No centro de Oslo nem mesmo os carros eléctricos vão ter luz verde
A capital do sétimo país mais rico do mundo, que faz fortuna a vender petróleo, quer banir a venda de carros poluentes a partir de 2020. Mas nem mesmo os “zero emissões” vão poder circular no centro da cidade.
A adesão aos carros eléctricos continua a crescer na Noruega, graças a um generoso programa de incentivos, que inclui isenções de IVA na aquisição e no imposto de circulação e descontos nas portagens. Estes veículos representaram 21% das vendas de carros novos em 2017 e já há perto de 150 mil em circulação, segundo a associação de veículos eléctricos EV Norway. No total, venderam-se 33 mil carros eléctricos novos e mais 8500 em segunda mão, em comparação com os 1640 vendidos em Portugal.
Com estes números, a sétima nação mais rica do mundo (de acordo com o Fundo Monetário Internacional, a Noruega tem um PIB per capita de 71.830 dólares, acima dos 30.420 dólares de Portugal, que está 40 posições abaixo naquela tabela) é uma verdadeira referência na mobilidade eléctrica (alimentada essencialmente por energia hídrica) e um mercado onde todos os produtores de automóveis querem estar.
Tudo indica que a Noruega — onde o petróleo e o gás natural representaram metade das exportações em 2017 e atingiram, no conjunto, 42 mil milhões de euros — está no bom caminho para cumprir a meta indicativa de eliminar a venda de veículos a gasóleo e gasolina a partir de 2025. Mas a capital do país, Oslo, não só é mais ambiciosa quanto ao fim da comercialização de carros convencionais, como está já a preparar o passo seguinte: retirar o maior número possível de veículos do centro urbano.
“O nosso objectivo é que todos os carros novos vendidos em Oslo depois de 2020 sejam recarregáveis (eléctricos ou movidos a hidrogénio) ou alimentados por combustíveis renováveis (como o biogás)”, disse ao PÚBLICO a vice-presidente da Câmara de Oslo com o pelouro do Ambiente e dos Transportes, Lan Marie Berg. As perspectivas são animadoras, tendo em conta que, “em Março, 54% dos novos carros vendidos foram eléctricos”, afirmou. Além disso, até 2030, a cidade quer “eliminar progressivamente” a circulação de carros poluentes. Contudo, essa mudança “não resolve o problema da limitação de espaço”, frisou a autarca. “Por isso estamos a trabalhar para reduzir o trânsito automóvel em 20% até 2019 [data do final do mandato], de maneira a libertar espaço para os peões, para as ciclovias, para os transportes colectivos e para a vida na cidade”, explicou Lan Marie Berg, do partido Os Verdes.
Com cerca de 670 mil residentes, a população de Oslo cresceu 22% nos últimos dez anos (de acordo com os dados disponíveis no portal do município) e a expectativa é que receba mais cem mil pessoas até 2030. Esse facto não só obrigará a criar mais habitação, mas atrairá também para a cidade um maior fluxo de transporte de mercadorias.
Para contrabalançar o impacto, o executivo camarário de coligação (composto por trabalhistas, socialistas e ecologistas) que governa a cidade desde 2015 considera indispensável reduzir a presença do automóvel privado no centro urbano. Não apenas para limitar as emissões poluentes — a meta até 2020 é reduzir as emissões de gases com efeitos de estufa em 50% face a 1990 — mas também para levar mais vida às ruas da capital.
A iniciativa “cidade sem carros” quer criar uma Oslo “mais verde e calorosa, com espaço para todos” afirmou a autarca em declarações enviadas ao PÚBLICO. “O principal objectivo é reprogramar a forma como o espaço público no centro da cidade é usado: deve ser para as pessoas e não para os carros”, explicou.
A Câmara de Oslo quer “mais vida nas ruas e mais lugares para as pessoas se encontrarem com os amigos sem terem de comprar alguma coisa num restaurante”, por isso, no ano passado, eliminou 300 lugares de estacionamento no centro e este ano prevê eliminar outros 400. Ao mesmo tempo criaram-se zonas de estacionamento exclusivas para deficientes, para cargas e descargas, e para profissionais, como carpinteiros e canalizadores, que precisam do carro para chegar ao centro da cidade com os seus materiais. “Estamos a avaliar estas medidas, depois de termos recolhido informações das várias partes envolvidas, mas há que notar que há mais de nove mil lugares de estacionamento em parques nas imediações da zona sem carros”, disse a autarca.
Além de eliminar os estacionamentos nas zonas centrais, a cidade está igualmente a trabalhar “num plano permanente para ajustar” a circulação automóvel, criar mais ruas pedonais e evitar a proliferação de veículos privados. O projecto tem sido recebido com entusiasmo, mas também motiva “algumas preocupações”, reconhece Lan Marie Berg, assegurando, no entanto, que o diálogo entre o município e os “vários ramos de negócio e interesses” na cidade “é bom”. O processo é “complexo e demorará tempo a implementar para que corra bem”, mas dificilmente fará marcha atrás: “Na nossa experiência, as áreas de Oslo que não têm circulação de automóveis são as mais populares para todos, sejam residentes, turistas ou outros visitantes”.
Menos trânsito
Enquanto o espaço deixado vago pelos carros se enche com bancos, áreas verdes, espaços de trabalho ao ar livre ou instalações de arte (e a câmara abre candidaturas a fundos para quem neles queira organizar eventos desportivos e culturais, “ou outras iniciativas que contribuam para tornar as ruas da cidade mais inovadoras e excitantes”), estão os transportes públicos preparados para o aumento dos passageiros? Berg garante que sim.
“Estamos a reforçar o nosso sistema de transportes públicos em paralelo com as medidas para reduzir o trânsito” automóvel. Os “investimentos maciços em novas infra-estruturas e reforço das existentes” são suportados com “93% do dinheiro recolhido no anel de portagens” à volta de Oslo, disse Berg sem divulgar números. Nas portagens, os condutores de carros eléctricos “beneficiam de um grande desconto”, além de poderem estacionar de graça e usar a via dos transportes públicos.
Incentivos como este “têm sido decisivos” para garantir a adesão dos noruegueses ao carro eléctrico e será necessário mantê-los nos próximos anos — ainda que com ajustes progressivos — “para que a transição [para um parque automóvel de “emissões zero”] se faça o mais rápido possível”, reconhece Berg.
Estará este esforço da capital em prol da descarbonização relacionado com os remorsos de quem prosperou à custa do petróleo? “Não lhe chamaria consciência pesada, mas, como capital de um país rico, Oslo tem responsabilidade de liderar o caminho para um futuro mais sustentável”, diz a ecologista, que considera “embaraçoso que a Noruega seja dos poucos países europeus onde as emissões de CO2 estão acima dos níveis de 1990”.
Sublinhando que a política de petróleo e gás é “decidida a um nível nacional”, Berg diz que, se fosse ela a escolher, o país parava com a exploração de hidrocarbonetos (iniciada na década de 70). Mas esse cenário é muito improvável. Ainda em Janeiro, o ministro norueguês do Petróleo e da Energia anunciou a atribuição de mais 75 licenças de exploração que permitirão fazer novas descobertas, “criar oportunidades de emprego” e “financiar o Estado-providência”.
As receitas do petróleo também alimentam o fundo soberano da Noruega, o maior do mundo, que tem um valor de mercado em torno dos 855 mil milhões de euros. Criado com o objectivo de preservar património e pagar pensões às gerações futuras de noruegueses, o fundo gerido pelo Norges Bank investe em empresas de todo o mundo (em Portugal está no capital de 22 cotadas, destacando-se a posição de 2,75% na EDP, os 1,25% da Galp, ou os 1,68% do BCP). A nível global, como maiores investimentos sobressaem os 1,22% da Apple, os 0,89% da Nestlé e os 0,88% da Microsoft.
A jornalista viajou a convite da Volkswagen Financial Services