“Se tivéssemos alguma agressividade, teríamos mais gente lá fora, e não só o fado”

Lança De Mim Para Mim com uma declaração de amor às novas gerações de músicos portugueses. No fado e muito para além dele.

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Jorge Fernando fotografado para o disco De Mim Para Mim JOSÉ FERREIRA

Não começou bem mas acabou bem. Em 2017, Jorge Fernando estava insatisfeito com um disco que andava a preparar e disse isso mesmo em entrevistas. Admitia até abandonar esse trabalho. Mas acabou por, mantendo os temas, mudar de rumo e recuperá-lo. Assim surgiu De Mim Para Mim, sucessor de um dos seus discos mais ousados, Chamam-lhe Fado (2012), onde teve por convidados Fausto Bordalo Dias, Patxi Andión, Nu Soul Family, Expensive Soul, Celeste Rodrigues, Filipa Cardoso, Ricardo Ribeiro, Fábia Rebordão, Sam The Kid. Agora, tem Dino D’Santiago, Fred Ferreira, Guilherme Banza, Custódio Castelo, André Dias, Bruno Chaveiro, Marino de Freitas, programações electrónicas de José António Pedro ou Marcos Santar Pereira e vozes de António Zambujo, Agir, Jorge Nunes e Fábia Rebordão.

Jorge Fernando começara a fazer alguns temas com Pablo Lapidusas, músico e arranjador argentino sediado há anos no Brasil, e, apesar da qualidade deste, o resultado embaraçou-o. “Pensei: isto não reflecte o que eu sou, desvirtua um pouco as minhas músicas tornando-as brasileiras mais que tudo. E o que é que as pessoas iriam pensar? O rapaz abrasileirou-se?” Por isso, mudou os músicos e o conceito. E disse: “Vamos aportuguesar isto, por favor.”

E recuperou a ideia inicial que o levou a gravar, como ele diz ao PÚBLICO: “Tentar uma aproximação às pessoas com mensagens que hoje me são dadas a ver. Eu gosto de contar histórias, de ‘mensajar’ qualquer coisa. E hoje o mundo não se penteia nem se veste da mesma maneira, está tudo realmente em mudança. No nosso tempo, para acabar uma relação tínhamos de ter coragem de olhar nos olhos e dizer ‘não dá’. Hoje pega-se num telefone e manda-se uma mensagem a dizer ‘acabou’. São coisas que já não voltam para trás.”

Fado e electrónica

Isso é o que ele diz em De mim para mim. Mas há outras referências, como em Bola p’ra frente: “Apeteceu-me aí fazer uma analogia entre o esférico que é o planeta e o que rola no campo. Ou seja, as coisas menos bonitas no futebol também as temos na sociedade.” Mas há também, como o nome do disco indica, um olhar mais íntimo e pessoal sobre a sua vida. “Eu comecei a tocar muito cedo, nos bailes, ou a cantar o fado com o meu avô, e a minha mãe nunca aceitou de bom grado que eu tocasse à noite, no fado. E só quando eu fui tocar para a Amália, aos meus 20 anos, é que ela percebeu que não valia a pena insistir, porque era isto que eu ia ser. E eu conto isso, em A minha história.” Noutro tema, Menino triste, tem ao seu lado a voz de Jorge Nunes, seu filho, também fadista: “Convidei-o porque ele tem um timbre muito parecido com o meu. Esse menino da canção é o que eu era, muito triste, sentado.”

A par dos originais regressa, regravado, Umbadá: “Quando o cantei, não pensei que não me iria livrar dele. É Umbadá até à morte! Hoje, quando estou no palco, meninos de 15 ou 16 anos pedem-me que o cante. Por isso regravei-o, com o Dino a trabalhar um naipe de vozes incrível.” Os arranjos são, neste disco, menos usuais. “O que o diferencia é a chegada ao fado da electrónica, daqueles sons que hoje a sociedade ouve, e não só os mais novos. Admiro profundamente estas novas gerações, que acho brilhantes. E eu, que andei por fora a gravar com nomes como Gismonti ou Lucio Dalla, apaixonei-me pelas novas gerações de músicos portugueses. Basta ver o Salvador Sobral, a 'dar cabo' do mundo inteiro. Se tivéssemos alguma agressividade de mercado, teríamos muito mais gente lá fora, e não seria só o fado.”

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