Já é conhecido o despacho que declara a morte há muito anunciada do temível Harrison, exame de acesso à especialidade médica. Como de costume, cá no burgo, esta decisão vem envolta em polémica, não porque o dito exame acaba, mas porque o que se segue irá ter um custo de 90 euros. A Associção Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM) já se insurgiu contra este pagamento. Actualmente, embora a maioria não o reconheça, a classe médica é uma das mais penalizadas pelas políticas dos últimos anos e o estudantes de medicina não passam ao lado desta realidade.
Se todos conhecemos a dificuldade que é entrar num curso de medicina, que ano após ano atinge candidaturas recorde, poucos sabem que estes alunos, uma vez na faculdade, têm de comportar custos como qualquer outro, que o facto de estarem numa faculdade de medicina não é sinónimo de burguesia ou elite.
Longe vão os tempos em que apenas filho de doutor virava doutor. Temos hoje nas faculdades de medicina deste país pessoas de origens humildes, sem grandes posses, mas que como qualquer outros jovens portugueses vão à procura daquilo que os vai realizar pessoal e profissionalmente. Convém dizer que têm todo o direito a essa prossecução da felicidade. Esta nova despesa vem dar mais um golpe nos já massacrados bolsos de quem estuda no ensino superior.
Pagar 90 euros por um exame nacional de acesso à especialidade é uma aberração e uma indignidade para um país de direito como aquele em que vivemos. Agora, para se poder aceder a esta profissão é necessário pagar, digamos, uma espécie de bula encoberta sobre pretextos de financiamento e funcionamento de um novo gabinete que realizará esta prova.
Os impostos que pagamos não servem para termos direito aos serviços do Estado? Não é este que nos deve garantir as condições necessárias para o justo acesso às profissões?
Já tinha falado no direito de acesso às profissões no âmbito dos advogados estagiários, mas é imperativo que se fale neste caso também. É imperativo que se dê a conhecer as injustiças e desigualdades para poder exercer determinado tipo de profissões. É justo que se acabe com o Harrison, aliás, é tempo de dizer finalmente! Mas atrás de uma coisa boa tem de vir sempre uma taxa?
Os estudantes de medicina devem ter o livre acesso à sua especialidade e este não deve ser pago. Façam este novo exame sim, mas façam-no conscientes de que o fazem porque era preciso mudar o modelo desajustado e retrógrado do Harrison. Façam-no porque queremos cada vez mais e melhores médicos porque há muito que os estudantes o reivindicavam. Não o façam para aproveitar a oportunidade de cravar mais um prego na democratização das profissões.
Entrar na faculdade, pagar renda de casa, materiais, alimentação e as propinas. Agora estes 90 euros. Quanto dinheiro terá de desembolsar um português para ser médico?