May conta com Javid para travar polémica das deportações

A anterior ministra do Interior enredou-se nas quotas de deportação de imigrantes ilegais, que afectou de forma indevida a “geração Windrush”. É mais um problema para a primeira ministra britânica, na véspera de eleições locais.

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Sajid Javid liderava a Habitação, Comunidades e Poder Local TOBY MELVILLE / Reuters

O Governo britânico, liderado por Theresa May, está de novo sob fogo, na sequência da polémica que levou à demissão de Amber Rudd e à nomeação de Sajid Javid como novo ministro do Interior. Rudd foi obrigada a afastar-se depois de provado que, ao contrário do que assegurara numa audição parlamentar, sabia do sistema de quotas de deportação de imigrantes ilegais, executado pelo seu ministério. O plano acabou por afectar abusivamente caribenhos com estatuto de residência permanente, a quem o novo ministro prometeu protecção.

“Para todos os que pertencem à ‘geração Windrush’, que residem neste país há décadas, e que sofreram às mãos do sistema de imigração [britânico], deixo uma garantia: esta situação nunca deveria ter acontecido e eu farei tudo o que estiver ao meu alcance para a reparar”, prometeu Javid, na sua intervenção inaugural esta segunda-feira na Câmara dos Comuns de Westminster.

No centro da controvérsia está a recente categorização como “imigrantes ilegais” dos cidadãos da chamada ‘geração Windrush’ – pessoas nascidas nas antigas colónias britânicas das Caraíbas a quem o Reino Unido abriu as portas, no pós-Segunda Guerra Mundial, para ajudar a reconstruir a economia do país – e dos seus descentes. 

Posta em prática no âmbito de uma estratégia de redução da imigração – intitulada “política de ambiente hostil” –, esta classificação deu origem a ameaças de deportação, proibições de entrada no Reino Unido e a restrições no acesso ao sistema nacional de saúde e ao sistema de pensões e benefícios sociais, que incidiram sobre elementos da ‘geração Windrush’. A maioria das pesssoas não foi registada pelas autoridades quando entrou em solo britânico.

O tratamento injusto das autoridades àquele grupo específico de imigrantes originou críticas à execução da política migratória do Governo e, sobretudo, à ministra do Interior. 

No meio do turbilhão, Amber Rudd acabou por garantir aos deputados que não tinha conhecimento das quotas anuais concebidas para aumentar o número de deportações de imigrantes ilegais. Mas uma carta sua divulgada pelo Guardian deixou-a entre a espada e a parede. Dirigido a May, o documento dava conta da sua intenção de aumentar o volume de deportações em 10%. 

A confirmação de que induzira os parlamentares em erro obrigou a ministra a abdicar do cargo e colocou a pressão em cima dos ombros do seu sucessor, Sajid Javid, mas também de Theresa May, que liderava o Home Office aquando da concepção da “política de ambiente hostil”. 

Criticada pelo planeamento e pela execução indevida do sistema de quotas – Jeremy Corbyn disse mesmo que Rudd era “o escudo humano” de May – e também por não ter vindo a terreiro corrigir as declarações de Rudd aos deputados, a primeira-ministra acabou por adoptar uma postura de distanciamento em relação à polémica. Lançou Javid para Westminster e frustrou, com essa decisão, os apelos da oposição, que a queriam ver a defender na primeira pessoa a honra do Ministério do Interior e do Governo.

“Amber Rudd foi muito clara sobre os motivos que a levaram a demitir-se: deu uma informação à Câmara dos Comuns que não estava correcta”, resumiu May, em declarações à Sky News. Admitiu ainda que, quando passou pelo Home Office, existiam, de facto, “quotas” para “remover do país pessoas que estivessem ilegais”.

Pró-UE mas não tanto

Para liderar o Ministério do Interior, May escolheu Sajid Javid, de 48 anos, filho de um motorista paquistanês cuja família emigrou para o Reino Unido na década de 1960, e actual detentor da pasta da Habitação, Comunidades e Poder Local.

Ex-director do Deutsche Bank, Javid ingressou na política em 2010, tendo subido na hierarquia do Partido Conservador sob a protecção de George Osborne – responsável pelo Tesouro no executivo anterior, actual editor do London Evening Standard e um dos grandes críticos de May. Antes da Habitação, Javid liderou os ministérios da Cultura (2014-2015) e do Comércio (2015-2016) dos governos de David Cameron.

Com a sua entrada no executivo de May, no cabinet britânico mantém-se o equilíbrio de ministros a favor e contra o “Brexit”, que a primeira-ministra tem procurado desde que assumiu funções. Sahid Javid é um apoiante da manutenção do Reino Unido na União Europeia, ainda que não assuma essa postura de uma forma tão declarada como a sua antecessora. Já demonstrou publicamente o seu cepticismo em relação a um “soft-Brexit” e defende o respeito absoluto pelo resultado do referendo de 2016.

“A população britânica deu instruções claras à classe política através do referendo à UE, que incluem o abandono da União Aduaneira, uma parte intrínseca da UE. O Reino Unido deve sair [da União Aduaneira] e ser capaz de assinar os seus próprios acordos comerciais”, tweetou há cerca de uma semana.

Pessimismo tory

A quarta demissão de um ministro britânico no espaço de seis meses volta a expor as fragilidades de um Governo que procura manter-se focado nas difíceis negociações do “Brexit” com a UE, mas que volta e meia se vê envolvido em polémicas dentro de portas, que lhe roubam tempo e lhe danificam a reputação.

Foi igualmente dentro de portas, aliás, que esta segunda-feira o n.º 10 de Downing Street sofreu novo revés. Na Câmara dos Lordes foi aprovada mais uma emenda à proposta de lei que regulará a saída do Reino Unido da UE, oferecendo ao Parlamento britânico poderes para bloquear ou adiar a assinatura do acordo final entre Londres e Bruxelas. A emenda foi aprovada com 335 a favor e 244 contra, e que constitui mais uma derrota desconsoladora para May.

À luz destes obstáculos, não é nada animador o cenário que espera o Partido Conservador nas eleições locais agendadas para quinta-feira, numa altura em que o partido ainda se encontra abalado com a desastrosa perda de maioria nas eleições gerais do ano passado.

A isto se soma um plausível aproveitamento desta votação, por parte do eleitorado, como um autêntico tira-teimas ao “Brexit” – ou à estratégia do Governo para o mesmo. Tudo hipóteses que servem para alimentar o pessimismo tory e deixar May em maus lençóis, a menos de um ano do divórcio europeu.

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