Entre África, o hip-hop e a dança contemporânea, o que interessa é dançar

Amala Dianor estreia-se em Portugal no Festival DDD – Dias da Dança com Quelque Part Au Milieu de L’Infini, um espectáculo a três e em crescendo, onde se cruzam várias linguagens. Este domingo, no Palácio do Bolhão.

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VALÉRIE FROSSARD

Para Amala Dianor, tudo começou com o hip-hop. Seguia atentamente os passos de Michael Jackson e Bruce Lee, dançava ao ritmo do rap americano, participava constantemente em eventos e festas, ensinava aquilo que lhe passava pelo corpo. Até que se aborreceu. “Na maior parte do tempo era sempre a mesma coisa: as mesmas pessoas, a mesma maneira de pensar a dança”, conta ao PÚBLICO o bailarino e coreógrafo senegalês de 41 anos, que vive em França desde criança. “Havia pessoas da velha escola que nos mostravam como devíamos dançar. Diziam-me: ‘Se fizeres o movimento assim está errado, tens de fazer desta maneira’. E se eu quisesse fazer de outra forma?”, pergunta Amala Dianor, que este domingo se estreia em Portugal com um dos seus mais recentes trabalhos, Quelque Part Au Milieu de L’Infini. Será às 17h, no Palácio do Bolhão, no Porto, em mais um capítulo da terceira edição do Festival DDD – Dias da Dança.

Farto de imposições, encontrou “liberdade” na dança contemporânea. Em 2000, aos 24 anos, foi o primeiro bailarino de hip-hop a entrar no Centro Nacional de Dança Contemporânea de Angers, onde se formou – e isso foi como um “novo começo” para ele. Foi “maravilhoso” descobrir que podia criar uma coreografia sem música, estar parado ou deitado no palco, caminhar em cena. “Costumo dizer que comecei mesmo, mesmo a dançar quanto entrei na escola”, assinala o coreógrafo. “Encontrei na dança contemporânea a possibilidade de me mover como me apetecia, de fazer o que queria.” Mas sem esquecer as origens. “Tive e tenho sempre em mente a minha costela de bailarino de hip-hop. O que tento fazer é misturar vocabulários.”

Esse cruzamento e esse contágio estão bem entranhados em Quelque Part Au Milieu de L’Infini, um espectáculo para três bailarinos (incluindo Dianor) que vai crescendo no ritmo, na intensidade, na intimidade. Uma coreografia pendular e vaporosa feita de embalos e colisões entre movimentos de hip-hop, dança contemporânea e danças africanas, como o sabar do Senegal e danças tradicionais do Burkina Faso – estas últimas interpretadas por Souleymane Ladji Kone, bailarino e coreógrafo de Ouagadougou com quem Amala Dianor quis colaborar mal o viu a dançar (foi tiro e queda, bastaram cinco minutos para ficar convencido).

“Tanto o bailarino do Burkina Faso como o da Argélia [Saïdo Lehlouh] começaram no hip-hop e ambos cruzam diversas técnicas, como eu. O que queria era ver como eles conseguiam conectar-se com o meu movimento, acompanhar-me no meu processo”, explica Dianor, que é artista associado do Pôle-Sud – Centre de Développement Chorégraphique National, em Estrasburgo, do Le Centquatre, em Paris, e do Scènes de Pays dans les Mauges, em Maine-et-Loire. “A ideia para esta peça era começar muito devagar e ir acelerando cada vez mais até estarmos exaustos e termos de encontrar outra maneira de nos conectarmos sem ser através da dança”, acrescenta. A dinâmica em crescendo tem a ver com “tentar sempre mais, não desistir, e ver aonde isso nos leva”.

Quelque Part Au Milieu de L’Infini surge de uma pequena crise existencial. Desde que fundou a sua própria companhia, em 2012, que Amala Dianor tenta perceber o que é isso de ser “um bom coreógrafo”. “Experimentei muitas coisas, algumas resultaram, outras não. Quando criei este espectáculo estava a questionar-me bastante”, diz. “Vejo-o como uma interrogação sobre mim. Pela primeira vez levei a sério o que as pessoas me disseram sobre uma peça minha.” E se há quem fale em possíveis mensagens de teor político (a diluição de fronteiras, a procura do colectivo e da solidariedade), a verdade é que o coreógrafo não quer ir por aí. “Não é isso que quero mostrar. Quero mostrar a minha maneira de me mover, de ser eu próprio através de todos estes vocabulários.” Dianor reconhece que ver corpos não-brancos em palco, sobretudo em festivais europeus, carrega, só por si, um certo significado político, mas “cabe ao público reflectir sobre isso”. O que lhe interessa é dançar, “apenas dançar” – mesmo sem ter percebido ainda se é ou não “um bom coreógrafo”.

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