, cantou We Got Love, que tem o seu quê da introdução de bateria de I'll Be Ready, o tema-título de Marés Vivas, com um intenso jogo de luzes por detrás dela. Seguiu-se um momento Oprah de Filomena Cautela no green room, a distribuir pastéis de nata em vez de carros, quando na RTP era intervalo.
É estranho ver uma banda que existe há 12 anos fazer playback instrumental na Eurovisão, mas estranheza é algo que faz parte do ADN do concurso. Foi esse o caso dos húngaros AWS, que surgiram em 15º lugar na cerimónia e fazem metalcore/pós-hardcore com portentosos gritos, e o seu Vislát Nyár. Desta feita, houve mesmo stagediving do guitarrista, algo que é bem mais fácil quando não se está mesmo a tocar.
Duas canções depois, o sueco Benjamin Ingrosso – o apelido não engana: é primo de Sebastian Ingrosso, o produtor e DJ dos Swedish House Mafia – trouxe, com luzes vermelhas e azuis de cada lado da cara, o segundo momento disco-funk da noite, Dance You Off, com vocoder à Daft Punk. É o 60.º ano em que o país participa na Eurovisão.
A música parou a meio da actuação da penúltima candidata da noite, a eslovena Lea Sirk. Pediu ao público para a ajudar com palmas e cantou mesmo assim, a cappella. Fez exactamente o que tinha feito no ensaio-geral de quarta-feira à tarde e no espectáculo para as famílias. A sua Hvala, ne! ("obrigado, não!"), uma canção que tem dito que não adora, apesar de ter sido co-escrita – em dez minutos, imediatamente antes de a submeter à selecção nacional do seu país, segundo disse na conferência de imprensa – e co-produzida pela própria, é da pop electrónica mais contemporânea a concurso.
Por fim, o ucraniano MÉLOVIN, que teve uma interpretação vampiresca da sua Under The Ladder. Acompanhado pela sempre fiel lente de contacto branca e azul no olho esquerdo, começou dentro da cauda de um piano iluminado a vermelho, procedendo a descer as escadas em espiral desse piano, ao qual voltou no fim para tocar.
Além da música, desta feita, passou na transmissão da RTP a segunda edição ESClopedia, de Pedro Penim, com factos sobre edições anteriores do festival, que serviu de introdução para um número, também narrado por Penim, em que as apresentadoras Sílvia Alberto, Catarina Furtado, Daniela Ruah e Filomena Cautela dançaram ao som de estilos musicais da Eurovisão ao longo dos anos.
Mas não foi visto nem o segundo episódio de Planet Portugal, com a imitação de Herman José do Planet Earth de Sir David Attenborough – que voltou a causar polémica no Twitter junto de alguns espectadores internacionais –, nem uma contextualização, também por Penim, da história política do festival, culminando na forma como E Depois do Adeus serviu como palavra-passe da Revolução de 1974.
Ainda na transmissão televisiva, no green room foram apresentados os concorrentes dos cinco grandes que ainda não tinham aparecido na primeira semifinal e tiveram direito de voto nesta etapa e acesso directo à final. Filomena Cautela e Catarina Furtado pediram aos intérpretes que fizessem versões de temas antigos que foram à competição. A cantora dos franceses Madame Monsieur interpretou Amar Pelos Dois em francês, o alemão Michael Schulte tocou ukulele e cantou Fly On The Wings of Love, dos Olsen Brothers, a vencedora dinamarquesa da Eurovisão do ano 2000, enquanto os italianos Ermal Meta e Fabrizio Moro cantaram (e instigaram a arena a ajudar) Nel blu dipinto di blu (vulgo Volare), de Domenico Modugno, que ficou em terceiro lugar em 1958, mas perdurou mais do Dors, Mon Amour, o vencedor.
As concorrentes destes países são três das 16 outras canções que vão à final de sábado. Além delas e das dez vencedoras da primeira semifinal de terça-feira – Albânia, Áustria, Bulgária, Chipre, República Checa, Estónia, Finlândia, Irlanda, Israel e Lituânia –, há a portuguesa O Jardim, de Cláudia Pascoal e Isaura, que ficou automaticamente qualificada, e as canções do Reino Unido e da Espanha.